essa estranha borboleta cambaleante

(texto que escrevi sobre a curadoria, para o catálogo da Mostra do Filme Livre 2013...)

essa estranha borboleta cambaleante

2013. O Brasil entra em uma nova onda de desenvolvimento. Estamos prestes a sediar dois eventos internacionais de porte: a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Ao mesmo tempo em que parece que somos de vez o país do futuro, somos levados a ser o que os outros julgam que somos. Mas o que somos de fato? Talvez o cinema, o audiovisual, possam nos ajudar a descobri-lo. Sinto que as coisas estão rolando. 2013. Os equipamentos em vídeo e as ilhas de edição estão cada vez mais acessíveis, e é possível fazer um curta ou um longa-metragem com cada vez menos grana. Há um circuito de exibição não comercial que cada vez mais vem desabrochando, desde os diversos cineclubes em todo o país, passando por alguns festivais de cinema e chegando inevitavelmente na internet, com os youtubes e vimeos da vida. Para além das bobagens, as pessoas e as ideias se interconectam em rede, através do e-mail, do SMS, do facebook, do twitter, do instagram, do tumblr e de todos os contatos virtuais que aproximam as distâncias mais do que os voos de madrugada da Azul ou da Gol. As distâncias se relativizam: Fortaleza é mais próxima de Belo Horizonte do que de Salvador. Existe uma geração jovem que já sacou tudo. Não consegue mais esperar dez anos para montar um projeto, captar recursos, puxar saco, ir às reuniões das associações de cinema, reunir uma equipe numerosa e finalmente realizar o seu primeiro longa. Essa geração prefere se arremessar ao mundo de forma precária, de forma imperfeita, mas na forma possível: reage ao mundo que lhe atravessa com um sentimento de urgência. Os filmes, os mais diversos, são cartas ao mundo. Por isso, são filmes políticos. Uma nova forma de ver/fazer política. Os coletivos se multiplicam e se multiplicam as formas de se fazer um filme, até, quem sabe, sozinho. Cada um desses pequenos gestos, nos diversos cantos do país, ecoa. São garrafas lançadas ao mar. E elas chegam em portos inseguros, e atingem recantos inesperados dos corações e das mentes. Vocês podem apostar que esses gestos solitários ecoam. Chegam em muito mais lugares do que podem ser computados através do girar da roleta do número de ingressos vendidos nas salas de exibição comerciais do Brasil. Enquanto todas as salas de cinema passam o novo "Tubarão”, as garrafinhas navegam no mar, no ritmo das marés e das brisas, sem bússola ou carta de navegação, no ritmo do cozimento em fogo brando da comida saborosa bem temperada com dendê, que foge do gosto pré-fabricado dos fast foods que vendem milhões de sanduíches por hora. Esse gesto é a nossa revolução, e ele começa a incomodar. Parece que volta a ser possível sermos nós mesmos e não nos envergonharmos disso. Parece ser possível andar descalço e deitar na rede. Temos centenas de curtas e dezenas de longas que apontam nessa direção. Não podemos ter medo. Não é só a comida que nos alimenta. Volta o papo de que é preciso ser responsável, precisamos comer, sustentar os nossos filhos. Mas só podemos sustentar os nossos filhos nesse gesto de que é possível sermos nós mesmos. Caso contrário, como poderemos olhar para os nossos filhos? Não podemos ter medo. Quando faço filmes, procuro fechar os olhos; outros o fazem deixando-os bem abertos. Não sei mais o que vou fazer. Algumas vezes, estou cansado e me sinto só. Acho que é um gesto suicida, um delírio romântico. Mas, juntos, podemos tecer essa rede, uma teia formada por nós, delicadamente frágeis, mas que, estendidos, formam algo além de nós mesmos. Essa rede se expande, de formas ainda não totalmente compreendidas. Diferentes, esses nós se complementam. Cada um de nós está trabalhando. É preciso abrir as janelas, escancará-las para deixar a luz entrar. Não tenho mais medo. Procuro inspirar e expirar sem sentir dor. Esquecer o ressentimento. Talvez seja chegada a hora de romper esse casulo e deixar essa estranha borboleta cambaleante finalmente desabrochar.


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