Robert Wiene, autor

Genuine, de Robert Wiene ***

As mãos de Orlac, de Robert Wiene *** ½

 

Pobre Robert Wiene! A grande repercussão de O Gabinete do Doutor Caligari acabou sendo a consagração e o martírio da obra desse notável diretor alemão. Se por um lado Wiene marcava o seu nome na história do cinema, por outro acabou sendo rotulado como “o homem de uma obra só”, esmagado pelo sucesso do filme, que acabou se consolidando como paradigma do cinema expressionista alemão. Com isso, a obra posterior de Wiene acabou sendo depreciada, e permanece no obscurantismo. E pior: sua obra acabou sendo frequentemente incompreendida e mal interpretada.

 

Genuine, o filme posterior de Wiene, após Caligari, é em muitos pontos um prolongamento do filme anterior. Mas ao invés da figura do médico, agora há uma mulher que é uma precursora das “femme fatales”. Se não há o clima de sonho e alucinação que tanto marcaram Caligari (alucinação que atinge estágio tal que é passado para a configuração física do próprio décor), em Genuine há uma maior consciência de linguagem narrativa, especialmente como Wiene trabalha o corte entre os planos gerais e os planos médios, ou ainda nos deslocamentos do plano do primeiro plano para o fundo ou vice-versa. Com isso, Genuine é mais fluido em termos narrativos que Caligari, apesar de menos alegórico. Ainda assim, nos fascina a figura dessa mulher, Genuine, que enfeitiça os homens e os leva a cometer assassinatos não necessariamente por amor mas por uma força que eles próprios não sabem muito bem explicar. Novamente a morte, o destino, e o fato de não ter controle sobre o próprio destino são temas centrais do filme.

 

Mas todos esses temas ressurgem com vigor ainda maior na obra-prima de Wiene, As Mãos de Orlac. Ver esse filme é uma experiência emocionante e fabulosa pois todos os “preconceitos” em torno da filmografia de Wiene se dissipam. A idéia de que Wiene não é um “diretor de cinema” e sim um “cenarista” se desfaz por completo, porque Orlac é pura cinematografia, comprovada pela forma segura como Wiene dirige a cena do acidente de trem, logo no início do filme. As Mãos de Orlac é totalmente expressionista porque é um filme que fala da questão do destino (um homem, após um acidente, recebe as mãos de um criminoso por meio de uma operação, e teme se tornar um assassino, em ter sua identidade cruzada com esse homem morto de quem ele herdou apenas as mãos), da morte, de se é possível ter total controle sobre suas próprias ações. Mas Wiene trabalha essas questões não puramente na estilização do décor, como ficou conhecido como sua marca registrada. Ao contrário, Orlac é um filme cuja rarefação de uma idéia de estilização é visível, ou seja, há um completo depuramento desse espaço físico em torno dos quais ocorrem as ações, sejam nos interiores ou nas externas. Ou seja, Wiene consegue provar que a essência do seu cinema não é a estilização do cenário como prolongamento do espaço interior dos personagens, e sim sua filiação com um cinema fantástico, investigando a questão do destino, sobre até que ponto é possível sermos donos do nosso destino e das nossas vidas, e até que ponto podemos ser responsáveis por nossas próprias ações. Por isso, As Mãos de Orlac, em que tudo isso fica muito claro, é muito emocionante. Especialmente no final. Fatalista ao extremo, tudo no filme caminha para uma tragédia, quase para um melodrama: um homem inocente vai ser culpado, porque esse é o seu destino. Mas surge o final, um final extraordinário, que não cabe aqui descrever com detalhes. Os dois últimos planos do filme comprovam que Wiene é grande autor, e em Orlac ele conseguiu escapar do amargo pessimismo de seus primeiros filmes, fazendo um filme lúdico e extremamente sóbrio sobre a possibilidade de convivermos com os nossos próprios limites a partir de um confrontamento com as conseqüências da verdade. Lindo filme.

 

                                                                                                       * * *

 

Filho de um autor de teatro, a influência do teatro acabou sendo forte para Wiene, tanto no sentido de uma direção de atores quanto na composição da mise-en-scene. Além disso, Wiene compôs uma obra nitidamente alemã, retrato de uma Alemanha dividida e sombria no período do entre-guerras. Fora da Alemanha e da estilização característica do cinema mudo, Wiene teve dificuldades para manter sua cinematografia, mas de qualquer forma, os méritos de Genuine e As Mãos de Orlac mostram que Wiene não é meramente “um homem de um filme só”, mas que construiu uma filmografia sólida que vai além dos recursos cênicos tão consagrados em seu mais conhecido trabalho, O Gabinete do Dr. Caligari. Ver esses dois filmes nos dá uma visão mais ampla sobre as questões que Wiene trabalha em sua filmografia como um todo, e seu percurso de amadurecimento é visível. (Resta ainda ver Raskolnikow)

Comentários

Anônimo disse…
esse site é uma bosta, um coco

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