mINHA VIAGEM À fORTALEZA (1)

Rever Ladrões de Bicicleta depois de tanto tempo foi como que tentar reencontrar um sentimento perdido, tentar recuperar aquele momento mágico que é descobrir um grande filme que faz mudaqr você mesmo e faz mudar a sua vida. O rpoblema é que tanto tempo depois, você não sabe mais se o filme é aquilo mesmo que tanto te marcou ou se aquele sentimento na verdade é parte de você mesmo que acabou se inprimindo sobre o filme. De modo que rever um
filme desse porte é sempre um grande mergulho de nostalgia e ao mesmo tempo uma enorme inquietude, uma espécie de estranha máquina do tempo a partir de um filme que está ali com os mesmos fotogramas e diálogos a partir de um olhar móvel, de um eu móvel, de uma vida outra.
Mas ali estava eu diante de dezenas de pessoas a rever Ladrões de Bicicleta e tentar redescobrir aquele sentimento que me fez descobir o cinema como única alternativa de diálogo com a vida e com as coisas, quando já quase havia desistido de tudo, e havia encontrado ali uma possibilidade, um caminho, que vim a abraçar.
E ali estava o filme mas o que era o filme? o que poderia ser dito sobre o filme? Vi que na verdade em termos de linguagem e de abordagem dessa "realidade social", Ladrões de Bicicleta é um filme bastante velho, que envelheceu, por ter um discurso didático, por fazer essa romântica poesia da miséria", por colocar música o tempo todo para dar "drama" ao filme, etc. Mas ao mesmo tempo é claro como é um filme corajoso e num certo sentido bastante a frente do seu tempo, e como ainda hoje, quase sessenta anos após sua estréia, a repercussão e a influência do filme no cinema ainda são muito fortes e marcantes e presentes (vide o cinema de um Ken Loach). Ao mesmo tempo vi como é claro que de Sica faz um cinema humano, simples, singelo, sensível. Como o drama de Antonio Ricci é o drama da história da humanidade, o drama de estarmos diante de "um abismo de meio metro" entre nós e a felicidade, e como as coisas materiais nos envolvem de forma decisiva diante de um sentimento de mundo, e como isso é inevitável e irreversível. E como o filme faz um discurso ético sobre essa "decadência moral" e o papel da família nisso, e como não podemos estar sozinhos para resistirmos a tudo isso. Para mim tbem ficou claro como é um enorme filme sobre a solidão como natureza humana: todo o filme é uma enorme deambulação, um enorme passeio por Roma, e nisso é um filme enormemente contemporâneo. É quase como Corrida sem Fim mas a pé, e falado muito porque é italiano. Esse caminhar, caminhar, caminhar, caminhar, diante de si, a procura de justiça (é tbem um filme kafkiano), e como a sociedade, as instituições, as pessoas não conseguem responder a esse apelo por justiça, paz, equilíbrio e companhia. Como essa geografia física de Roma fala tanto no filme, fala mais até do que o protagonista, ou ainda, como a protagonista do filme é a cidade de Roma. Ainda como essa deambulação acaba cruzando com uma visão labiríntica dessa geografia física, e como o discurso racional e o irracional, as alucinações, os delírios acabam cruzando sutilmente essa narrativa tipicamente realista, dando um tom levemente estranho ao filme (esp na seq em que o pai pensa que o filho caiu na água, que achei a grande seq do filme). E tbem nesse doce, triste e fantástico final, em que fiquei meditando até que ponto ele era "otimista" ou pessimista", porque apesar de tudo, há uma redenção moral com o perdão do filho e o reforço dos laços da família (o filho apertando a mão do pai).

De qualquer forma, foi um enorme, enorme prazer, rever essa obra-prima do
cinema e da vida chamada Ladrões de Bicicleta.

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