Televisão x cinema, de Jayme Monjardim

Muito interessante esse texto do Jayme Monjardim, tentando se defender das críticas sofridas pelo seu Olga. Ele responde com nítido rancor, o que é ainda pior, porque parece que ele acredita mesmo que fez um grande filme e que foi injustiçado pela crítica que só o malhou porque ele veio da televisão. O texto não é bom, mas é interessante, porque coloca em termos técnicos um debate sobre as características da TV e do cinema em termos de linguagem. O argumento de Monjardim é quase a favor de uma espécie de “globalização”: a linguagem é global, universal, o meio não interfere na linguagem em si, apenas num estilo. Assim, segundo ele, seria irrelevante se um filme tem “linguagem televisiva” ou “linguagem cinematográfica”. Sim, mas poder-se-ia responder: se isso é irrelevante, Olga pode não ser “linguagem televisiva” mas é simplesmente um filme ruim. Quando ele começa a falar sobre o público, aí complica de vez. Então, com que autoridade ele pode dizer o que o público quer ou deixa de querer? Sobre os sentidos, chega a ser ridículo: o que falta emoção é o trem que ele dirigiu. Já falei bastante sobre isso.


Televisão x cinema
Jayme Monjardim

É preciso deixar claro aos que alimentam este debate de poucas luzes, como o fez brilhantemente o cineasta Jorge Furtado ("Zero Hora", 23/8/2003, "Como se faz não é como se vê"), que não existe linguagem de televisão e linguagem de cinema. Por definição da Língua Portuguesa, linguagem é "todo sistema de signos que serve de meio de comunicação entre indivíduos".

Os signos e elementos utilizados nas obras para televisão ou cinema são os mesmos e compõem a linguagem visual. Não há duas linguagens, mas dois meios. Dois veículos distintos especialmente pelo comportamento que impingem ao espectador. No cinema, a pessoa paga e se arma de paciência para assistir (até o fim, quem sabe) a um filme numa grande sala escura. Na televisão, o sujeito recorre ao controle remoto e tem poder sobre a exibição.

Dois meios, dois comportamentos. Uma única linguagem, que comporta, é claro, milhares de estilos e liberdades artísticas, mas esse debate não chega a empolgar alguns críticos, que acham mais produtivo estabelecer o que pode ou não pode ser feito em duas coisas que simplesmente não existem, a linguagem de televisão e a linguagem de cinema.

Para piorar e acentuar a ignorância do debate, estão em voga, além dos argumentos falaciosos, que tentam associar filmes à fictícia linguagem de televisão ou à fictícia linguagem de cinema, os argumentos prepotentes e que escondem um profundo rancor com o público. Não é à toa que, usualmente, filmes que batem recordes de público são rejeitados por alguns críticos. Há, neste desencontro de interesse e percepção, a premissa de que o que é feito "para uma audiência massiva" é necessariamente ruim.

No mesmo país em que pagar ingresso ainda é luxo para milhões de pessoas, alguns críticos utilizam o termo "televisivo" para depreciar uma obra. E "cinematográfico" para enaltecê-la. Como se houvesse, de fato, diferentes linguagens. Para piorar definitivamente a ignorância do debate, percebe-se um perigoso tom ditatorial no discurso. Afirmações enfáticas sobre o que "se pode" ou "não se pode" fazer num filme.

Como se houvesse um tribunal (militar?) a julgar as liberdades, as escolhas e as visões artísticas de cada realizador - seja ele cineasta, diretor, produtor, roteirista, ator, enfim. Como se houvesse um juiz onipotente (a crítica, esse pequeno e seleto e alheio grupo de pessoas que têm o conhecimento?) a permitir ou não que se sinta uma história da maneira que se pretende senti-la.
Aliás, a irrelevância do debate é tamanha que exclui dele o sentir.

Todos os sentidos ficam de fora da análise ignorante, tipicamente política, que divorcia a técnica da percepção sensorial. E é exatamente aí que reside o único interesse de um realizador: o momento do encontro do espectador com a obra.

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