Intervalo Clandestino

Intervalo Clandestino
de Eryk Rocha
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Intervalo Clandestino vem num momento oportuno (a chegada das eleicoes) para buscar refletir um pouco sobre o que representa o processo politico brasileiro, e a decepcao do povo brasileiro com a eleicao de Lula, ja que tudo continua como dantes no quartel de Abrantes.

O filme procura a principio nao ser conclusivo, apenas coletando depoimentos de pessoas anonimas nas ruas, que mostram sua visao sobre a politica brasileira.
Mas nao somos ingenuos para pensar que o filme eh totalmente em branco. Claro que ele conclui. E sua conclusao eh apresentar "o fim do sonho", a desesperanca do brasileiro na politica, quem quer que seja que venha a ser eleito.

Nao da pra nao comparar. Eryk tem na cabeca retomar a politica como tema do filme pensando em seu pai. Ele ainda tem uma certa dificuldade de cortar o cordao umbilical. Para o bem e para o mal.

Mas qual eh o projeto de cinema, de politica e de Brasil que o filme propoe, ao constatar o vazio dos ideais das pessoas de hoje?
Nenhum. Intervalo Clandestino fracassa nisso, e nesse ponto, concordo com a critica de Inacio Araujo na Folha sobre o filme.
E digo ainda: Eryk caiu na armadilha de seu proprio discurso.
Primeiro, chamando atores (como Godot Quincas) para dar depoimentos para o filme, o que acho questionavel.
Segundo, por tentar evitar se posicionar em relacao aos depoimentos dos populares, o filme acaba perdendo a forca de ter um olhar mais contundente sobre o momento que passamos.

"A voz do povo eh a voz de Deus", seria um bom resumo da proposta do filme.
Mas esse certo "populismo" acaba sendo ingenuo, porque, se por um lado revela essa indignacao, tambem revela a incapacidade da articulacao de um discurso, seja de entendimento dessa falta de credibilidade seja para criar uma alternativa para superar a crise.
Nisso, o filme de Eryk tambem acaba sendo ingenuo, seja como atitude politica (para dar conta da complexidade do fenomeno) seja como cinema (simplesmente registrando os populares), e fica no meio do caminho de diversas coisas.

A se destacar: o filme tem um trabalho de linguagem (camera, corte e som) que enxerga o documentario como processo de criacao, fugindo de um tom mais convencional, e ate o aproximando da videoarte, com uma estetica mais arrojada, que ja dera tipica dos curtas e dos trabalhos anteriores do diretor. Os blocos sao organizados livremente, sem cartelas, ou quebras para definir a divisao dos temas. Destaca-se tambem, principalmente, a participacao ativa do som, e o exemplar uso da edicao de som e da construcao de uma paisagem sonora rica e criativa.

Se o filme nao consegue dar conta do processo politico brasileiro, como se propoe, sua principal funcao eh mostrar a vitalidade estetica do atual documentario brasileiro, fugindo de um tom mais cerimonioso ou de um formato televisivo e buscando novas formas esteticas de se documentar.

Por fim, a se lamentar o desastrado lancamento do filme, que poderia ser muito melhor trabalhado, dado o momento das eleicoes e a filiacao do diretor.

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