Cosmopolis


Não sei muito o que dizer sobre o último filme de Cronenberg, COSMOPOLIS, que tem dividido opiniões entre “o amo e o odeio”. Posso dizer que é um filme corajoso, que escapa dos padrões que normalmente se esperariam do cinema de Cronenberg. Um filme austero, um conjunto de tableaux independentes, meio teatral, bastante verborrágico. Um filme que poderia ter sido feito por Kiarostami, tamanhas as cenas no interior de um carro (uma piada boba, já que o filme é bem diferente dos de Kiarostami). Um filme corajoso, uma produção de Paulo Branco.

O tédio. O tédio, novamente ele. Me parece claro que Cronenberg quer fazer uma certa parábola política sobre o nosso tempo e sobre os rumos do capitalismo atual e da especulação financeira. Da virtualização das relações no mundo contemporâneo. Fala de um bilionário que se trancafia num carro e no seu próprio mundo de números. Enquanto isso, o mundo, o amor estão lá no extracampo. O extracampo pulsa muito forte nesse filme, que também é sobre o não-mostrar.

A questão é o ponto de vista. O tom sóbrio, frio e calculista do filme me lembra um pouco de Shame, de McQueen. Mas apesar de ambos os filmes assumirem o ponto de vista de seu personagem como chave para um certo tom de uma narrativa (buscar acompanhar um desmoronamento por dentro), acontece que Cosmopolis não se preocupa tanto com as motivações psicológicas de seu personagem. É isso o que frustra o espectador, que nunca consegue se identificar com seu personagem nem odiá-lo por completo (há algo infantil nele mas tampouco é um filme infantil). Cosmopolis não é feito para agradar ou seduzir o espectador. É um filme estranho, descontínuo. Sua opção narrativa é radical: ainda que o filme possua uma linearidade (até física: percorrer ruas da cidade até ir a um barbeiro para cortar o cabelo, enquanto enfrenta obstáculos – o engarrafamento, as manifestações, as ameaças de morte, a falência financeira), Cosmopolis é preenchido por um conjunto de microhistórias que não se fecham por completo e que surgem quase por acaso, envolvendo um conjunto de personagens que aparecem e desaparecem sem muita explicação. Outro ponto que não agrada ao espectador é seu tom farsesco, um tom curioso com pitadas que oscilam entre o realismo, o surrealismo e um tom austero mezzo teatral. Uma ficção científica passada nos dias de hoje narrada como se fosse um filme de humor como os de Wes Anderson. Cosmopolis não é feito para funcionar, e isso é muito positivo.

Tudo isso gera um mal estar. Cosmopolis é um filme ensaio. Visualmente preciso, plasticamente impressionante, especialmente pela direção de arte. Tudo em seu lugar. É isso o que me incomoda. Parece que está sempre tudo ao controle de Cronenberg. O diretor diz que seu filme é o primeiro filme sobre o novo século. Prefiro os filmes de Hou Hsiao Hsien. Enquanto Cronenberg denuncia o vírus do tédio da esquizofrenia, HHH observa a possibilidade de viver mesmo diante desse cenário desalentador. A questão é de ponto de vista. Apesar de mais ousado e corajoso em sua forma narrativa, é como se Cosmopolis carecesse de problemas parecidos com os de Shame. São dois filmes tão deslumbrados com a necessidade de fazer bom cinema que não se abrem ao mundo, assim como seus personagens. Talvez eu tenha me lembrado de HHH quando vi Juliette Binoche, tentando se esforçar para compor uma personagem. No filme de HHH ela vive: ela é uma personagem sem que nos demos conta disso. Claro, são opções de encenação, mas são também formas de ver o mundo. Em seus últimos filmes, Cronenberg tem procurado “ser menos Cronenberg” e há algo de muito positivo nisso. Até porque se pensarmos bem, existe uma certa continuidade entre suas obsessões. Nos últimos filmes, há uma busca por uma depuração de estilo, por uma austeridade que não havia em seus primeiros perturbadores filmes. Sempre existiu uma proposta, sem dúvida, mas aqui essa proposta assume um peso que oprime o filme. Se COSMOPOLIS precisa se apresentar como um filme político escancaradamente, isso deprecia a própria trajetória de Cronenberg, por não perceber que seus primeiros filmes talvez sejam bem mais políticos que este, porque apontavam para uma política da encenação muito mais ousada e radical. John Carpenter, cujos filmes possuem indiscutíveis paralelos com toda uma produção de Cronenberg, falou uma coisa interessante sobre Cosmopolis: que Cronenberg precisava ter cuidado porque estava se levando a sério demais. Sábias palavras.

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