tag:blogger.com,1999:blog-74265112024-03-13T10:27:40.876-03:00Cinecasulofilia"As I was moving ahead ocasionally I saw very brief glimpses of beauty"Cinecasulófilohttp://www.blogger.com/profile/17585855697515454968noreply@blogger.comBlogger1435125tag:blogger.com,1999:blog-7426511.post-38705838029098249612024-03-08T13:31:00.004-03:002024-03-08T13:32:55.808-03:00Bizarros peixes das fossas abissais<p><span style="color: #0b5394;"><b>BIZARROS PEIXES DAS FOSSAS ABISSAIS</b></span></p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">de Marão<o:p></o:p></p><p class="MsoNormal"><br /></p>
<p class="MsoNormal" style="text-indent: 36pt;"><o:p></o:p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh44ePC1-nMM6SGkH7KpHtNe46jyRa7boiQjxb3j4AkwKdf0uO83xmJUjIKo2HBIRFUTCUgc5D7_AdV1DfeMjcO2T3krkY-gK8wxtY8wyqi15KiRxE32Xzf9B20d0q1CfD0AfcD9Gm-swyrGlqQql8l3hCfN_rZlpWNqtXljfO73MdpNTed0Xsvww/s987/bizarros_topo..png" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="427" data-original-width="987" height="276" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh44ePC1-nMM6SGkH7KpHtNe46jyRa7boiQjxb3j4AkwKdf0uO83xmJUjIKo2HBIRFUTCUgc5D7_AdV1DfeMjcO2T3krkY-gK8wxtY8wyqi15KiRxE32Xzf9B20d0q1CfD0AfcD9Gm-swyrGlqQql8l3hCfN_rZlpWNqtXljfO73MdpNTed0Xsvww/w640-h276/bizarros_topo..png" width="640" /></a></div><br /> <p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="text-indent: 36pt;"><i>Bizarros peixes das fossas
abissais </i>representa a trajetória de um dos mais importantes artistas da
animação brasileira. É preciso começar esse texto dessa forma, pois é preciso repetir
e enfatizar esse ponto para que nós não nos esqueçamos disso. Marão – o lendário
Marão – tem sua trajetória relacionada ao cinema independente brasileiro,
aquele que surgiu nos cineclubes e nas mostras de cinema no final dos anos
1990, e ao mesmo tempo é herdeiro de uma geração pioneira da animação
brasileira, fruto da parceria do Canadá e do CTAV. Os curtas de Marão se
tornaram antológicos no circuito dos cineclubes independentes brasileiros,
especialmente pelo seu humor inconfundível, por sua ousadíssima irreverência e deboche,
até mesmo com tiradas escatológicas, como no clássico underground <i>Engolervilha </i>(um projeto coletivo, ver <a href="https://maraofilmes.com.br/filmes/engolervilha/" target="_blank">aqui</a>).
Numa época em que o must era o cinema da retomada e seus filmes de patrimônio
histórico fossilizados, a irreverência de Marão apontava para outros
horizontes, o que se integrava a um sentimento de uma geração inconformada. O
que de outro lado também nos lembra de uma certa vertente de animação
brasileira, como o cinema de Otto Guerra, e por aí vai.</span></p><p class="MsoNormal" style="text-indent: 36pt;"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt;">Mas os brutos também amam, e até
os jovens envelhecem. Vejo <i><a href="https://www.youtube.com/watch?v=48RFKRJPbww" target="_blank">Até a China</a></i>, um curta de Marão de 2015, como o marco
de um ponto de virada na trajetória do realizador, em que ele busca equilibrar
o seu lado irreverente e iconoclasta com uma tendência afetiva e narrativa. Muito
além de um mero passeio turístico e exótico à China, o curta de Marão surpreende
pela leveza e pela mirada afetiva com que ele desenvolve as relações humanas.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt;">Pois bem. Depois de décadas de
uma das trajetórias mais singulares e exitosas do cinema de animação
brasileira, finalmente, apenas em 2024, Marão consegue realizar seu primeiro
longa metragem, com um título genial <i>Bizarros peixes das fossas abissais</i>. Esse
fato é uma maravilha e ao mesmo tempo uma tristeza. O próprio diretor afirma em
suas redes “Nunca imaginei que pudesse ter um longa lançado comercialmente”.
