174 e Leonera

Última Parada: 174, de Bruno Barreto
Leonera, de Pablo Trapero


Num mesmo dia, acabei vendo Última Parada: 174 no São Luiz, aproveitando a promoção do cinema brasileiro a R$4, e depois corri para ver Leonera numa sessão infezlimente bem vazia (10 pessoas) no Espaço (ex-Unibanco) 2.

O filme do Bruno Barreto apanha uma fórmula e reproduz sem novidades: o cinema brasileiro que fala da favela e do pobre e dos problemas sociais e como isso acaba em desgraça, e que para isso se baseia em fatos reais para criar um universo completamente ficcional.

Leonera, filme de um país vizinho ao Brasil, não deixa de fazer isso, mas faz tudo exatamente diferente disso. Leonera também se utiliza de uma “fórmula de sucesso de um cinema argentino”, e usa um caso individual e sua relação com uma “miséria” para com isso fazer repercutir a decadência das “instituições de um país”. Utiliza também uma relação umbilical com o “real”, mas ao invés de “se basear num história real” e construir em torno disso um universo ficcional totalmente falso, ele inventa uma história ficcional e constrói em torno disso um universo documental bem mais verdadeiro.

Para Trapero, o “real” não está ligado a recriar uma história que aconteceu e ficcionalizar para tornar mais palatável e ter uma alcance mais amplo, mas sim de fazer o espectador respirar no tempo e no espaço, de ensiná-lo a observar esse “real” de uma forma minimamente verdadeira.

Como se essa diferença (esse abismo) não fosse suficiente, há ainda outra tão grande ou importante quanto esta, e que torna Última Parada: 174 e Leonera filmes distintos: o rumo das coisas. Ambos os filmes falam de processos familiares: uma mãe que tenta ficar com um filho, uma mãe que, diante das circunstâncias, vê o seu filho arrancado dela, e tenta lutar para recuperá-lo. A diferença é que em 174 Sandro percebe, ao final, que está sozinho, completamente sozinho. Já em Leonera – e só isso já basta para fazer do filme algo muito bonito – todo o percurso da mãe no filme – e esse percurso se confunde com o seu percurso dentro da prisão – é no sentido de descobrir que “ela não está sozinha”. Leonera é sobre isso: como uma mulher, numa extrema experiência de privação de liberdade (a prisão), só então vem a perceber que “não está sozinha”.

Leonera é um tanto mais comercial, superficial e com alguns cacoetes em relação a El Bonaerense, que continua sendo o melhor trabalho de Trapero. Poderia aqui falar de uma certa influência de Central do Brasil no final, e em detalhes de “cinéfilo tarado”, como o plano final (bastante bonito) que achei parecido ao News From Home, da Chantal Akerman, ou como a fuga da casa é filmada de forma idêntica a O Assaltante, de Pablo Fendrik, que mostra uma comunhão bacana de um cinema argentino jovem, já que os diretores são próximos. Mas tudo isso é firula em relação ao fato principal: enquanto Leonera é um filme sobre a vida, 174 é um filme sobre a morte.

Nessa perspectiva, Leonera poderia ser pensado como uma resposta a Carandiru?

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