No Country for Old Men

Onde os Fracos Não Têm Vez
De Ethan e Joel Coen
Estação Paissandu qui 13 21:20
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Os irmãos Coen sempre ficaram conhecidos por sua galeria de tipos bizarros e seus diálogos ágeis que flertavam com o nonsense. Especialmente a partir de meados dos anos noventa, consagraram-se dentro do cinema independente americano, especialmente com Fargo, com a visão de outsiders que não se encaixavam num sistema. Outra característica era o cinema de referências, com citações explícitas e implícitas a gêneros e a filmes antigos, como na revisitação do cinema de Capra em Na Roda da Fortuna. No entanto, o cinema dos irmãos Coen acabou caindo num certo esteticismo, seja num universo vazio de citações seja através de personagens que não tinham mais o antigo frescor e se tornavam estereótipos, marionetes de autores-títeres encurralados em seu próprio pedestal. O máximo dessa tendência está em E aí meu irmão cadê você?. Mas por trás desse roto esteticismo, havia o projeto do desvelamento uma visão de mundo: uma ironia cáustica em torno de histórias criminais que queria mostrar a inevitabilidade do mal avançar sobre o bem e sobre a ingênua cultura dos bons costumes e das tradições, como já demostrava à perfeição o plano final de Matadores deVelhinhas.

Nesse sentido, Onde os fracos não têm vez é uma continuação do discurso dos irmãos diretores, uma história sobre o avanço do mal sobre o bem, através de um diálogo com os gêneros cinematográficos. O que mais fica claro a partir do estilo dos diretores é que inevitavelmente “o mal”, representando pelo personagem de Javier Bardem, vai ganhar essa parada, mais cedo ou mais tarde. Em paralelo a isso, há a aposentadoria do antigo xerife, representado por Tommy Lee Jones. O destino é representado pela sobriedade e passos calmos de Bardem, como se fosse a morte em um dos filmes de Sjostrom.

Mas o que surpreende em Onde os fracos não têm vez é a habilidade (para não dizer maestria) como os diretores resolvem contar essa história com um maior cuidado no uso da linguagem cinematográfica em relação a seus filmes anteriores. Num brilhante cinemascope, Onde os fracos não têm vez tem um certo diálogo com um cinema contemporâneo, mas não no universo de citações referenciais que sempre foi a marca dos diretores, mas na sabedoria com que os tempos de espera e o espaço físico avançam sobre a história, com recursos que nos fazem lembrar de Marcas da Violência, de Cronemberg, e mesmo filmes mais pessoais como os de Reygadas e Van Sant.

Especial destaque vai para a brilhante sequência em que Josh Brolin descobre o massacre e acha a mala de dinheiro, toda resolvida a partir de campos-contracampos com tempos bem mais largos que a média dos filmes americanos e toda resolvida a partir do olhar, sem diálogos ou motivações.

A perseguição dos bandidos à noite, em que Brolin cai num rio e no fim atira no cachorro é uma mostra da estratégia da mise-en-scene do filme, com um estilo maduro e discreto: a perseguição é feita com planos gerais, sem montagem acelerada ou efeito musical, optando por uma profundidade de campo que quase sempre mostra perseguidor e perseguido dentro do mesmo quadro. Curiosamente, a tranquilidade (frieza) com que Brolin prepara sua arma e atira no animal aumenta nossa ansiedade.

Mais para o meio do filme, a principal questão de linguagem passa a ser o som, especialmente nas duas cenas no hotel. O jogo de estratégias entre a aceleração e a suspensão do tempo para aumentar o suspense só foram trabalhadas dessa forma no cinema recente em algumas sequencias de Kill Bill. O uso do som, brilhante, é quase que uma lição de Le Trou, de Jacques Becker. Enquanto Brolin tenta resgatar a mala do duto de ventilação, ouve o som dos tiros, e a partir daí o extracampo passa a ter função vital no filme. No segundo hotel, a descoberta do identificador, os passos no corredor, o silêncio, tudo é fruto de uma enorme maestria com as possibilidades da linguagem cinematográfica.

Ao final, como já era previsto desde o início, o mal vence o bem. Tudo acaba, e as coisas parecem bem piores que no início. O título já nos anunciava: os velhos tempos já eram. Lembrança dolorosa e triste, repleta de resignação, alguma ironia e um certo senso paranóico, que me parece tipicamente americano. E também com uma explicitação da violência, muitas vezes gratuita, quase como num game.

Entre a tétrica visão de mundo dos diretores e sua habilidade na composição de tempos e espaços, o filme ganha meu respeito pelo segundo motivo, por algumas sequencias que me fascinam, mas como um todo o que fica de Onde os Fracos Não Têm Vez é uma constatação de um enorme vazio e de uma grande tristeza da convivência do mal com o mundo. Até aí tudo bem, mas não dessa forma: não com a ironia ao invés da angústia.


p.s.: a reforma do Paissandu é história pra inglês ver: trocaram a primeira fileira de poltronas e aquele tapete modorrento. E tbem colocaram uma barra no corredor no interior do cinema que facilita os velhinhos. E só. Ah e parece que consertaram a lente cinemascope que estava com descolimada e que tornava impossível assistir um filme em 2:35 lá. Agora não está uma brastemp mas está bem melhor. Por fim, a cópia estava riscada. É dose!

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