(FESTRIO) Election

Election
De Johnnie To
Estação Ipanema 2 seg 26 22hs
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Elecion, de Johnnie To, é um filme comercial de Hong Kong que mostra a máfia dos traficantes de droga e seus códigos de conduta. Falando assim, o leitor pode pensar de que se trata de um telefilme daqueles que passam na Band no domingo à noite. Não deixa de ser, mas por outro lado é extremamente cinematográfico e muito bem realizado. Além de todo o talento de Johnnie To na parte da artesania do filme, com soluções econômicas mas bastante precisas (o filme tem carrinho e gruas quando precisa ter, tem câmera parada quando precisa ter, etc, etc), Election vai bem além disso, apesar das intenções do filme serem modestas. Isso porque é como se, no fundo, o objetivo do artesão To fosse traduzir as tradições dos antigos “filmes de samurai” para o tempo contemporâneo. Os gangsters de Election vivem uma guerra de samurais: tudo o que vale para eles é a manutenção dos seus códigos de conduta e de sua dignidade pessoal. Os dois membros da máfia que lutam para obter o bastão que representa a liderança do grupo (a luta feroz pelo tão simples bastão lembra a referência da “ilusão do poder” de Relíquia Macabra) têm estilos extremamente opostos: um representa a racionalidade, a harmonia e o equilíbrio (yin), o outro, o instinto, a explosão de energia, a violência dominadora (o yang). Johnnie To retrata esse conflito com uma postura fria, mas extremamente sábia e observadora, valorizando em muito o trabalho dos atores e a individualidade (os conflitos psicológicos) de cada um. Com isso, o que é raro, cria um filme de ação em que os personagens ganham vida. Mas o estilo de To é descritivo, sóbrio, é o da invisibilidade da autoria típica do cinema clássico de gênero. Razão ou instinto, tradição ou modernidade, dignidade moral do grupo ou desejo de ascensão pessoal, conflito de temas típicos do cinema oriental, são trabalhados por To com momentos de verdadeira ambigüidade e complexidade. Tudo isso por trás de um cinema de profunda transparência. Ao mesmo tempo, uma ingenuidade, uma devoção e um profundo carinho com que To abençoa as deficiências, as teimosias de seus personagens e especialmente como a direção respeita as suas limitações. Ainda mais: ao final, o que poderia ser um conto moral sobre a necessidade de união e a possibilidade da harmonia e do equilíbrio de forças acaba tendo uma conclusão austera, que problematiza de forma dolorosa toda a sua construção, evitando a “moral da história”. Um final doloroso, amargo mas necessário que revela que o artesão To, por trás de seu cinema simples e cheio de convenções, faz pulsar um profundo desejo, sombrio e urgente, pela natureza do ser humano. Um trabalho para ser visto e apreciado com mais atenção.

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