um plano de Ozu

Vendo o blog do Bernardet, me lembrei de um trecho ao final de Santiago, a obra-prima do João Moreira Salles, que tinha me passado despercebido. É quando ele coloca um trecho do final de Tokyo monogatari, do Ozu, em que Setsuko Hara fala “a vida é mesmo uma decepção, não?” O grande feito aqui não é o fato de explicitar que a vida é uma decepção (isto já sabemos), mas sim o sorriso de canto de boca de Setsuko quando ela fala isso. Isso é maravilhoso, e é algo que só o cinema poderia conceber (nem o teatro, pois o plano geral do palco não nos dá a sutileza do sorriso). (Além é claro, da maestria de Salles de revisitar a frase de Ozu num outro contexto). Mas aqui o quero registrar é esse plano-síntese da filmografia de Ozu: é o tom preciso da palavra “decepção” e a forma fantástica como ela dá esse “sorriso de canto da boca”. É por isso que alguns críticos acusam Ozu de ser conservador, mas ele não é conservador, e sim transgressor. Isso não é resignação, é aceitação, é um conceito zen-budista, é uma forma de se inserir no mundo, aliás completamente oriental. Mas estou fugindo do assunto, dissipando energia: “a vida é mesmo uma decepção, não?”.

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