2046

2046
De Wong Kar-Wai
Unibanco Arteplex 1, ter 19hs
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Apesar de não ter gostado de Amor à Flor da Pele, não sei porque fui com boas expectativas para o novo filme do Kar-Wai, mas bastaram os créditos iniciais para constatar de que a coisa cada vez mais iria pro brejo. Em nenhum momento do filme senti uma vontade legítima, intensa, de se fazer cinema: tudo servia para corroborar a “grife Kar Wai”, ou seja, obra de um deslumbrado que no fundo quer mesmo é aparecer. Os créditos são hilários: as letras incompreensíveis começam pequenas e avançam em direção ao espectador, aumentando de tamanho quando surge o nome do diretor: “um filme de Wong Kar Wai”. Recurso típico do filme, em que tudo é parafernália para aparecer: todos os maneirismos possíveis, firulas, câmeras lentas, etc, etc.

A coisa curiosa é que Kar Wai é um oriental cujo maior desejo era ter nascido latino. E para quem conhece um pouco a cultura oriental isso é a coisa mais esquisita do mundo. Kar Wai quer filmar como um latino, como se fosse Almodóvar: câmeras lentas, entrechos românticos, música latina, etc. Até na atuação e nos diálogos a contenção – típica da expressão corporal e dos costumes orientais – desaparece. Daí vemos como Maggie Cheung é fantástica: ela tem que se desdobrar para dar dimensão a essa personagem tipicamente latina. Ainda assim não consegue tornar o filme suportável. Elipses, flashbacks, pulos, que poderiam tornar o filme mais ágil acentuam ainda mais o tom de cacoete do filme. Mas, enfim, como falávamos, Kar Wai quer fazer cinema latino, e os diálogos e os atores tentam colocar isso. Chega até a ser comovente, porque o filme fala sobre a impossibilidade amorosa, sobre como é vão tentar esconder um sentimento que é inevitável (nada mais latino). Pode-se até argumentar que a beleza de 2046 está nisso: os personagens dizem mas no fundo não dizem nada, e o filme é exatamente sobre essas máscaras. Mas se é assim, a estética deslumbrada de Kar Wai corrobora o “mundo de máscaras”, e dá legitimidade ao mundo superficial e banal em que mergulham os personagens, não havendo nem um distanciamento crítico típico de Fassbinder ou Sirk nem o clima ingênuo da “vida pela vida” dos filmes americanos. Quando entra então o lance do escritor, e o próprio filme é o tal livro, então é que a coisa vai pro brejo de vez. Se não estivesse esperando outro filme depois, confesso que teria saído do cinema. Um dos filmes mais irritantes que vi nos últimos tempos.


E depois vi CRIME DELICADO, o melhor filme brasileiro que vi há tempos. Um filme corajoso, arriscado. Falo mais depois, inclusive sobre a tétrica crítica da Veja, assinada por Isabela Boscov.

Comentários

Anônimo disse…
se, em vez de desatar a catalogar wong kar-wai como 'o cineasta oriental que quer ser latino' perdesse o seu tempo a tentar analisar o seu cinema sem esse tipo de pré-concepções, talvez descobrisse que o seu cinema é muito mais que isso, e que 2046 é um filme absolutamente universal.
mas enfim, cada um vê o que quer ver. ou o que pode.

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