Essa frase me dói, porque penso: se o Marão não consegue, quem há de conseguir?
Decerto que hoje a animação brasileira vive um outro momento, com bem mais
reconhecimento e os editais de política pública se ampliaram para os projetos
de animação. Mas a animação ainda permanece muito mais voltada à publicidade ou
às séries de televisão/streaming do que o cinema. Ainda vejo um enorme
preconceito e miopia em relação à animação brasileira no circuito do cinema. No
cinema, a animação sempre foi vista como um “patinho feio”. Hoje menos que há
vinte ou trinta atrás, quando Marão começou, mas ainda o é.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt;">Mas, por outro lado, contra alguns
prognósticos, <i>Bizarros peixes </i>foi feito, e está aí para ser visto. E, para além
de qualquer coisa, é um filme coerente com a trajetória desse nosso pequeno
grande artista brasileiro. Coerente com a trajetória de Marão, <i>Bizarros peixes
</i>não é um filme formatado para os grandes festivais internacionais nem formatado
para o mercado de animação brasileiro. Vendo o filme não sabemos muito bem se é
um filme para crianças ou se para adultos. O filme possui uma aposta radical
numa proposta de ingenuidade – uma ingenuidade, portanto, nada ingênua – mas essa
ingenuidade não é a de certos produtos infantis educativos que infestam nosso
mercado. Bizarros peixes não foi feito a partir de tabelas sobre “público-alvo”
e coisas assim. É um filme sobre o universo de Marão – e a possibilidade de
vermos um filme que expressa a trajetória de um de nossos maiores artistas é
muito bela. E apenas isso já nos basta. Nada mais. Nada menos. É um filme de
curtição. Vejo essa suposta ingenuidade como um enorme sinal de liberdade.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt;">Como dizíamos, <i>Bizarros peixes
</i>expressa essa trajetória de maturidade de Marão, nesse modo que considero após
o <i>Até a China</i>. Um filme que busca equilibrar os arroubos irreverentes com um
eixo voltado para a narratividade e a emoção. O eixo narrativo nos mostra a
aliança de três criaturas singulares (uma mulher heroína, uma nuvem e uma
tartaruguinha) em torno de um objetivo: coletar os cacos de um vaso, enquanto
tentam escapar de seus inimigos que querem capturá-los. A narrativa, apesar de
simples, é hábil, pois apenas lá pelo meio do filme, descobrimos o real
objetivo da protagonista em reunir os cacos – uma questão familiar, que vai
muito além do valor material do objeto. A típica “jornada do heroi” se
desenvolve, de modo que nos tornamos próximos dos três personagens, em bela
construção de personagens. Esses personagens aparentemente frágeis se tornam os
nossos super-herois. E que outro autor, a não ser Marão, poderia reunir
Nilópolis, Araraquara e a Sérvia (??!!) dentro de um filme? E como é belo ver a
Baixada Fluminense em um filme, local tão pouco representado, e sem os
estereótipos de violência e marginalidade comumente associados a essas
localidades...<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt;">Mas, para além dessa narrativa protojuvenil
de afeto mútuo, há uma sequência que gostaria de destacar aqui. E que não à toa
migra para o título do filme. É quando o filme praticamente abandona sua
vocação narrativa, e mergulha numa viagem ao fundo do mar. É quando finalmente
vemos os prometidos bizarros peixes das fossas abissais. Ali, nessa sequência
que já considero antológica dentro da trajetória da animação brasileira, me
parece que Marão abandonou qualquer responsabilidade de um “discurso” e mergulhou
simplesmente no prazer em fazer animação. Que ótimo que consegui ver esse filme
em uma sala de cinema, porque a sequência é uma espécie de um balé subaquático,
em que os peixes, de formatos e cores as mais estranhas, podem desfilar diante
de nós. A animação pura – em seus traços, movimentos e cores – quase de forma
abstrata. O fundo do mar surge em fundo negro, o que dá um efeito ainda mais
expressivo dentro da sala de cinema. O desenho sonoro, minimalista mas preciso,
amplia nossa percepção sensorial. Para além da linda jornada da heroína, creio
que esse é o momento de maior potência e liberdade do filme.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt;">Por fim, o final é duro. Após
toda a travessia, a jornada da heroína não se realiza por completo. Ela não é totalmente
bem-sucedida. Pois mesmo os mais abnegados super-herois não podem resistir
contra a corrente do tempo e a inevitabilidade da morte. Mesmo com todos os
esforços, essa juventude não irá reverter o fluxo das coisas do tempo presente.
