O Libertino

De Laurence Dunmore

Paissandu qua 19hs

** ½

 

Na última semana, pelo menos umas seis pessoas me recomendaram esse O Libertino, que eu acabei vendo, apesar dos preconceitos por ser “um filme de época”, mais por estar passando do lado da minha casa e por ser convencido que era um filme sobre o processo de criação. Não deixa de ser, mas na verdade O Libertino é sobre a impossibilidade do processo de criação, ou mais ainda, a impossibilidade de uma pessoa ser feliz, se realizar, simplesmente porque ela não ama a nada ou a ninguém, nem mesmo ela própria.

 

Por isso, por trás do “filme de época”, O Libertino acaba sendo o avesso de um Shakespeare Apaixonado: um clima de decadência e de luxúria fútil é espelhado por uma fotografia envolta por uma sombria névoa. Diferentemente dos cacoetes maneiristas da “trilogia dos líderes” de um Sokurov, aqui essa névoa tem uma profunda relação com esse tom ambíguo e enigmático que percorre toda a narrativa.

 

Ainda mais surpreendente é que não só o fotógrafo Alexander Melman mas o próprio diretor Laurence Dunmore são estreantes em cinema. E ainda mais: Dunmore veio da publicidade. Mas seu filme é quase anti-publicitário: ao mesmo tempo que o filme tem um tom narrativo sóbrio, tem uma profunda participação da fotografia e câmera, e uma imensa vontade de um trabalho de direção de atores. A fotografia e câmera são uma proeza: Melman nunca fica seduzido pela opulência do cinemascope mas sempre trabalha de forma implícita com os espaços fora do quadro, com uma câmera que asfixia os personagens dentro desse espaço físico, delimitado pelo enquadramento. Ainda, combina interessantíssimas panorâmicas (o exemplo mais típico são suas tomadas da reação da platéia no teatro, em que muitas vezes ele quebra o campo-contracampo para compor pans circulares) com uma marcante presença da câmera na mão, quando quer colocar um tom tenso e menos pomposo a essa história.

 

Mas se é certo que a forma como Dunmore conta essa história e articula os elementos de linguagem mostra sua consciência do que é ser diretor, o que mais me impressionou em O Libertino é esse fascinantemente repulsivo personagem de Jonnhy Depp, sua leitura desse personagem e sua decadência moral ao longo de todo o filme. O filme mostra como o talento é esmagado pelo sistema, mas não só pelo sistema mas também muito pela própria vaidade pessoal, de modo que é um tema que me interessa em muito, ainda mais no meu momento de AGORA. O personagem de Depp, o tal Conde de Rochester, tem a chance de fazer uma grande obra: apresentar um espetáculo teatral de sua autoria, com carta branca. Mas tem uma reação infantil: atormentado pela possibilidade de “ser patrocinado pelo sistema”, acaba vendo seu talento sucumbir diante de sua vaidade pessoal, de sua arrogância. Acaba apresentando uma peça pornográfica, jogando todas as suas possibilidades pela janela, sem conseguir construir um projeto de contestação. Jonny Depp tem uma relação destrutiva com tudo que o cerca, e é incapaz de transformar sua revolta em qualquer coisa positiva. O Libertino é até “direitista” na sua insistência na decadência pessoal e no triunfo das forças do sistema: no final, quando o desfigurado Conde vai à corte defender o Rei, fica comprovada sua falência: é preciso antes de tudo que a aristocracia sobreviva. Mas é impressionante a forma rica como Depp compõe esse personagem amargurado com a miséria da condição humana, como ele joga fora todas as suas possibilidades simplesmente por ser incapaz de encarar a vida, por ser incapaz de amar, e em como ele se deixa facilmente esmagar pelo sistema também por sua própria vaidade pessoal. Belo e triste filme!

 

 

Comentários

Anônimo disse…
Uma análise (quase) perfeita de um dos melhores lançamentos do ano, até o momento. Parabéns. E um abraço.

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