Vicky Cristina Barcelona

Vicky Cristina Barcelona
de Woody Allen
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Depois de dois filmes densos como Match Point e O Sonho de Cassandra, chega a hora da diversão. Ou melhor, das férias. Woody Allen relaxa indo às compras, indo ao shopping: Vicky Cristina Barcelona é meio constrangedor no sentido de ser descaradamente um institucional da Secretaria de Turismo de Barcelona, que mal dá para ser disfarçado.

Ao mesmo tempo, o filme tem uma certa sobriedade estranha, uma certa elegância discreta que caracteriza os últimos filmes de Allen. De um lado pode parecer uma certa preguiça do diretor; de outro, pode espelhar a busca por um certo classicismo narrativo, por um cinema da maturidade, de raras firulas. Mas isso pode descambar no pior exemplo do tipo, como a presença de uma narrativa em off explicativa que conduz todo o filme, como se explicasse as intenções, os sentimentos e todo o desenvolvimento da trama para o espectador.

Ao mesmo tempo, Vicky Cristina Barcelona é um filme sobre as indecisões do amor mostradas num estilo sóbrio que nos lembra Rohmer. Mas é claro, cada cinematografia tem o Rohmer que merece.

Vicky é a mulher centrada que acha que amor é envolvimento e vai se casar em uma semana com um executivo bem sucedido. Cristina é uma mulher indecisa que não sabe o que quer da vida, que acha que o amor é dor e que busca homens desequilibrados, perigosos e instáveis. Elas vão se envolver numa espécie de trângulo amoroso quando conhecem Javier Bardem. Mas ao mesmo tempo esse triângulo se expande através de outras situações, que nos colocam no fundo a questão básica do amor e da vida: o amor (a vida) deve ser vivido de forma apolínea/equilibrada/companheira ou de forma dionisíaca/imprevisível/apaixonada?

Em férias na “paradisíaca” barcelona, os personagens americanos podem viver essa contradição de sentimentos com mais intensidade. O filme desenvolve esse tema sem muitos atropelos e sem muito brilhantismo mas uma vez ou outra um raio de sol invade nossas retinas, um sopro de uma certa liberdade fugidia (a vida deve ser vista com uma certa beleza esguia, sem muito envolvimento, senão podemos enlouquecer!). Esse descompromisso (na vida, no cinema, na estética, na ética) me incomoda mas tem seus momentos de charme, ainda que não muito inspirados neste filme em particular.

Como férias está de razoável tamanho, desde que Allen não procure fazer um desses em cada país, pois já estão chovendo convites das secretarias de turismo de todos os lugares do mundo (inclusive no rio de janeiro, claro!).

Por outro lado, o último plano do filme é assustadoramente preciso e bonito!

Comentários

Moacy Cirne disse…
Concordando ou não com algumas de suas análises (o que não deixa de ser extremamente salutar), vou incluí-lo, agora em minha Feira de Blogues do Balaio. Aliás, em se tratando de cinema, seu blogue é o primeiro a ser destacado por mim. Um abraço.
Bruno Carmelo disse…
Oi,

gostei do projeto do teu site, vi que você tem um trabalho regular e duradouro... como é tua relação com a critica? Tem alguma formação em cinema?

Abraço.

BRUNO
Rudá Lemos disse…
e qual é o último plano mesmo?
Cinecasulófilo disse…
Caro Rudá,
Seja bem-vindo a esse blog. Se me não engano, o último plano de Vicky Cristina Barcelona mostra as duas amigas, andando lado a lado, no saguão do aeroporto, após terem retornado às suas “vidas comuns”, depois das “aventuras de Barcelona”. O que mudou? É um plano-espelho em relação a um plano lá no início do filme, com as duas lado a lado no táxi, num split-screen muito interessante (uma “divisão”, uma “unidade”). Nesse plano do início, elas chegam a Barcelona com algumas expectativas. Até que ponto essas expectativas se confirmam, e até que ponto as suas “loucas aventuras” (inesperadas) contribuíram para que elas mudassem seu jeito de ser? Esse plano final me passou uma leve expressão de melancolia, articulada com essa “voz de deus” que (per)segue todo o filme: ao final de todas essas “aventuras”, resta a vida comum, a vida de sempre. Assim como nós espectadores, que presenciamos todas essas aventuras e nos perguntamos, ao final de cada filme, até que ponto podemos sair transformados ou estimulados para o reencontro com a nossa vidinha de cada dia. É isso o que esse final me passou. Um abraço.
Anônimo disse…
Obrigado pela resposta. Não foi um dos momentos marcantes do filme para mim, por isso o esquecimento. Mas gostei muito da descrição, deu vontade de revê-lo (apesar de, concordando com vc, não ser um grande filme).
Abraço, Rudá.

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