O filme finca os dois pés no presente e no real. Nada poderá reverter o fato de que o tempo passa. E que precisamos dizer adeus.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt;">Vi o filme no Cinema do Dragão em
Fortaleza em um domingo às 13:40. Não tinham crianças na sessão. Além de mim, apenas mais um casal e duas pessoas jovens. Ao sair do cinema, ainda tocado por essa
experiência, vi uma multidão que se aglomerava no saguão do cinema. Atordoado,
olhei para a bilheteria com um dizer “ingressos esgotados”. Supreso, percebi
que havia uma longa fila para a próxima sessão, o filme do Miyazaki. Esse amplo
choque de contrastes me deixou ainda mais atordoado. Que ótimo que um grande
público jovem vá a um cinema de rua num domingo à tarde para ver um filme japonês humanista, de um
grande artista como Miyazaki. Mas fiquei pensando: por que esse mesmo público
não teve interesse pelo fime que passou um pouco antes, realizado por um de
nossos maiores artistas? Qual é o abismo que separa Marão de Miyazaki? Não sei responder. Deixei o Dragão e fui caminhando de
volta para casa.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt;">Mas <i>Bizarros Peixes </i>existe. É pena
que só consegui escrever esse texto agora, quando o filme está saindo de
cartaz. Acho triste que a nossa imprensa e a nossa crítica não tenham reverberado mais
essa obra, pois ela é fruto de uma das nossas maiores expressões criativas. E
acho que isso expressa um certo preconceito que ainda persiste sobre a animação
brasileira. De todo modo, obrigado Marão, por você existir. E um viva que
<i>Bizarros peixes</i>, contra muitos dos prognósticos, conseguiu ser feito – nesse nosso
mundo de hoje de muitas “novas visibilidades” mas também de muitos apagamentos.<o:p></o:p></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt;"><br /></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiJJbvCAbSVIgIlAq2wNg0Hs63gByWq0-XSmgqK2BP-cAEAcgz0QOQHg-2PQR2PxW_2qVSR6vwVLZr0beaNa29u8aZFwPL8r0DQxECOdoTMYOB5lx1dvCrwBVNk8RGrHV3irny2aEokJqIB9uv5qn3OjYiY2XFW0tY0bLsY9tA2IKp8oVOpvn1ysw/s1920/110602.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="709" data-original-width="1920" height="236" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiJJbvCAbSVIgIlAq2wNg0Hs63gByWq0-XSmgqK2BP-cAEAcgz0QOQHg-2PQR2PxW_2qVSR6vwVLZr0beaNa29u8aZFwPL8r0DQxECOdoTMYOB5lx1dvCrwBVNk8RGrHV3irny2aEokJqIB9uv5qn3OjYiY2XFW0tY0bLsY9tA2IKp8oVOpvn1ysw/w640-h236/110602.jpg" width="640" /></a></div><br /><p class="MsoNormal" style="text-indent: 36pt;"><br /></p>
<p class="MsoNormal" style="text-indent: 36pt;"><o:p> </o:p></p>Cinecasulófilohttp://www.blogger.com/profile/17585855697515454968noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7426511.post-76363880211162755322024-01-05T11:46:00.004-03:002024-01-05T11:51:32.662-03:00FOLHAS DE OUTONO<p><span style="font-size: 12pt; text-align: justify;"><b><span style="color: #3d85c6;">FOLHAS DE OUTONO</span></b></span></p><p><span face=""Calibri","sans-serif"" style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: Calibri; mso-fareast-language: EN-US; mso-fareast-theme-font: minor-latin; mso-hansi-theme-font: minor-latin;">Kuolleet
lehdet, 2023</span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Aki Kaurismaki<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;"><o:p> </o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhC8EXfm0-ACekTHnWE5t0fXu3PihSCWbceqRS9ZSNAjO4YrkUkXTD2rulpghpgm1QMqE7Qou7wn4QqoEIB5PCXCvxz2grfRJ0ykcuhxReLG0v8goNWrey4N9RSCd1sydFNOCGAEXaixO76ehoK-2dFPOai4y6Uvx_ykqNXEJGSPlbcpT35E7_y8g/s3840/Folhas%20outono%20Kaurismaki.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="2160" data-original-width="3840" height="360" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhC8EXfm0-ACekTHnWE5t0fXu3PihSCWbceqRS9ZSNAjO4YrkUkXTD2rulpghpgm1QMqE7Qou7wn4QqoEIB5PCXCvxz2grfRJ0ykcuhxReLG0v8goNWrey4N9RSCd1sydFNOCGAEXaixO76ehoK-2dFPOai4y6Uvx_ykqNXEJGSPlbcpT35E7_y8g/w640-h360/Folhas%20outono%20Kaurismaki.jpg" width="640" /></a></div><br /><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-size: 12pt;">Dois
