Fest Rio

Noite e Dia
de Hong Sang-Soo

Depois desse breve texto aqui, volto a refletir sobre um filme do coreano Hong Sang-Soo, após assistir Noite e Dia neste Festival do Rio. Sempre comparam a filmografia de Sang-Soo com a Rohmer, e de fato há vários pontos em comum (o cinema falsamente baseado em personagens ou aparentemente prosaico que esconde uma sofisticação formal, a divisão em cartelas, os personagens que pensam tanto sobre as suas relações que acabam deixando passá-las, o cruzamento entre decupagem e acaso, etc, etc.) mas pensando bem me parece hoje que o cinema de Sang-Soo tem muito mais a ver com o cinema do Truffaut que o de Rohmer. Os filmes de Rohmer, assim como os de Sang-Soo (e assim como os de Ozu mas em outra medida), se parecem uns com os outros, mas a diferença é que os filmes de Rohmer não o fazem DELIBERADAMENTE, como parece ser o caso com Sang-Soo. A cada filme se estimula uma relação com os anteriores, de modo a “esticar a corda” das relações de estrutura formais típicas dos filmes do coreano, baseados em “dobras sobre a narrativa”, inflexões, simetrias, relações, entre os personagens e entre as situações dentro do filme (aliás, como o próprio título “noite e dia” deixa mais à vista que os anteriores”).

A questão é que, pelo menos para mim, “parecer-se com Truffaut” trata-se de tudo menos de um elogio. E que o cinema de Rohmer pode ser tudo menos “joguinhos formais para entreter burgueses”. E que o cinema oriental é tudo menos “entreter-se com as futilidades dos relacionamentos humanos e rir-se das frivolidades do cotidiano”.


Minha Mágica
de Eric Khoo
**


Minha Mágica do Eric Khoo, é um filme estranho. Não vi os outros filmes do diretor, nem mesmo “Be with me”, que tenho guardado em casa mas ainda não tive a oportunidade de ver. O que é estranho é que ele trabalha com uma dualidade: de um lado, uma historiazinha absolutamente banal, que tende ao melodrama, com recursos dos mais desgastados (um pai pobre que faz os maiores sacrifícios para dar uma vida mais digna ao filho); de outro, um cinema de invenção formal e bastante radical (um cinema “nada agradável aos olhos”: a fotografia que não se rende à plasticidade, o sofrimento físico, a proposta de um cinema “cru”). Esse choque faz com que “Minha Mágica” tenha um certo tom muito particular, o que por si só já desperta uma curiosidade para o filme: de um lado, um filme realista, uma abordagem crua para o drama dos dessassistidos; de outro, um filme onírico (a mágica), de invenção. A delicadeza e o grotesco; a dor e a gentileza; um filme violento e emocionante, e por aí vai. É um filme ambíguo sobre um pai “que não sente mais dor”, que passou por coisas na vida que o tornaram a tal ponto insensível ao mundo que nada mais o afeta. Mas uma frase do seu filho o fez repensar isso. O final do filme, bastante particular, une essas duas pontas como uma reflexão sobre o próprio processo do cinema, resgatando o tom simbólico típico da cultura oriental, típico (me parece) de Singapura: uma cortina fechando em câmera lenta, representação do espetáculo de despedida como ritual de entrada para o mundo da morte, anunciação do espírito e lacuna de vigília, estado de torpor, entre o sono e o despertar da consciência. Estranho libelo de compaixão, mas falso quase na medida certa: sujo, incongruente (as mãozinhas em câmera lenta). Khoo parece querer valorizar e ao mesmo tempo destruir um certo apelo do cinema de gênero e do melodrama na estrutura do seu filme. Mas de qualquer forma, é inegável que o efeito contribui para um amaciamento do impacto da sua brutalidade crua, instintiva. Um filme imperfeito, mas que desperta várias reflexões.

Wonderful Town
De Aditya Assarat
* ½

E ainda tem o filme do Assarat, um filme daqueles que é difícil tecer comentários sobre ele, porque há diversas sutilezas envolvidas. Wonderful Town a princípio é um drama banal sem grandes novidades (um arquiteto vai inspecionar uma grande construção imobiliária numa cidade interiorana, destruída pelo tsunami, e se apaixona por uma das donas do pequeno hotel onde se hospeda), mas por trás disso há todo um sentimento de cinema que merece a nossa atenção: há toda uma vontade de imersão extremamente discreta e extremamente delicada num espaço físico em contraste com a vida caótica dos grandes centros urbanos que o cinema de Assarat abraça através do relacionamento do casal principal e através de um ambíguo abraço num espaço físico. A forma delicada que a direção abraça essa narrativa sem grandes novidades desperta uma certa curiosidade para o filme que, pela delicadeza e pelo gosto dos pequenos momentos e dos campos, lembra muito de leve o cinema do também tailandês Apichatpong. Mas quando a história começa a se desenvolver com bandidos, denúncia à exploração imobiliária, suspense e viradas, o filme perde o seu tom, acabando de uma forma um tanto desgastada. De qualquer forma, alguns momentos de delicadeza nos fazem ficar curioso em relação ao próximo trabalho de Assarat, ainda que este não tenha um saldo satisfatório.

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