Quando falo das influências do neorrealismo e o comparo com as opções tomadas por cineastas como Bresson ou os Dardennes, penso também em um filme recente como esse A vida vai melhorar, de Cedric Kahn. Fico pensando também numa frase recente dita por Luiz Camilo Osório: “Dar ao mercado o que é do mercado: agilidade e eficiência. Dar a arte o que é da arte: tempo e experimentação.” O filme de Kahn é uma experiência bem inserida no “mercado de filmes de arte”. Ele é muito eficiente em prover o espectador de uma suposta experiência com as dificuldades da classe média baixa (dos desfavorecidos) em ascender socialmente. Mostra um casal que sonha em ter um restaurante, busca um empréstimo e enfrenta obstáculo para honrá-lo. O que me incomoda no filme é justamente a sua eficiência. É sua opção em fazê-lo sempre de uma forma muito confortável para o espectador. Em apresentar um mundo violento de uma forma nada violenta. O filme é angustiante mas não é violento. O roteiro procura todo o tempo fazer com que o espectador se identifique com o drama desses personagens, a torcer pelo sucesso deles. A princípio, o humanismo desse filme do Kahn nos comove, a partir do seu desejo em descortinar um lado do capitalismo contemporâneo, em que os negócios e a obsessão pelo dinheiro sufocam a conquista do bem-estar. Isso poderia muito bem se encaixar nos propósitos do filme do Bresson (L´argent). Mas o que é muito diferente entre filme como O Dinheiro e A vida vai melhorar – já começando pelo título – são as suas opções em como encenar esses propósitos, em como situar o espectador diante do que lhe é exposto. O filme do Kahn opta pela psicologização, pelo didatismo das intenções, pelo conforto do espectador. Pelo passeio de férias, ao invés da reflexão. Enquanto Kahn filma situações angustiantes, Bresson encena angustiantemente. Enquanto Kahn busca sempre levar a narrativa para frente, de modo que o espectador fique esperando de forma aflita qual será o desenrolar da trama, Bresson trava a naturalização de uma situação que não pode ser encarada por nós (espectadores) como natural, através de enquadramentos singulares e de elipses que exigem um outro engajamento do espectador. O filme do Kahn é bem feito (de boas intenções, o inferno está cheio), mas é mercado. O filme de Bresson é arte. Por isso, Rosetta (falando dos Dardennes) poderia parecer um filme próximo a este do Kahn, mas na verdade são dois filmes bem diferentes. Ou ainda, o cinema de Kaurismaki, que também circula por aí. Mas Kahn está mais para Loach, ainda que um pouco melhor do que este. Ele quer fazer “mercado de filmes de arte”, e consegue!

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