minutos já são suficientes – talvez até mesmo um único plano – para que
possamos reconhecer que se trata de um filme de Aki Kaurismaki. Os traços
estilísticos da obra desse notável diretor finlandês são quase imediatamente
reconhecíveis: o universo dos proletários, o humor keatoniano dos rostos
impassíveis, a iluminação artificial cortada com cores frias, etc. Dados os
pressupostos do chamado “cinema de autor”, esse é (pelo menos como é considerado)
“o melhor dos mundos”: o sucesso de um autor está justamente em estabelecer uma
marca distintiva original tão forte que funcione como um selo que o destaque
diante da enxurrada de filmes disponíveis para o espectador nos mais diversos
canais.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-size: 12pt;">Kaurismaki,
portanto, é um dos grandes autores do cinema contemporâneo. Seus filmes
estabelecem um olhar humano para seus personagens proletários que tentam
enfrentar a solidão buscando, ainda que timidamente, amar. A originalidade do
olhar de Kaurismaki é que ele não é um Ken Loach: seus dramas humanistas
sociais não possuem uma estética realista ou naturalista mas a aposta no artificialismo
transborda a contribuição de sua mise en scène como parte de um jogo formal com
regras próprias.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-size: 12pt;">Dizem
que os grandes artistas são aqueles que estão continuamente a refazer a mesma
obra. Mas, ao mesmo tempo, tudo isso pode ser uma grande armadilha. O cineasta
pode se instaurar numa certa zona de conforto, e se contentar com apenas
repetir ou prolongar sua pesquisa estética. O grande desafio da função autor é
nunca se repetir como apenas diluição de um “programa estético” já estabelecido
mas estar continuamente a ampliar seu repertório, pois, afinal, “o tempo não
para” e o mundo está continuamente a girar. Senão a obra do artista é mera
degeneração ou pastiche de si mesmo, obra natimorta cuja função é apenas manter
em movimento meramente inercial a roda do mercado do capital do cinema de arte.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-size: 12pt;">Me
parece esse ser o grande desafio atual do cinema do Kaurismaki – e não apenas
dele. Para quem conhece a obra de Kaurismaki, Folhas de outono é uma obra de
maturidade, que comprova como Kaurismaki domina plenamente os recursos de seu
estilo, mas, ao mesmo tempo, é um filme acomodado que avança muito pouco dentro
dos seus domínios.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-size: 12pt;">Se
esse filme “acomodado” de Kaurismaki está entre os melhores do ano de 2023, é
um sintoma nítido não apenas dos descaminhos do mercado do cinema de autor
europeu contemporâneo mas dos impasses e das encruzilhadas do nosso próprio
mundo - da falta de coragem e de perspectivas para romper com os rumos
implicitamente impostos pelo capital. Ou seja, um Kaurismaki padrão ainda é melhor
que a grande maioria dos produtos que invadem nosso mercado!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-size: 12pt;">Dito
isto, estamos mais uma vez diante do brilhantismo dos tempos e do olhar humano para
personagens que parecem ter poucas perspectivas diante de um regime de trabalho
que os trata como mera mercadoria de pouco valor. O humor no cinema de Kaurismaki
tenta ser uma chama cálida, uma espécie de brisa discreta de afago morno diante
de um contexto social e humano gélido. Mas Folhas de outono não é Ironweed.
