O Baixio das Bestas

De Cláudio Assis

Unibanco Arteplex ter 15 20hs

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E eis o novo filme do Cláudio Assis, após a repercussão de Amarelo Manga. É um filme que merece cuidado a ser analisado, pois em casos como esse, é muito fácil deixar a paixão contaminar nossa visão, seja para um lado (o genial enfant terrible que sacode as estruturas do careta cinema brasileiro ficcional) quanto para o outro (o imbecil que gosta de aparecer e chocar sem ter nada para dizer). Esses antagonismos confundem mais do que esclarecem a proposta de Cláudio Assis, até porque essa proposta (em se tratando de haver proposta) não é clara, é difusa, não está meramente nas superfícies dos palavrões e do choque fácil.

 

De qualquer forma, chega a ser quase um consenso que Assis radicaliza os rumos apresentados em Amarelo Manga, aprofundando em termos de linguagem alguns temas próprios: a relação entre amor e ódio (para mim, o grande tema dos filmes de Assis é a violência como escape para a impossibilidade de amar), o sexo desesperado como válvula de escape do falso moralismo de uma sociedade repressora, a tentativa de um retrato radical de um Brasil (ou ainda, um novo olhar sobre o Nordeste), o uso de elementos abjetos/repulsivos como fator de atração e de escândalo, a estrutura narrativa fragmentada em blocos de personagens, a busca pela ruptura de um certo padrão do cinema brasileiro contemporâneo, etc. Em termos de linguagem, O Baixio das Bestas avança: uma narrativa mais livre, tempos mais alongados, um rigor da composição fotográfica e de enquadramento mas que não oprime o filme (como oprimia no anterior), uma certa busca por um vigor, uma força em estado bruto, quase brutal. Mas exatamente nisso reside seu paradoxo, que ainda não assimilei por completo: se por um lado há uma estilização e um rigor na apreensão desse universo particular, por outro há uma grande “chutação de balde”, uma grande sensação de um “impulso intuitivo”, um certo mergulho de frente nesse “terror caótico”. De que forma esses elementos se articulam em torno de uma proposta de cinema? Será que de um lado essa “força brutal” é atenuada pelo certo rigor da mise-en-scene? Ou ainda, será que esse rigor é quebrado pela aparição desordenada de elementos que visam causar esse choque, sem uma articulação dos elementos internos ao filme? Até que ponto se articulam? No fundo, ao final de O Baixio das Bestas sentimos que esse é o caminho que Cláudio Assis terá que percorrer: se vai buscar a sua linguagem particular, ou se vai buscar o caminho mais fácil, o “cinema-escândalo”, o afago dos jornalistas, a “aura de ‘enfant terrible’ do cinema nacional”.

 

De um lado, ficamos com a impressão de ser essa mera sobreposição entre o estilo desbocado de Assis e o olhar fotográfico de Walter Carvalho. Mas de outro, é preciso refletir sobre as cenas em que se expõe um sentido de perversão e uma idéia do espetáculo. Por um lado, é quase como se o filme fizesse uma espécie de “denúncia” (o termo não é bom, mas dá idéia do que quero dizer) de uma sociedade moralista, machista e repressora. Mas por outro, há um certo prazer com que Assis filma essas cenas, em como a encenação valoriza a idéia da sedução e do espetáculo. Há um prazer voyeurístico/escopofílico como a mise-en-scene abraça esses homens que se batem entre si e batem nessas mulheres. Por isso, às vezes fico tentado a achar que Assis é tão moralista e reacionário quanto seus personagens, e penso como a extrema esquerda e a extrema direita são irmãs de sangue.

 

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Há uma certa ingenuidade na tentativa de apreender esse universo bruto, com recursos de estilo desgastados e clichês psicológicos (principalmente o Velho). Um excesso de câmeras no teto que me passa um olhar de cima, longe de tudo, que me incomoda muito mesmo. O que mais me convence é a atmosfera do “em torno” da menina (a ótima Mariah Teixeira): quando ela caminha pelo canavial, quando toma banho num rio, quando pega um ônibus, etc. Nesse cinema que observa esse percurso ao invés de querer escarrar na cara do espectador. Tem tbem um bonito plano inicial (depois das fotos na usina), quando a câmera faz um recuo e mostra a menina nua, o velho, os voyeurs punheteiros que pagam pela diversão, e o Caio Blat, que pertence a outra classe, lá atrás, adorando e odiando tudo isso, querendo amar e matar essa menina, esse velho, todo mundo, até acabar na cruz da igreja. Os punheteiros, (por que não?) somos nós, os espectadores. É curioso como esses personagens do Assis não conseguem amar: eles preferem escarrar, agredir, do que realmente tentar se expor, tentar se abrir. Talvez seja um sintoma do próprio cinema do diretor.

 

Eu acredito em um cinema mais generoso. Não precisa ser positivo ou otimista, mas tem que ser generoso. Mas aí o problema é meu, e não do filme. Meu slogan: “O Baixio da Besta (sic) é uma merda mas vale a pena”.

 

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