The Happening

Fim dos Tempos
De M. Night Shyamalan
** ½


Visionário, apaixonado, enigmático, o cinema de M. Night Shyamalan se revela por trás do que esconde: por trás da aparente tranquilidade do Central Park em Nova Iorque há o início do fim. Já pelo título, há um ingrediente fantástico, que há algum tempo eu já vinha citando aqui neste blog: a aproximação do cinema de Shyamalan com o de Spielberg. Fim dos Tempos é quase um filme-gêmeo de Guerra dos Mundos, um filme-gêmeo, um filme-órfão (incompreendido) e ainda assim uma espécie de resposta ao primeiro. São curiosas as relações intrínsecas entre os últimos trabalhos desses dois realizadores tão particulares: em seus últimos trabalhos, Spielberg vem compondo uma radiografia madura por trás do cinema-espetáculo. Em Guerra dos Mundos, como já afirmei aqui, o que mais importa é que uma família passe a se redescobrir, a se re-unir a partir de um evento tão extraordinário. É a luta de um pai que luta contra tudo e contra todos – mesmo contra os seres alienígenas mais aterrorizantes – para manter sua família unida. Fim dos Tempos também não deixa de ser isso: por trás de sua aparência de filme-catástrofe, no fundo é uma história de um casal em crise, casal que se redescobre a partir da necessidade de sobreviver. E é tão isso que não é à toa que Fim dos Tempos tenha o final mais impressionantemente humano da filmografia de Shyamalan – e digo isso apostando que o filme acaba de fato no abraço do casal, e tudo o que vem depois, simplesmente desapareça das nossas memórias.

Com uma certa ironia, inclusive com os códigos desgastados das “justificativas” dos filmes fantásticos, Shyamalan não se importa muito em contextualizar os motivos e as consequências da eclosão de uma espécie de toxina que mata as pessoas. Parece com um filme de Aoyama ou mesmo de Kurosawa: não é que a toxina mate as pessoas, ela simplesmente leva que as próprias pessoas se matem, e isso faz toda, toda a diferença. Quem diria! O jovem gênio dos “roteiros mirabolantes” e dos “finais surpreendentes” não mais se preocupa com isso, chega à sua maturidade: Fim dos Tempos é tudo menos um filme de roteiro (o plot se resume a algumas linhas e com um desenvolvimento absolutamente previsível, sem reviravoltas, ao contrário, é um agudo e progressivo caminhar de desespero até o fim de tudo…), agora tudo é uma questão de como encenar, e, mais ainda, da encenação como um gesto diante do espectador. Fim dos Tempos, em comum com outros trabalhos de Shyamalan, é um filme todo composto de climas: sua essência angustiante está na precisão exata, absurda, como o mundo de equilíbrio está prestes a desmoronar, cada vez mais, o tempo todo!

Fim dos Tempos – o título já nos diz – é a história de um fim, parábola sombria sobre o destino da humanidade, e por isso um filme triste, cuja escalada dos protagonistas está em fugir de algo que não se conhece, refugiando-se cada vez mais para o interior, para o interior, para o interior – e longe das pessoas. Mortes em série, crianças fuziladas sem piedade, corpos caindo do céu: não é agradável assistirmos ao angustiante percurso do filme.

Até o seu final, em que Shyamalan deixa ainda mais claro que seu objetivo é falar da possibilidade de um casal manter-se junto mesmo diante das maiores adversidades. De tão bonito, parece até um filme de Aoyama ou mesmo de Kurosawa: maduro, Shyamalan desistiu de fazer obras-primas, para fazer filmes que são puramente compostos de cinema e que, claro, dêem uma certa alfinetada sobre o modo de ver da materialista sociedade americana. E claro que dêem um abraço carinhoso no cinema de Spielberg, com o qual se filia nunca meramente se reportando, mas dialogando de uma forma ambígua.

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