Kaurismaki não quer fazer um mergulho no submundo, mas propor uma fábula leve e
acolhedora. A escolha pelo romantismo clássico é uma aposta por um consciente
anacronismo. O humanismo de Kaurismaki é ingênuo – a aposta pela ingenuidade é
clara e muitas vezes comovente: o amor e o afeto são as únicas chamas possíveis
diante de um mundo indiferente. O risco é que o contexto social seja
ingenuamente encapsulado pelo “universo Kaurismaki”, como uma redoma de vidro
fechada por dentro. Não é à toa que o cinema neste filme entre com plena função,
recheado de cartazes que nos remetem a uma experiência de cinefilia quase em
extinção na nossa atual era dos streamings, da inteligência artificial e das
redes sociais. Kaurismaki dá as costas a esse mundo contemporâneo, satisfeito
em desfilar seu mundo tão pacientemente construído por meio de um estilo
desenvolvido com muito esmero nas últimas três ou quatro décadas.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-size: 12pt;">O
plano final é a síntese desse discurso. Uma autocitação de Chaplin – cineasta produtor
que também lutou como pôde contra os avanços da modernidade e promoveu uma
aposta radical no anacronismo e na ingenuidade. Mas mesmo Chaplin não se
acomodou ou se repetiu – vejam, por exemplo, o extraordinário Monsieur Verdoux.
Nesse plano final, os personagens precisam continuar caminhando, sem se cobrar
muito, sem esperar muito do futuro, a não ser continuar caminhando (uma cópia
consciente do plano final de Tempos Modernos, um filme explicitamente
anacrônico, uma aposta anacrônica contra o cinema sonoro, e um libelo contra a
opressão do trabalho). Um plano profundamente lírico mas que também pode soar
um tanto reacionário (antibrechtiano). É preciso observar as contradições e os
impasses do cinema de Kaurismaki – esse grande autor pelo qual particularmente tenho
tanta admiração a ponto de “copiar” seu estilo em um dos meus curtas – como sintoma
da crise da função autor e da necessidade de romper com nossas zonas de
conforto para que possamos avançar. Em suma, considero uma pena que um artista
tão delicado e atento pelo desafio humano do mundo e do cinema como Kaurismaki não
consiga perceber que é preciso avançar. Ou, dito de outra forma, a acomodação
expressa o desencanto de Kaurismaki <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>- seu
pessimismo e sua desesperança, não apenas no mundo do trabalho mas sobretudo no
cinema. Não chega a ser nocivo, é apenas triste que um dos nossos grandes
artistas não consiga contribuir mais.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-size: 12pt;"><o:p> </o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-size: 12pt;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjFjUdfZbTEkDq2VBnYTMXFINWZzo8FgvcBV7IrUhyda34B2dIb3p2sd3B8iwIay9jcDKZhRV6D9FTkx1sS8mAJcPP89bfuJgjhF7-adK8lLpBpArCNYwbuY1rv6QOMX9vybv7NadWEq6quAzGrv_EbRBcfUM9Z9aful6GHOW2D9A2VFjuNHaU2Ow/s3840/modern%20times.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="2160" data-original-width="3840" height="360" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjFjUdfZbTEkDq2VBnYTMXFINWZzo8FgvcBV7IrUhyda34B2dIb3p2sd3B8iwIay9jcDKZhRV6D9FTkx1sS8mAJcPP89bfuJgjhF7-adK8lLpBpArCNYwbuY1rv6QOMX9vybv7NadWEq6quAzGrv_EbRBcfUM9Z9aful6GHOW2D9A2VFjuNHaU2Ow/w640-h360/modern%20times.jpg" width="640" /></a></div><br /><o:p><br /></o:p><p></p>Cinecasulófilohttp://www.blogger.com/profile/17585855697515454968noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7426511.post-77685845877713219462023-08-28T11:21:00.001-03:002023-08-28T11:21:21.095-03:00RETRATOS FANTASMAS<p><b><span style="color: #3d85c6;"> RETRATOS FANTASMAS</span></b></p><p>de Kleber Mendonça Filho</p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgbwVS8m1aqUWYnJ8uBmovyW-kF5HQQBCfXCGMZBtxg1e3B9YJYA3kz-WRKUOZOWmuo4KmadFLMf8uRz005i2alDCSDy0viiOsBGKuU9apfo7dk1cUaWrE9yXwzc2bGdCUd_67ZLoxF1OWdRj9IcLaHidqCUnwmHSxTysb9kcvzMJoV_gq0JhJ3bQ/s766/retratosfantasmas-1-.