Cidade dos Homens

Cidade dos Homens

De Paulo Morelli

Palácio 1, seg 3

**

 

Fui para não gostar mas devo admitir: Cidade dos Homens me surpreendeu. Decerto, não se trata de nenhuma obra-prima, mas aqui estamos anos-luz longe do esquematismo e da “espetacularização do terror” típicos de um Cidade de Deus (vide o vindouro Querô). Um filme médio, humano, imperfeito. Um filme que apresenta um olhar para a periferia mas desta vez bem mais humano que um Cafuné, por exemplo.

 

Falou-se bastante que o filme seria sobre a paternidade. Mas no meu ponto de vida, Cidade dos Homens é um filme sobre a amizade. Quando percebem os dois jovens (Laranja e Acerola), um deles prestes a completar 18 anos, que cresceram sem os pais, na verdade ambos descobrem um ao outro: amigos, irmãos, pais. Descobrem o valor da amizade. Há um plano-síntese muito bonito que fala disso, quando depois de um quebra-quebra na favela, todos seus familiares vão embora e, por um acaso, ficam os dois sozinhos com o cenário da favela ao fundo. Talvez tendo um ao outro, eles não estejam totalmente sós.

 

Esse é um dos raros planos gerais do filme, que tem em geral planos mais fechados como na televisão, mas não tem aquele esteticismo típico do look dos “Cidade de Deus” da vida. Já o começo sugere o tom do filme: o traficante quer ver o mar, e desce para a praia. Isso é bonito: me lembrou o Pepé Le Mokó, quando o Jean Gabin é líder e refém, porque não pode sair do morro. Ali, antes da “rebelião”, o líder do tráfico pôde ir ao mar. O sol queima o corpo negro dos atores (a câmera é fetichista, quase publicitária, mas é positivo porque o corpo negro dos “favelados” é filmado como belo) e Paulo Morelli brinca com a câmera debaixo d´água, como se curtisse o momento das filmagens sem grandes pretensões. E é isso que em alguns momentos me surpreendeu no filme, esse certo frescor. Essa possibilidade da amizade em cenário tão desfavorável. Esse poder fazer um filme na favela e sobre a favela sem soar definitivo ou sem querer “fazer tese sobre a violência”.

 

Eu gosto muito do Darlan Cunha (o Laranjinha) embora nitidamente ele seja muito menos técnico que o Acerola. Acho que já falei sobre isso no Meu Tio Matou um Cara: seu olhar tem uma tragicidade, e uma consciência dessa inutilidade que é o ato de viver, e ao mesmo tempo uma ingenuidade, um frescor, uma inocência. Eu sou fã desse rapaz.

 

Sufocado entre todo o blá-blá-blá de Tropa de Elite, Cidade dos Homens foi subestimando, ficando longe desse público, e provavelmente não oferecendo grandes diferenças em relação ao seriado de TV (que não vi). Mas mesmo assim não importa: não tenho medo em afirmar que, apesar de suas naturais limitações, Cidade dos Homens é um dos filmes mais generosos no cinema brasileiro recente sobre o “outro”, especialmente quando pensamos em produções do mainstream. Podemos pensar em mil comparações, da distância entre Rio 40 graus e Couro de Gato, mas a verdade é que nem estética nem cosmética da fome: novamente, afirmo que Cidade dos Homens é um filme sobre a amizade, e não sobre a vingança, e isso já é um avanço, ainda que tímido.

Comentários

Postagens mais visitadas