Nesta semana, eu revi o Êxodo. Gosto de, vez em quando, rever meus filmes, menos como um exercício fútil de vaidade, mas mais para me questionar até que ponto minhas preocupações de uma época permanecem comigo, ou até que ponto elas se transformaram em outras questões, que guardo comigo hoje. Mas, dadas as coisas que venho pensando, essa revisão me fez pensar que o Êxodo não deixa de ser um filme de decupagem: um filme que pensa de forma quase obsessiva a divisão em blocos, a composição de sua estrutura. Um filme de montagem e um filme de enquadramento. Mas que, para além disso, é também um filme de climas.

Me explico (para mim mesmo). Penso que de, um lado, o Êxodo é um filme de arquitetura (os Pretti falaram muito bem sobre isso uma vez, na verdade sobre o Desertum), construído como se fosse um grande edifício, com uma preocupação de estabelecer um método de montagem baseado numa planta baixa, em primeiro colocar os alicerces, depois os grandes blocos de base, etc. Por outro lado, é como se esse grande bloco de concreto estivesse equilibrado no ar, como se essa estrutura enormemente robusta tivesse uma leveza, uma transparência. Isso me lembra de algumas obras de escultura contemporâneas, como as que mostro abaixo. A questão é que essas esculturas são por definição imóveis. Esse improvável equilíbrio é obtido a partir de um estudo entre a solidez do material e os vãos, entre os cheios e os vazios, entre a unidade da massa-base e os “silêncios” que perfuram esse bloco unívoco. Acontece que no filme entra a questão do movimento, isto é, não é uma mera fotografia. Esse “equilíbrio no ar” precisa ser dado através de relações dinâmicas, estabelecidas pelo movimento, através de dois elementos básicos: primeiro, claro, a própria duração do filme, a própria composição dos “blocos de imagem estáticos”; e, segundo, a partir do som, que não deixa de funcionar como elemento intangível que “perfura” o peso da imagem fotográfica. É como se essa escultura girasse sobre seu próprio eixo, criando novas formas de relação que a transformasses numa escultura outra, relativizando a supremacia dos “cheios” em relação aos “vazios” e vice-versa.

De outro lado, toda essa estrutura dinâmica só consegue se equilibrar por se ater a um conceito muito preciso de simetria. A relação com a escultura contemporânea consegue dar conta dessa intenção bem melhor do que se eu tentasse me expressar. Me interessa um certo tipo de relação essencialmente formal com esse material, mas que não aponta meramente para um formalismo, mas como uma forma de estar no mundo. Êxodo não é o cinema de James Benning: é fruto de um modo de produção ínfimo, de imagens pensadas no calor do momento, diante de uma paisagem que vejo pela primeira vez, registradas com um câmera modesta, em estilo “point and shoot”. A partir do caos do mundo e da impressão que aquele instante me atinge, eu procuro registrar isso com um certo rigor, com uma certa simetria. Relações que serão extrapoladas na montagem, na pós-produção, quando todo esse material será revisto e repensado, e que criarão novos sentidos entre esse conjunto de planos, e de sons que escolherei para compor esses espaços. Mas, por trás desse certo rigor e dessa certa simetria, há um olhar do instantâneo, há uma precariedade latente que atinge o filme. Uma precariedade. Um filme feito de nada, apenas de um olhar que observa, um olhar que está no mundo. Um olhar que está no mundo, mas ao mesmo tempo que o observa de dentro, mas de uma forma distante, um distanciamento duro. Essas esculturas contemporâneas de que mais gosto são aquelas que me passam, por trás do exercício de composição formal, da simetria e do trabalho com o material, uma aparência lúdica, uma poesia. Mas é uma poesia dura, rigorosa, que às vezes intimida. Mas intimida só se não chegarmos bem perto, e conversarmos com ela. Procuro me aproximar dessas esculturas, conversar com ela e tentar me tornar um amigo. É assim que funciona.

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