o fim de Corrida Sem Fim

Ontem revi, umas dez vezes, o final de Corrida Sem Fim, a obra-prima do Monte Hellman. É inacreditável, é um dos melhores finais do cinema. Um final simples, surpreendente, conciso e de síntese. De enorme valor expressivo. Sem palavras, praticamente sem som. Sabemos que o bom cinema é o físico, o que não nega a materialidade da representação. Sabemos também que o bom cinema é o metafísico, o cinema do espírito. Sabemos que o cinema é mera representação, mas que pode ser também transformação. Sabemos que o fim é a morte. Está tudo lá no final de Corrida Sem Fim (o título em português é por isso mesmo muito ruim). A largada é dada, como todas as outras: mais uma aposta. Mas algo desta vez está estranho: o som do motor abafadiço, a velocidade alterada, em slow motion (lembremo-nos: a corrida é em alta velocidade...). Tudo pára: o filme se esgarça, queima. Fim. Toda a precariedade da vida nossa de cada dia contamina até os grãos de prata do maldito acetato. O barulho do motor na verdade vira o ruído do projetor (olhem que achado...) Até o acetato se deteriora: é preciso nos lembrar também que tudo é um filme, e o suporte físico do filme também acaba. Os motores acabam; o amor acaba; a vida acaba; o filme acaba. Será que o filme queimando representa a morte dos pilotos? Talvez com o motor explodindo? Talvez uma morte metafórica? Talvez, ou provavelmente não.

O filme se esgarça, queima. Como pôde Monte Hellman promover isso? Da corrida, que acontece na diegese, transferir para o próprio suporte da película? Será que por um processo meramente físico-químico (uma combustão)? Será que por um processo metafísico-espiritual (um milagre, uma “telepatia mística”)? Existe o tempo todo ou não existe alma no filme, nos personagens, nos atores, no realizador?

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