Nuvens Passageiras (Drifting Clouds)

de Aki Kaurismaki

Emule, dom 10 dez 21hs

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Drifting Clouds (como não tem título em português, preferi usar o da versão em espenhol, Nuvens Passageiras) foi o primeiro título de Kaurismaki a entusiasmar os críticos fora da Finlândia, seu país natal. Inédito no Brasil, acessível graças ao emule, o que o filme nos revela é que, desde muito tempo Kaurismaki já tinha um projeto claro de cinema, mas que seu estilo foi gradativamente se afinando, pois seus dois últimos trabalhos (O Homem Sem Passado e Luzes na Escuridão) são bem mais maduros, tanto em termos do uso consciente dos elementos de linguagem quanto no próprio desenvolvimento da dramaturgia.

 

O olhar simpático de Kaurismaki para os menos favorecidos socialmente, mas através de um cinema de construção de mise-en-scene que foge intencionalmente do realismo (o que só nos lembra como um cinema de abordagem social ainda está muito preso aos padrões do cinema neorealista italiano), para mostrar pessoas comuns que lutam por sua dignidade numa atmosfera praticamente insensível à luta humana, com um toque de humor particular, já está evidente no filme. Aqui, um casal (um maquinista de trem e uma garçonete-chefe) é despedido de seu trabalho sem justa causa (redução de empregos devido à recessão ou mudança de hábitos) e entra numa espiral crescente de decadência econômica quando não consegue um novo emprego. Sua luta para manter sua dignidade tem um paralelo claro com a mesma situação de Ladrões de Bicicleta, com a diferença, já assinalada, que o filme de Kaurismaki é no seu processo de encenação, anti-naturalista. Os personagens são frios, duros, mas têm uma luz interior. Toda a trajetória do filme, como em outros do diretor, é desses personagens em permanecerem humanos, é em acreditar em alguma coisa.

 

Sóbrio, mas com um humor muito particular, de tom improvável dada a natureza do filme, Kaurismaki sempre encanta por conseguir imprimir à obra um tom exato com o uso marcante dos elementos de linguagem. Mas aqui, em comparação a seus títulos posteriores, tudo ainda soa um pouco forçado e um tanto esquemático. A situação culmina num improvável final feliz, quando finalmente o casal consegue ser bem sucedido abrindo um negócio. De qualquer forma, é impossível ver Nuvens Passageiras sem pensar no bla-bla-bla chato de Ken Loach: Kaurismaki constrói uma fábula realista e não uma ficção de suposta base documental. A reflexão sobre essas diferenças nos diz muito, em termos do que uma imagem ou uma dramaturgia aparentemente realista pode nos esconder ao invés de nos revelar. O mundo de Kaurismaki é o mundo do cinema, completamente diferente do nosso, mas claramente é o nosso. Esse paralelo ético, ciente das limitações da encenação e do realizador é a grande contribuição de Kaurismaki ao cinema de cunho social, ao qual nitidamente ele se insere. Ao mesmo tempo, obras posteriores deram a esse “cinema social” uma maior abrangência, tornando seus trabalhos mais complexos e mais instigantes.

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