Quanto Vale ou É Por Quilo?

Quanto Vale ou É Por Quilo?
De Sérgio Bianchi
Estação Paço, ter 21 junho 19hs
**½

Outra ausência importante que supri: vi Quanto Vale ou É por Quilo na salinha do Paço. Ver um filme do Sérgio Bianchi é sempre um programa obrigatório. Vê-lo nos faz relembrar que fazemos (aqui me coloco pedantemente nesse grupo) parte de um troço chamado CINEMA BRASILEIRO, e que com todos os problemas e percalços e picaretagens, ainda se trata de CINEMA BRASILEIRO. Paradoxalmente, o desencantado filme do Bianchi nos dá um novo fôlego, uma energia nova, um turbilhão de idéias, uma indignação ante tudo isso que estamos vivendo. E pensamos como é importante que Bianchi permaneça filmando, como o filme é essencial, ele respira um desejo muito grande pela expressão.

Vi esse Quanto Vale ou É por Quilo como uma espécie de desejo de resposta, como uma espécie de auto-defesa. Algumas pessoas (não poucas) disseram que Cronicamente Inviável é um filme muito “esculachado”, muito desleixado em relação ao cinema como ofício, em relação à mise-en-scene, em relação à sua artesania. Então com uma estrutura um pouco melhor Bianchi tbem quis mostrar que sabe filmar: uma luz mais equilibrada, um conjunto de gruas e carrinhos, uma arte bem convincente na parte histórica. Mas aí é que paradoxalmente eu pelo menos achei que o filme perde um pouco o seu encanto. Pois o cinema de Bianchi é assim mesmo: duro, cru, feio, mal acabado. Essa preocupação com o acabamento algumas vezes tira essa energia primitiva, esse tom exageradamente esculachado, que caracteriza com muita coerência o cinema do diretor.

Qdo Bianchi se solta o filme fica bem melhor. E continua sendo uma porrada. Se o cinema brasileiro é “cultura” e “indústria” ao mesmo tempo, então o filme do Bianchi é uma porrada muito grande no falso mercantilismo que ampara a produção nacional. Porque no fundo é um capitalismo de fachada, uma picaretagem de capitalismo, então Qto Vale ou É Por Quilo vira um filme metalingüístico. As ONGs podem ser as cooperativas. Neguinho finge ter filme social só pra ganhar edital da Petrobras, mas no fundo é tudo fachada.

Nesse ponto faltou essa coragem. Obrigatoriamente o próximo filme do Bianchi tem que ser sobre cinema. Tem que ter esse discurso raivoso, ambíguo, complexo, anarquista, mas sobre o cinema. Aí eu quero ver como vai ser.

Fiquei na dúvida se esse filme é um filme anarquista. Na cena do Lázaro Ramos, o filme quase chega a fazer apologia ao seqüestro. Não gostei muito dos 20 minutos finais, embora a idéia do “feitor contemporâneo” seja muito interessante. A parte que acho que Bianchi fica mais à vontade é no comercial com crianças negras. Esse é o cinema do Bianchi!

* * *
Os filmes do Bianchi são num certo sentido muito distantes do que busco no cinema. Claro que um trabalho como Casa de Areia me estimula mais, é mais próximo do que sinto. Mas não dá pra deixar de admirar Bianchi como diretor. Para Bianchi é como se o cinema sucumbisse diante do seu desejo de falar sobre o Brasil, diante de sua indignação com a realidade que vivemos. Isso é muito essencial, muito necessário. Bianchi tem um estilo, um olhar completamente característicos. É totalmente criativo, inquieto como espírito criativo. Por isso, seus filmes são muito bem vindos, e a gente tem que tirar o chapéu. Ainda que, evidentemente, meu espírito oriental não esteja em sintonia com o tom anárquico e exagerado do diretor.

Imperfeito, inacabado, excêntrico, irregular, com um humor particular, o cinema de Sérgio Bianchi é brasileiro. Cinema Brasileiro é isso.

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