Minha Vida de Menina

Minha Vida de Menina
De Helena Solberg
VHS, seg 18 20hs
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Sabe que o cinema consegue nos complicar em coisas fáceis? O início de Minha Vida de Menina indicava para um filme quase amadorístico: o predomínio de um cinema tatibitate sobre um mundo rural puro e virginal, com ênfase num cinema acadêmico de fotografia e de reconstituição de época. O início do filme, numa espécie de piquenique com as duas famílias, que tenta promover uma apresentação da atmosfera de todo o filme, nos deixa constrangidos, porque é só ver o que Renoir fez nos anos 30 em Une Partie de Campagne para ver a dificuldade de Solberg em exprimir um tom para o filme.

O filme avança e se desenvolve sem nenhuma novidade: o dia-a-dia opressor, fofoqueiro e conservador de uma cidadezinha (Diamantina), o declínio econômico da mineração, a condição da mulher, são vistos a partir de um cinema do cotidiano que se prende muito mais a anedotas que beiram o lugar-comum (os ciúmes da escola, a avó carinhosa que morre, o primeiro amor, o conservadorismo da confissão na Igreja) do que realmente propor um olhar humano sobre a rotina dessa menina que cresce para a vida.

Minha Vida de Menina sem dúvida fracassa em construir um olhar que possua um vigor de cinema, uma expressão atenta a construir uma personagem humana, em traçar os contornos das suas contradições, das suas dores e pequenas alegrias, etc. Beira, então, o caricatural, e nisso o filme fica próximo do tatibitate (como já dissemos), como se apresentasse o dia-a-dia de uma moça de forma didática, descritiva, banal e anedótica. As pequenas transformações e as relações entre os personagens são muito óbvias, grosseiras, lineares. Minha Vida de Menina, então, é um cinema com uma proposta muito antiga de dramaturgia.

Mas o que nos desconcerta no cinema é a expressão de um autor. Então por vezes ou outra um acorde do filme nos encanta pois para Solberg toda a pacata vidinha de Diamantina cheira a uma inevitável melancolia e saudade perdida. Ume ternura, um abraço carinhoso, uma câmera respeitosa aos recursos do cinema clássico mas atenta aos pequenos detalhes (um vaso que se quebra, a cor de um vestido, a forma como se senta numa cadeira, etc). Nesses pequenos detalhes, Solberg imprime ao filme um ritmo leve, conciente do anacronismo de sua proposta, como um refúgio impossível. Assim, Minha Vida de Menina se torna o filme mais bucólico do cinema brasileiro recente, desesperadamente contra qualquer tipo de aparato tecnológico, rendendo-se a um cinema simples, passadista e nitidamente conservador. Mas encanta sua visão feminina, trágica, doce, esguia. Esquiva-se dos problemas e é ligeiramente covarde, mas é um filme apaixonado, criação coerente. Talvez eu já tenha crescido suficiente e a ingenuidade de Minha Vida me soe nitidamente como ausência, e não como proposta de cinema (como em Jonas Mekas, Kitano, etc), mas ainda assim os poucos méritos do filme podem ser vistos, o que o salva da iminência do desastre.

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