Tanko (IV) - Mulheres à vista

MULHERES À VISTA

De J.B. Tanko, 1959

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Pasmem, a metalinguagem chegou à chanchada!! Depois de três filmes até interessantes mas bem acadêmicos, agora sim um filme: este Mulheres à vista... As palavras são pequenas, fica difícil descrever, definir o que seja este trabalho. Hoje, apenas digo que se eu pudesse passar apenas um filme para falar sobre o cinema brasileiro, eu escolheria este. Sim, porque tenho a impressão de que o cinema brasileiro é exatamente isso: a “aventura pessoal” por trás do subdesenvolvimento, o sonho do empreendedor e o misto mambembe da malandragem, da arquitetura e da “lábia”.

 

Vamos ao filme: Zé Trindade (com uma atuação extraordinária) resolve, do nada, montar uma apresentação num teatro da cidade que está quase fechando. Sem dinheiro, finge ser o famoso empresário João Flores e arma alguns “golpes” para consegui-lo: finge estar hospedado no Copacabana Palace, consegue capital de giro comprando a prazo e vendendo a vista, troca as promissórias por um caminhão, da uma cantada na viúva dona do teatro, etc, etc. Mas aos poucos vai sendo desmascarado, e o filme é uma espiral angustiante: no dia da estréia existe uma penca de pessoas doidas pra comer o fígado de João Flores. E tem mais, tem os egos: tem um tal de Galileu (Renato Restier) que, invejoso do possível sucesso que o João das Flores pode eventualmente ter, quer derrubar o cara, até porque o Galileu desistiu de fazer projetos no teatro porque não conseguiu ter retorno financeiro.

 

O malandro meio vigarista João Flores é o empreendedor do cinema brasileiro, é o retrato típico do subdesenvolvimento (como diria Paulo Emílio), do amadorismo do setor. Mas não deixa de ser comovente sua ingenuidade, não deixamos de ter simpatia com ele, apesar dos seus golpes. (Essa é a grande contribuição da estética da chanchada nesse filme em particular.). O Galileu também: é o cara que torce contra, o rancoroso, o que trabalha para sacanear os outros.

 

No final, João Flores tem que fazer uma porrada de coisas sozinho, ele mesmo (i.e a experiência solitária, o cinema autoral), ou seja, o espetáculo vira uma caricatura de si mesmo, vira o que é possível fazer dadas as circunstâncias. Isto é, só é possível rir de si mesmo, rir das suas impossibilidades: e aí o filme se assume como metalinguagem sobre a própria chanchada. Tem uma cena em que o João precisa reger a orquestra e tocar tuba e trompete ao mesmo tempo, pq os músicos fugiram pq não tinha grana, e todo o público ri descaradamente dele (ele tropeça nas coisas, não tem afinação, etc.). É uma das cenas mais tristes e mais pessoais que já foram filmadas sobre o cinema brasileiro.

 

Pra mim, trabalhando onde eu trabalho, em que a gente fica pensando constantemente sobre isso, o filme bateu muito fundo, ainda estou em fase de assimilação. Tem ainda a utilização quase genial das cenas musicais, fazendo um contraponto e uma rima com toda a estrutura do filme (i.e combinando com ela e ao mesmo tempo problematizando sua construção). As palavras falam pouco... ah, e o argumento é do próprio zé trindade. Disparado, o melhor tanko até agora.

 

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