Tout est pardonée

Tudo está perdoado
de Mia Hansen-Love
CCBB ter 26 19:30
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Há algo de belo no cinema de Mia Hansen-Love. Tudo está perdoado, seu primeiro longa-metragem, ainda que sem o impacto de seu filme seguinte, O Pai dos Meus Filhos (ver aqui), comprova as qualidades da diretora. Há uma beleza etérea, fugidia, na maior parte desses dois filmes dessa jovem diretora francesa. Algo que nos escapa. Um cinema tipicamente francês, centrado nos relacionamentos humanos, em geral amorosos, mas o tom que Mia consegue imprimir ao filme é muito particular. Tudo Está Perdoado tem muito em comum com O Pai dos Meus Filhos: em especial, são dois filmes que possuem um olhar para o passado sempre a partir do presente, e sempre pensando numa proposta de futuro, em uma geração. Tento explicar melhor: são dois filmes sobre filhas que tentam descobrir quem é seu pai quando talvez seja tarde demais. Com isso, são filmes sobre uma diferença de gerações, de sexos mas também sobre a distância do tempo, tempo que afasta mas também que aproxima as pessoas.

Há algo comum na narrativa de ambos os filmes: descobrimos suas verdadeiras intenções apenas após uma hora de filme, quando há uma quebra narrativa, uma dobra. Tudo Está Perdoado é sobre uma filha que descobre (ou melhor, tenta descobrir) quem é seu pai. Ao fazê-lo, tenta ser independente, tenta crescer, tenta descobrir mais sobre si mesma. É um filme sobre como as marcas ou as dores do passado são sementes para uma descoberta de futuro. Por isso é muito bonita e significativa a forma como Mia filma as crianças de ambos os filmes: sempre uma forma ligeira, aberta, vívida, com enorme habilidade, senso de observação e afeto.

Mia abre sua filmografia em longas-metragens com uma cena de um subúrbio, um trem passando, e uma música japonesa. Nada mais bonito e interessante, porque nos faz lembrar de um certo cinema japonês. São ambos filmes sobre a família, centrado nos relacionamentos entre os membros da família, com uma forma de filmar essa relação muito atenta pelo que se diz nas entrelinhas, observadora dos pequenos momentos, sem nada virtuosístico. Mas ao contrário do rigor do cinema de Ozu, por exemplo, a câmera dos filmes de Mia é leve, uma câmera na mão fluida, que deixa os atores soltos, e ao mesmo tempo projeta ao filme um sentimento de uma fragilidade.

Além disso, (na minha cabeça pelo menos) Tudo Está Perdoado não deixa de falar sobre certos rumos da França, como se pensasse sobre os rumos da geração de 68, as marcas para a geração seguinte dessa explosão de liberdade mesclada com uma explosão de angústia. Não deixa de ser um acerto de contas delicado com um passado.

Um cinema, humano, sensível, delicado. Observador. Que se abre para o mundo. Que olha para o passado desses pais mas também olha para o futuro, para as ações das crianças que brincam no jardim. Entre eles, a protagonista tenta se descobrir. A câmera delicada de Mia a acompanha, tilintando breves momentos, apontando uma melancolia serena mas ao mesmo tempo o doce desafio desse caminhar. Dois belos filmes. Espero pelos próximos filmes de Mia Hansen-Love.

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