Festival do Rio

Bom, já que não há saída, comecemos as resenhas sobre os filmes do Festival do Rio...

(FEST RIO 1)

Shanghai Dreams
de Wang Xiaoshuai
São Luiz 3, sex 23 19hs
* ½

Vencedor do Prêmio Especial do Júri no Festival de Cannes de 2005, Sonhos com Shangai é o que se espera de um filme chinês projetado para o público do cinema de arte internacional: a história (com H maiúsculo) de transformações do regime comunista chinês aparece como pano de fundo para um enredo romântico com tons melodramáticos. Com isso, surgem os clichês desse tipo de cinema: símbolos fáceis, vitimização da protagonista, tempos que estimulam uma afeição/comoção do espectador.

Mas o que por vezes encanta em Sonhos com Shangai é como Wang Xiaoshuai imprime em quase todo o filme, especialmente na sua segunda metade (após a primeira transa da amiga de Qing Hong), uma enorme melancolia, e em como a posição da câmera e os tempos vão respeitar esse percurso da protagonista. O que poderia parecer uma parábola tipicamente moralista (o pai estava certo ao ser rígido com a filha para que ela não perdesse a virgindade, como sua amiga) acaba se tornando um painel ambíguo sobre a dificuldade de crescer e assumir sua verdadeira identidade por um lado (o conflito entre gerações que não existe, a gradual tentativa de humanização desse pai), e por outro, sobre a decadência de um projeto de desenvolvimento chinês e da impossibilidade de diálogo entre essa China interior e uma “nova China” progressista, vinda de Shanghai para “ensinar” aos interioranos o caminho do sucesso. Uma cena simples de roteiro, como o diálogo entre o pai de Qing Hong e seu suposto namorado, numa casa de banhos, acaba tendo uma languidez (os movimentos do pai se enxaguando) e uma ênfase no constrangimento (os corpos nus, a falta de troca dos olhares) que mostram que o projeto de Xiaoshuai, quando vai além de ilustrar os tons fáceis de um cinema de arte internacional, atinge um sentimento de cinema além do convencional.

Esse tom de melancolia é calcado na expressiva atuação de Yuanyuan Gao, com quem o cineasta já havia trabalhado em As Bicicletas de Beijing. Alter-ego do próprio cineasta, ela se revela testemunha muda de um tempo, vítima passiva desse castelo de cartas (como o é numa instância ainda maior seu próprio irmão menor). Mas apesar desses méritos, fica um certo gosto de decepção de Sonhos com Shanghai porque o tom excessivamente correto da história acaba sufocando a sensibilidade do diretor, que perdeu a oportunidade de fazer um filme mais criativo sobre esse painel de transformações.

Comentários

Eduardo Ferreira disse…
Poxa, grande... Tenho que discordar da sua "decepção" com o final do filme. Pode ser porque desconheço a obra completa do diretor, bem como talvez porque eu não seja um cinéfilo de carteirinha, mas o filme é de fato impressionante! O final é agonizante demais, e deixa muito o que pensar.
Gostei muito da sua análise do desenrolar do filme, mas não concordo com sua idéia de desfecho fraco. Enfim! É realmente um filmásso!

Postagens mais visitadas