três filmes

CRÔNICA DE UM INDUSTRIAL merece uma maior reflexão, mas em minha correria na viagem para o Uruguai só vou poder dizer que é uma espécie de canto do cisne do cinema novo. Uma mistura de O Bravo Guerreiro, O Leopardo, Eclipse e o cinema de Godard, mas com o toque pessoal do cinema do Rosemberg. Todas as preocupações de estilo e temática do diretor estão lá: a preocupação social, o filme-ensaio entre a ficção e o documentário, o cinema verborrágico, essa necessidade de falar…mas o que fica é o lamento de um Brasil, de uma geração que não deu certo. “Somos fantasmas, nosso tempo já passou”, diz Renato Coutinho, e o filme é um enorme lamento sobre o paraíso perdido. “Eu traí”, repete o industrial: traiu a esposa, traiu os ideais do pai, traiu no fundo a si mesmo. Mas o que torna Crônica de um Industrial um filme belo é que o filme não é só o retrato de um fracasso, mas é também esse “canto do cisne”, é um mergulho lamurioso mas retratado com enorme beleza e poesia sentida, um enorme sentimento pela liberdade e pela possibilidade de as coisas serem diferentes, de vislumbrar uma poesia nesse mundo sombrio. As belíssimas cenas do barco (já falei em outro texto como esse é um plano-síntese do filme) até o enorme recurso de o industrial se jogar nas águas do mar e se perder. É essa poesia da decadência que aproxima Rosemberg de um cinema italiano (Visconti, Antonioni), mas sem deixar de ser brasileiro. Visto de hoje, trinta anos após sua realização, um filme muito atual sobre os dilemas de um Brasil e (por que não?) sobre os dilemas do cinema brasileiro. Grande filme!

Vou tentar falar algo breve sobre o JUÍZO, filme da Maria Augusta Ramos que me incomodou em muito. É um documentário sobre menores infratores, quase todo passado em cenas de tribunal, em estilo de cinema direto, assim como o JUSTIÇA, seu longa anterior. Acontece que o cinema direto é feito em campo contracampo sugerindo uma continuidade espaço-temporal quando muitas vezes não há, o que abre espaço para uma “manipulação” por parte da cineasta dos elementos de linguagem para apontar algumas coisas, como típico recurso da transparância do cinema clássico. Já escrevi sobre isso no JUSTIÇA, mas no JUÍZO ela foi mais longe (diria longe demais): como não podia ter as imagens dos meninos menores por uma questão legal, MARamos encenou com outros menores não-atores as mesmas situações e amarrou num campo-contracampo simulando como se fosse tudo documentário. Ou seja, o campo é documentário, com os advogados e a juíza “de verdade”, e no contracampo, os meninos “representando seus próprios papéis”. Mas não é Bresson, não é Coutinho, por uma coisa bastante simples: todo esse recurso é feito não para problematizar os limites entre real e ficção, mas para emular, simular, disfarçar, para passar para o espectador “a impressão de ser um documentário”, quando no fundo é tudo processo fabricado, meticulosamente engendrado pela realizadora para emular os recursos de um documentário de cinema direto, quando na verdade há recursos de ficção que desaparecem na tessitura do filme. Há apenas uma cartela no início que explicita o dispositivo, mas ele se torna transparente ao longo do filme, e não é explicitado (por exemplo não há cenas mostrando a diretora ensaiando com os meninos). Com isso, coloco sérias dúvidas sobre a posição ética da realizadora, agravada pela forma enviesada como ela escolhe as cenas do tribunal e especialmente pelo final, fazendo gracinhas com um determinado caso.

Na volta, quero falar mais sobre um belo curta de André Scucato e Cristina Pinheiro, O POETA E A BAILARINA, que estréia terça-feira no Espaço Solar de Botafogo (na General Polidoro) às 21hs. O curta é uma revisitação do cinema mudo, mas, sem deixar de ser nostálgico, não se limita a emular os recursos do cinema silencioso, mas busca revisitar o cinema mudo visto de hoje, com muita habilidade e com grande primor técnico.

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