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="514" data-original-width="766" height="430" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgbwVS8m1aqUWYnJ8uBmovyW-kF5HQQBCfXCGMZBtxg1e3B9YJYA3kz-WRKUOZOWmuo4KmadFLMf8uRz005i2alDCSDy0viiOsBGKuU9apfo7dk1cUaWrE9yXwzc2bGdCUd_67ZLoxF1OWdRj9IcLaHidqCUnwmHSxTysb9kcvzMJoV_gq0JhJ3bQ/w640-h430/retratosfantasmas-1-.png" width="640" /></a></div><br /><p><span style="text-align: justify;"> </span><span style="text-align: justify;">Assim
como Retratos Fantasmas é dividido em três partes, vou utilizar uma estrutura
análoga ao filme para apresentar minha crítica.</span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><o:p></o:p></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"> 1ª
parte: O DIÁRIO AFETIVO. Não costumo buscar muitas informações sobre um filme
antes de vê-lo. Assim, tive a impressão de que Retratos fantasmas seria um documentário
sobre as salas de cinema no Centro de Recife. É claro que ele também é isso,
mas o primeiro aspecto que me chamou a atenção no filme é sua estrutura em
torno do cinema em primeira pessoa. Vejo Retratos fantasmas, acima de tudo,
como uma grande homenagem de Kleber à sua mãe. Na primeira parte do filme, num
tom até certo ponto bastante atípico em relação ao cinema de Kleber, vemos o
próprio realizador narrar, em primeira pessoa, seu cotidiano afetivo, em torno
da casa em que a família morava, da vida do bairro de Setúbal e de sua formação
como cineasta, uma vez que vários dos seus filmes foram rodados no interior de
seu próprio apartamento ou nas ruas de Setúbal.<o:p></o:p></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"> Vejo
que a homenagem à sua mãe se expressa não simplesmente na camada direta de
diário íntimo mas especialmente no seu desejo de história, uma vez que a mãe era
uma historiadora. Seu desejo de história se expressa pela inclinação em analisar
uma trajetória de mudanças ao longo do percurso do tempo, mas não meramente no
campo descritivo mas sobretudo por meio de um pensamento crítico. A perspectiva
do filme sobre a história é bastante contemporânea, uma vez que, para além dos
dados biográficos ou marcos temporais mais clássicos, o filme procura
apresentar para o espectador uma experiência, entrecruzando o pessoal com o
coletivo, o íntimo com o social.<o:p></o:p></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"> Por
um lado, Kleber revela aspectos confessionais e expositivos de sua intiimdade
familiar, baseados na narração (na voz do próprio realizador), que funciona
como eixo estruturante de todo o filme. Mas, claramente, Retratos Fantasmas não
é uma mera autobiografia de Kleber e de sua família mas é especialmente sobre
questões sociais/coletivas, como o cinema e a cidade do Recife. É notável como o
filme estrutura uma relação orgânica entre o micro e o macro, entre o indivíduo
e o mundo, entre as questões pessoais e coletivas. Desse modo, fico pensando
nas proximidades e diferenças entre Retratos Fantasmas e Democracia em
vertigem, e queria encerrar essa primeira parte com uma provocação: certamente,
Retratos Fantasmas é muito mais bem-sucedido como filme político do que o filme
