II Festival de Cinema Universitário de Penedo (AL)

Acabo de chegar de uma semana incrível em Alagoas no II Festival de Cinema Universitário de Penedo, onde ministrei a Conferência de Abertura e fiz parte do júri da Mostra Competitiva de Curtas. A charmosíssima cidade de Penedo vive uma fase de renovação cultural, revivendo os áureos tempos do festival de cinema que, realizado entre os anos de 1975 e 1982, era um dos principais do país. Organizado pela UFAL, coordenado pelo guerreiro Sergio Onofre e produzido com disciplina por Simone Cavalcante e Nicolle Freire, o Festival também é uma oportunidade para acompanhar o amadurecimento da cena audiovisual de Alagoas, que passa por um momento de descoberta e de articulação bastante interessantes. Devo escrever um pouco mais sobre a cena alagoana em breve.

O principal prêmio do júri da Mostra Competitiva foi para o delicado QUANDO O CÉU DESCE AO CHÃO, de Marcos Yoshi. Seu primeiro plano já berra as intenções do curta: uma atriz interpreta um papel, quando subitamente, as luzes do “fundo do palco” se acendem e percebemos que ela está em seu trabalho como cozinheira de um restaurante. Tudo se dá no interior do plano: é a partir da relação com a luz, ou ainda, do primeiro plano com o fundo, que o realizador articula uma relação entre criação e vida. Trata-se mesmo não de um corte, mas de jogar luz, ou de trazer à sombra. Este talvez seja até um plano atípico, por ser o momento mais “explícito” do curta, cujo grande mérito, raro em estreantes, é nunca “berrar suas intenções”, mas expressar-se no terreno das sutilezas, da sugestão, e do não-dito. “Quando o céu desce ao chão” é um filme feminino: essa mulher independente transita ao longo do filme com força (perseverança) e delicadeza (fragilidade). Flui no ritmo da vida, como se fosse fácil viver (ou filmar) assim. Todo o filme é centrado nas interseções entre criação e vida, interpolando os limites entre um e outro, trazendo zonas de cinza, abrilhantadas pela formidável fotografia em preto-e-branco, num raro curta universitário que ainda opta (ou que pode optar) pela película. A delicadeza da direção de Yoshi, seu foco humanista, atento aos ensaios e às relações ambíguas entre ensaio e vida (o que a vida leva para a arte e o que a arte leva para a vida) me lembra um pouco de alguns dos trabalhos de Rivette, especialmente L´amour fou. Um exemplo disso é como o diretor retrata o ambiente do restaurante. Se nos filmes convencionais poderíamos esperar um olhar estereotipado, condenando o trabalho na cozinha como “inferior” ao artístico, como um ambiente negativo, mercenário, em que se trabalha apenas pelo dinheiro, é incrível como, mesmo aí, o diretor evoca um clima de humanismo: é possível lá fazer amigos, fazer o melhor trabalho possível, trabalhar com dignidade. Não há, pois, distinções esquemáticas entre “trabalho manual”, “trabalho artístico” e “vida”. Não se sabe até que ponto leva-se da personagem para a vida, ou leva-se da vida para a personagem. O oriental Yoshi conduz a mise-en-scene com enorme segurança, transita entre tempos e espaços, desloca seus personagens entre espaços, os faz conversar, observar, ouvir, ver o mundo. Não tem medo dos diálogos, desenvolve a narrativa levando o filme para frente, quase sem firulas, sempre com uma decupagem leve e delicada, mas ainda assim atenta e nada superficial. Proposta de cinema e encenação nada trivial para o cinema universitário.

Comentários

Gabriel Barrella disse…
Olá, Marcelo,

Gabriel Barrella, aqui. Fotógrafo do filme. Fiquei contente com o elogio à foto, mas fiquei mais contente que você se dedicou a escrever uma crítica sobre ele... Como não tenho muito ido aos festivais, não consigo ter muitas impressões como as pessoas tem reagido a ele, só através do Marcos, mas isso não dá uma dimensão tão boa... É bem legal quando alguém dispõe seu tempo pra falar de um trabalho nosso que deu tanto trabalho.

Ainda que fosse negativamente, seria bom, mas ler algo positivo foi ainda mais legal. Hahahaha.

Abraços!



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