Two Lovers

Amantes
de James Gray
São Luiz seg 19:10
**½


Ah, o cinema! O poder de transformar um folhetim num sentimento verdadeiro! Amantes, de James Gray, parece um filme de Douglas Sirk, um melodrama de Douglas Sirk, dominado pelo destino e pelos jogos de luz que conduzem a narrativa. Um filme todo dominado pela luz. Ainda, um filme de Rohmer (a dúvida entre a razão e o instinto) ou ainda uma nova versão de Gertrud, de Dreyer (amar sem meias medidas), depois do onze de setembro. Ah, o cinema! O eterno cinema (clássico) americano! Two Lovers poderia ser um filme francês sobre relacionamentos se não fosse a necessidade de Grey (apenas) filmar e não mostrar que sabe filmar. É isso o que diferencia Grey (ou Sirk) de Honoré (ou de Truffaut). Santa Misericórdia! Deus, meu Deus, por que nos fizeste tão pequeno? Por que a vida precisa ser assim tão miserável? Logo no início do filme, o menino do filme apresenta seu quarto à sua pretendente. Nossa, meu Deus! Grey mostra o quarto desse homem. É linda a forma como Grey mostra o quarto desse personagem. Ele tira fotos em preto-e-branco, só que as fotos dele não têm gente. Ele mostra uma foto de que gosta: nessa foto não tem gente. Mais tarde ele diz que não fotografa moda, mas “paisagens”. Ele é bipolar: gosta de uma ruiva e uma loira, ou melhor, não é nada bipolar: ele gosta da loira, gosta da fotografia, e não da loja; gosta da liberdade, e não do destino que sua família lhe impõe, que a vida lhe impõe. Mas todo o filme é um canto de lamento pelo fato de esse menino ter que crescer e conhecer o que é o amor e o que é a vida. É o que chamamos de “amadurecer”. Mas ele não faz parte desse mundo: ele não pode entrar na festa sozinho, não pode entrar na ópera, não sabe tomar o drink com canudinho no restaurante chique. Ali ele não pode ficar. O que ele pode fazer é como Tomek, o menino de Não Amarás, de Kieslowski: ver a vida dessa mulher pela sua janela, tirar fotos, e de vez em quando ajudá-la quando ela precisa. Ele compra jóias para ela como se fosse o final de O Último Americano Virgem. “Não vai agradecer ao homem que salvou a sua vida?”. Meu Deus! Ao final, descobrimos que “o filho puxou a mãe” (a Isabella Rosselini) porque ela dá um leve sorriso de canto de boca quando ele retorna (aí vem a minha tese de que a mãe era como o filho quando era jovem mas acabou se casando com o marido imbecil). Two Lovers é uma tragédia porque todos têm razão, é um filme político, porque Joaquim Phoeniz não pertence àquele mundo, e sim à “pequena loja dos horrores”, a loja da vida. Grey embala esse melodrama com enorme sabedoria, e seu filme – soberbamente narrativo – vai num crescendo, como uma ópera, um adágio, até os últimos quinze minutos, de tirar o fôlego. Aula de cinema, voltado para os atores e para a criação de climas. Algumas escorregadelas, mas no todo bastante satisfatório.

Comentários

irmãos pretti disse…
gostei da tua empolgação. quais são as escorregadelas?
ricardo
luiz disse…
pra mim, a ruiva é a melhor coisa que podia acontecer com aquele menino. uma mulher que realmente quer amá-lo. uma de verdade (carne e osso) que dá pra ele na cama dele, sem medo, e não num terraço cheio de terror. não acho o final do filme trágico. é um final extremamente complexo, mas libertador.
ao meu ver esse filme já nasce uma obra prima do cinema. melhor filme do gray, comparável à loja da esquina do lubistch!
Cinecasulófilo disse…
Luiz, Ricardo,

O curioso é que o James Gray dá uma entrevista em que ele confirma a sua visão: o menino deveria ficar com a ruiva mesmo. Por um lado, isso faz todo o sentido, porque é a escolha do mundo real ao invés do ideal, é a escolha do mundo possível, já que a loira não faz parte do mundo dele. Mas tenho uma dúvida em relação a isso, porque, por um lado, esse final me parece, do modo como foi filmado, um tanto conservador. Da forma como foi encenado, o menino ficou com a ruiva mais por uma questão mais utilitarista do que eminentemente ética, e isso me incomoda. Ou ainda, não houve um convencimento para si mesmo que a ruiva não representa toda a carga da tradição familiar que ele tanto quer evitar (ela não “representa” esse mundo), isto é, não foi uma escolha deliberada, e sim uma “opção passiva”. Ficar com a ruiva não me pareceu um ato de libertação e sim de aprisionamento, porque todo o final é – inclusive com recursos de som e enquadramento (a música, a forma como ele volta para o apartamento e senta, tristemente, na poltrona, etc.) – um enorme canto de lamento, afirmando sua impossibilidade de viver a vida que gostaria, essa sim livre, livre das amarras sociais e psicológicas de inferioridade, livre dos preconceitos. Por isso, minha leitura seria de um final crítico, em como um “sistema” aprisiona a liberdade do indivíduo, em que “amadurecer” passa a ser ter que aprender a conviver com a impossibilidade de viver em liberdade. Dessa forma, seria um final triste, e um filme pessimista, mas não conservador. Mas a própria entrevista do James Gray (http://blog.spout.com/2009/02/13/two-lovers-james-gray-interview/ ) valoriza a sua leitura em detrimento da minha (ou seja, eu não soube ver o filme...). Mas em momento nenhum me pareceu que o desejo do menino pela loira é “imaturo”, ou “baseado apenas em aspectos superficiais”, mas, ao contrário, eu já acho que “o desejo é uma fruta”, e ele é sentido com toda a honestidade e sinceridade por esse menino que quer (apenas) ser feliz e desejar alguém que pulse vida. Por isso acho (na minha cabeça) que Amantes tem a ver com Não Amarás: é um filme triste sobre como as regras implícitas do mundo oprimem a liberdade de ser do indivíduo. Não sei se me fiz entender. Não é a toa que Dreyer acaba Gertrud com a mulher sozinha, e não ela voltando para o marido. Sei lá, precisaria rever, mas a princípio tenho minhas ressalvas em relação a como o Gray quis acabar esse filme. Tenho também algumas ressalvas em como o filme mostra essa família (acho que sou “japonês demais” para essas questões), alguns excessos me incomodam.

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