(FestRio) Os Famosos e os Duendes da Morte

Os Famosos e os Duendes da Morte
de Esmir Filho
Odeon seg 28
***


Nesse sentido, foi mágico que o primeiro filme que consegui assistir nesse Festival do Rio tenha sido um filme brasileiro, um filme de estreia, o primeiro longa do Esmir Filho. Confesso que estava um tanto ressabiado porque vejo um conjunto de restrições em seus curtas-metragens (cheguei a escrever sobre isso aqui). Mas sei, por outro lado, que se trata de um diretor talentoso e que poderia render um bom potencial. Os Famosos e os Duendes da Morte (mesmo com esse título esdrúxulo), é um filme surpreendente porque comprova a maturidade do diretor, como se ele superasse várias das deficiências dos seus curtas-metragens, ainda que seu primeiro longa seja um trabalho em nítida continuidade com seu percurso anterior. Tento me explicar melhor. O que mais me incomoda em seus curtas anteriores (Ímpar Par, Alguma Coisa Assim, e, em maior grau, em Saliva) é que Esmir utilizava um trabalho de excelência técnica e domínio plástico como uma busca pelas superfícies da imagem, mostrando um certo exibicionismo publicitário e uma certa futilidade na abordagem de seus personagens jovens. Os Famosos e os Duendes da Morte não deixa de apresentar uma continuidade em relação a seus projetos anteriores, na busca por um cinema sensorial, pelo olhar em relação aos dilemas da adolescência, mas aqui impressiona que o diretor tenha demonstrado a sabedoria que seu domínio técnico fosse empregado não como um fim em si mesmo mas como uma forma de olhar um mundo. Nisso é incrível como parece que pela primeira vez Esmir tenha se mostrado capaz de observar para filmar, e não simplesmente filmar. Ao mesmo tempo em que o filme possui um domínio plástico, ele humaniza esse registro, inclusive incorporando de forma criativa diferentes tipos de bitola, relativas a imagens filmadas pelo próprio personagem. Esmir avança quando compreende que seu “cinema sensorial”, mais do que simplesmente ser um exercício de domínio técnico, é um meio para se aproximar de seu personagem, criando seu mundo interior a partir de recursos cinematográficos (imagens e sons). Nisso o trabalho de fotografia de Mauro Pinheiro Jr. parece ter sido fundamental, o que só comprova que Mauro é talvez o maior fotógrafo da atualidade no cinema brasileiro. Ainda, parece fantástico como o filme possui tempos mais largos: quem imaginaria Esmir Filho filmando uma linda sequência como a que mostra o protagonista andando para ir à escola e seu melhor amigo andando de bicicleta em círculos em torno dele (num plano frontal, sem enfeites, em plano-sequência)? Ou a forma bonita como Esmir Filho consegue deixar a câmera na expressão do avô do protagonista, usando com sabedoria o silêncio, o não-dito, o abismo e a proximidade entre esse neto e esse avô? Ou ainda, como o som é usado de uma forma incrível.

Como é incrível ver que diante do desafio de fazer um primeiro longa – com a expectativa que envolvia, com a grana da Warner, etc – Esmir Filho buscou um caminho de continuidade em relação a seus curtas mas avançando em relação às questões de fundo, às questões de fato. Como é incrível ver que diante desse desafio, Esmir não se acovardou e fez um filme corajoso, coerente, um filme difícil de ser realizado, até porque possui oscilações, mudanças de ritmo e de tom, modulações não muito triviais, especialmente entre um tom mais realista e um tom mais onírico, entre os quais o filme oscila com bastante segurança. Fez um filme arriscado, corajoso, pessoal e coerente. Um filme íntimo, bonito, delicado. O que se pode pedir mais para um primeiro filme?

Por fim, é interessante perceber como, de uma certa forma, Esmir retoma um certo cinema proposto pela Casa de Cinema de Porto Alegre, cujo diálogo é impossível não citar, até porque a própria Casa de Cinema participou no trabalho de produção do filme. Mas enquanto os filmes da Casa de Cinema que buscavam um certo olhar semelhante (Verdes Anos, Deu Para Ti, até mesmo os mais recentes como Meu Tio Matou um Cara) tiveram como referência um cinema de corte mais clássico e um diálogo mais amplo com o público, Esmir buscou um diálogo com o cinema contemporâneo, com um cinema mais afeito a sensações e climas do que com uma decupagem tipicamente clássica. É como se Esmir Filho dialogasse com o American Graffiti não necessariamente bebendo diretamente da fonte mas mediado por como cineastas como um Gus van Sant ou Wes Anderson foram influenciados por esse mesmo filme.

Com isso, Esmir Filho faz uma notável estreia no longa-metragem, realizando um dos mais bonitos filmes brasileiros já feitos que dialogam com um universo adolescente.

Comentários

Anônimo disse…
Esdrúxula é sua falta de imaginação.

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