LAWRENCE DA ARÁBIA


Hoje passei boa parte do meu dia me dedicando a (re)ver LAWRENCE DA ARÁBIA. Uau. Para mim, que venho me dedicando durante anos a fazer pequenos vídeos caseiros, é uma espécie de grande constrangimento testemunhar essa obra assombrosa do David Lean. O que dizer? Me parece claro que, assim como Lawrence montou um exército para ocupar o Oriente Médio, Lean precisou montar um verdadeiro campo de batalha para fazer esse heroico filme. Mesmo que eu seja um tanto avesso ao cinema de grande espetáculo, não tenho como não me render ao gigantismo, ao seu tom humano, ao seu tom crítico, a uma enorme obra de cinema como é esse LAWRENCE DA ARÁBIA. O que dizer? Me parece que David Lean, além de ter levado adiante a sua própria cinematografia, fez um filme absurdamente pessoal (Lean-Lawrence). Me parece que Lean levou adiante o que Stroheim não conseguiu fazer, por conta de sua enorme vaidade pessoal. Lawrence, esse encarregado das vontades da corte britânica, que no fundo é quem comanda o destino dos árabes; Lean, esse encarregado das vontades do grande arsenal da indústria bélica cinematográfica, vagando ao léu para encontrar a sua identidade, percorrendo com enormes gruas e travellings esse arenoso território da Jordânia e do Marrocos como se fosse um western hollywoodiano, apenas para entregar para os marechais da guerra, trancafiados em seus escritórios, a sua “companhia de água”, ou seja, mais um produto do espectáculo cinematográfico. De um lado, os canhões da guerra; de outro, as Panavisons 70mm. Qual a diferença? O que importa para os que detêm o poder? Pobre Lawrence; pobre Lean, que, após esse filme, teve que simplesmente voltar para casa. O que dizer? O que dizer diante do absurdo da guerra, da hipocrisia da alta guarda inglesa, do jogo de poder dos gabinetes, da vaidade e do prazer pela roleta russa do sangue, da finitude humana? O que fica de tudo isso? Um filme feito “com a faca entre os dentes” e uma enorme consciência (uma languidez) do fracasso (da ingenuidade) dessa tentativa? O que dizer desse filme feito apenas de homens? Por fim, me parece que Lean também seguiu as velhas tradições do cinema inglês, e que LAWRENCE DA ARÁBIA é, acima de tudo, um sucessor de CORONEL BLIMP, o extraordinário filme de Powell-Pressburger passado no hiato entre as duas Grandes Guerras. Sem querer entrar no mérito histórico do filme, que mereceria uma análise mais aprofundada, como espetáculo cinematográfico, é absolutamente comovente ver como David Lean se apresenta no ápice da possibilidade de uma experiência cinematográfica (a maturidade do cinema como entremeio entre produto e linguagem) e como, ao mesmo tempo, se apresenta uma consciência aguda de uma crise. Crise da política, crise dos homens, crise da paisagem, crise da linguagem, crise desse homem que procura incessantemente quem ele é, e essa paisagem nunca lhe responde. Cinema clássico, cinema moderno, cinema contemporâneo, LAWRENCE DA ARÁBIA pode ser visto por múltiplos aspectos. Um filme solar, um filme sombrio: mistura de Stroheim com Antonioni; mistura de Gerry com Boetticher. Um filme misterioso, um filme corajoso, um filme conscientemente suicida, entregue todo à razão e ao instinto. Talvez ainda perturbado, sob o feitiço dessa sessão, penso que talvez LAWRENCE DA ARÁBIA possa ser entendido como a quintessência do que se chama da tal “experiência-cinema”.

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