de Petra Costa.<o:p></o:p></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">2ª parte: O AMOR AO CINEMA. Aspecto
central no filme, mola mestra em torno do amadurecimento do cineasta, é sua
ideia de amor ao cinema. Mas quero apontar para um aspecto: em geral, quando
cineastas falam de seu amor ao cinema, em geral eles se expressam pelo amor aos
filmes, ou seja, por uma adesão a uma ideia clássica de cinefilia, expressa por
uma enumeração enciclopédica de filmes e realizadores muitas vezes obscuros ou
de restrito conhecimento do grande público. Certamente Kleber poderia ter feito
isso, não apenas por sua trajetória como crítico e curador, mas por sua costumeira
aparição (até mesmo no Letterboxd) sugerindo filmes de realizadores como
Carpenter, Loznitsa, Klimov, Suleiman, entre tantos outros. Mas o amor ao
cinema que Retratos fantasmas evoca não se manifesta pelos valores tradicionais
do projeto estético da cinefilia mas por um aspecto complementar: seu amor às
salas de cinema. Seu filme, portanto, tem aderência ao campo da história
contemporânea, pois, em vez de elencar filmes e realizadores (uma film history)
prefere apresentar o cinema como espaço geográfico (uma cinema history), ou
ainda, como diria meu nobre professor João Luiz Vieira, em vez de uma história
do cinema, uma história de cinemas. Em vez de catalogar filmes e diretores,
Kleber prefere jogar luz para personagens invisibilizados que atuam nos bastidores,
como o projecionista (Seu Alexandre) ou o programador (Geraldo Pinho).<o:p></o:p></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Kleber não invibiliza os
artistas-realizadores, mas não concentra seu filme na defesa de um olhar
puramente estético sobre o cinema e sim em sua relação com a cidade e seu campo
de sociabilidade. Para quem convive com o cinema brasileiro e a cidade do
Recife, o filme de Kleber apresenta diversas sutilezas, desde citar cineastas
importantes no alargamento dessa relação do cinema com a cidade do Recife (uma
ou duas gerações mais antigas que Kleber, como Katia Mesel, Jomard Muniz de
Brito, Ivan Cordeiro, Fernando Spencer, Claudio Assis) mas também de uma
família de artistas, não apenas os que estão em torno dos seus próprios filmes (Leo
Lacca, Clara Linhart, Silvia Cruz com seu bebê a tiracolo, Maeve Jinkins, ou
seja, o cinema como uma família) mas também de realizadores uma geração mais
jovem que o próprio Kleber, como as aparições de A seita, de André Antonio ou O
porteiro do dia, de Fábio Leal.<o:p></o:p></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Nesse ponto, até mesmo pela proposta
de articular a experiência pessoal do realizador com um olhar coletivo, me
causou certa estranheza o apagamento da experiência de Kleber como curador (o
Janela) e como programador (o Cinema da Fundação) e centrar sua trajetória
profissional unicamente como realizador.<o:p></o:p></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Se, ao mesmo tempo, Retratos
Fantasmas reforça o mito da cinefilia em torno de uma adesão romântica ao culto
de uma espectatorialidade clássica, em alguns pontos, nada discretos, o filme é
ousado em afirmar as relações do cinema como instituição com o poder dominante,
seja na associação entre a UFA e o cinema no Brasil por meio do
distribuidor/exibidor Ugo Sorrentino, seja na relação íntima/afagos entre
Severiano Ribeiro e os militares ou líderes políticos/sociais da cidade (o convite
ao casal formado pelo governador do Estado e a Sra. Brennand).<o:p></o:p></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">3ª parte: O DIREITO À CIDADE.
