Tiradentes (V): dois jovens talentos curitibanos

DEUS, de João Krefer
VÓ MARIA, de Tomas von der Osten

A Mostra de Tiradentes exibiu diversos curta-metragens de jovens realizadores desconhecidos. No entanto, os mais interessantes foram os trabalhos dos curitibanos João Krefer e Tomás von der Osten. O trabalho de Tomás ganhou surpreendente notoriedade com a extremamente ousada premiação do júri principal, que agraciou o curta com o prêmio de melhor curta-metragem da Mostra. Movimento ousado e reflexivo do júri, quase uma defesa por uma certa “pegada” no panorama de curtas da mostra, um tanto apagada por uma seleção que buscava os meios-tons, e não realmente trabalhos antenados com um certo cinema contemporâneo, foco do festival.

São dois curtas que poderiam muito bem estar em qualquer antologia do “Cinema de Garagem”: realizados por uma única pessoa, totalmente sem recursos públicos, são, de uma certa forma, exercícios de linguagem audiovisual mas que extrapolam a ideia de um mero exercício pelo seu tom sugestivo, por seu caráter reflexivo, sobre a natureza da imagem e nossa possibilidade de visão. Mostram o potencial desses jovens realizadores.

VÓ MARIA articula um discurso entre imagem e som, inserindo diversas camadas ambíguas entre elas. Na imagem vemos recortes de uma fotografia; no som, depoimentos sobre a fotografada, emitidos por familiares. No início mal identificamos que se trata de uma foto: através de planos próximos, o pixel do video nos salta, formando uma imagem quase abstrata, longe do reconhecimento dos traços faciais de uma pessoa. A voz, por sua vez, tenta recuperar impressões desse familiar distante. Quem é então Vó Maria? Através desse hiato entre os depoimentos dos familiares e a foto amarelada, Tomás faz um exercício longe de ser formalista: é uma reflexão terna sobre os limites da imagem, sobre a fugacidade da memória, sobre a natureza da imagem do vídeo e os limites da representação. Isso tudo traduzido através de uma distância física, da lente da câmera à foto, do olho humano ao olho da fotografada, da voz à memória.

Já DEUS também promove um encontro ambíguo entre imagem e som. Mas enquanto VÓ MARIA baseava suas relações ambíguas através do corte e do ritmo, DEUS é composto de um único plano com câmera parada, com cerca de quatro minutos. Um pôr-do-sol. No som, o “perpetuum mobile” de Arvo Part. O minimalismo de Arvo Part se combina com um conceito cinematográfico, um movimento reflexivo. DEUS se equilibra num limite extremamente frágil, extramamente corajoso, extremamente reflexivo. Se no curta anterior perguntamos se é possível ver Vó Maria, agora é possível perguntar se é possível ver Deus. Podemos dizer que é uma questão de fé, ou ainda, nos termos mais próprios ao filme, de uma “iluminação”. Mas DEUS vai além disso. De um ponto de vista, DEUS pode ser visto como aquelas vinhetas do final da programação da Rede Record, por exemplo. O que o diferencia claramente disso é que existe um movimento, quase imperceptível. DEUS é uma reflexão sobre a possibilidade do movimento no cinema. O ritmo da música de Arvo Part acompanha as dobras reflexivas. Para ver, é preciso “desver”, como diria Cezanne. Nessa absurda crença na imagem como poder transformador, através de uma aguda simplicidade, DEUS, poema sinfônico audiovisual, é um dos mais belos curtas-metragens exibidos neste ano de 2011.

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