Mas o verdadeiro ponto que amarra as camadas do filme é sua reflexão crítica
sobre as transformações da cidade. Algo que aconteceu na cidade do Recife, mas
que pode ser extrapolado para muitas das cidades em todo o mundo. O fechamento
dos grandes palácios dos cinemas de rua são uma metáfora para uma questão mais
ampla que o campo do cinema: as transformações das próprias cidades, ou ainda,
o direito das pessoas à cidade. Elegante, sem precisar fazer uma crítica direta
aos shoppings ou aos multiplexes (alguns dos quais estão exibindo este filme),
Kleber amarra a biografia de seu apartamento em Setúbal com a cultura e o
fechamento das salas de cinema de rua do Centro de Recife com as transformações
da geografia física e humana da própria cidade. Não é à toa que o filme abre com
uma imagem de arquivo com um mapa da cidade antiga entrecortada pelas imagens
atuais em HD com o amontoado de prédios. A verticalização da cidade e sua
transformação em bunker – algo que Kleber abordou em seus filmes, de O som ao
redor a Aquarius – é ampliada nesse filme, como um grande sintoma do
esvaziamento da experiência urbana, que tem afastado as pessoas das ruas e da
cidade, algo oposto à experiência da flanância. Não é à toa que Retratos
Fantasmas também fala do Carnaval, da importância de se ocupar as ruas da cidade,
especialmente do Centro. <o:p></o:p></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Tenho sempre comentado que me
parece ser o único antídoto possível contra as mais nocivas tendências do
capitalismo global investirmos em uma aposta radical numa ideia de comunidade,
resgatar a vida de bairro e o acesso à cultura e arte locais como outro modo de
sociabilidade. As pessoas estão trancafiadas em suas casas e parecem não ter
estímulos para caminhar pelas ruas e conhecer seus vizinhos. Trancafiados em
suas bolhas, estamos tendendo cada vez mais a nos isolar em tecidos sociais
estabelecidos por meio de relações virtuais. É esse olhar crítico sobre os
perigos e as contraindicações das transformações da cidade que faz de Retratos
Fantasmas um filme político. Um filme não apenas nostálgico sobre a experiência
do cinema de rua mas sobretudo um alerta para a importância de ações e de
políticas públicas para potencializar outras experiências de acesso à cidade.
Nesse ponto, Retratos Fantasmas poderia ser exibido conjuntamente com <a href="http://www.cinecasulofilia.com/2021/12/fest-aruanda-miami-cuba.html" target="_blank">Miami Cuba</a>, de Caroline Oliveira. Se o cinema é utilizado como ponto de partida para
Kleber, como nó que amarra sua trajetória pessoal com sua atuação profissional,
Retratos Fantasmas mostra muito claramente que o investimento no cinema (ou em
cinemas) ultrapassa em muito a mera classe dos artistas e cineastas mas dialoga
com uma política pública de cidadania que amplia o acesso às cidades. Esse ponto
é particulamente importante num momento de crise do cinema brasileiro e dos
cinemas de rua, em que projetos como a renovação da Cota de Tela lutam para ser
aprovados no Congresso Nacional. Nesse momento de grandes desafios, de forma
elegante, sem eleger culpados, é importante que uma figura pública tão
consolidada como Kleber Mendonça Filho se volte para essas questões em torno
não apenas do cinema brasileiro mas sobretudo de seu espaço social. É por isso
que digo que Retratos fantasmas é um filme político mais sutil e mais profundo
que Democracia em vertigem.<o:p></o:p></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">4ª parte: O EPÍLOGO. Se o filme
de Kleber é estruturado em três partes, posso me afastar dele propondo uma
quarta parte como epílogo. Se estruturei minha crítica em torno dos eixos “diário
afetivo”, “amor ao cinema” e “direito à cidade”, poderia também tê-lo feito em
torno de três grandes áreas de estudo: a história, a arquitetura e a geografia.<o:p></o:p></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Retratos fantasmas também é um
filme de arquitetura, pois transita entre as transformações de dois interiores:
o apartamento de Setúbal e as salas de cinema do Centro. Mas ainda que o
apartamento seja povoado por pessoas (os amigos, as filmagens, e a vizinhança,
como o incrível personagem do cachorro do vizinho) e a sala de cinema seja
sempre relacionada com a geografia do Centro, permanecem sendo dois interiores,
são dois espaços fechados. Não chega a ser desesperança, mas há certa
melancolia em Retratos Fantasmas, uma inclinação por certa solidão. Talvez por
isso tenha me causado tanto espanto a maravilhosa cena final, encenada em outro
espaço fechado, mas um espaço estranho: algo intermediário entre o íntimo e o
público, entre a casa e a rua, entre o pessoal e o profissional, entre o
documentário e a ficção, entre o real e o imaginário, entre o automóvel como veículo
privado e um projeto de transporte público: esse campo-contracampo no interior
de um Uber. O Uber, filmado entre Kiarostami e Suleiman (ou ainda entre o
Kiarostami de Dez e o Suleiman de It must be heaven), me parece ser o lugar
adequado que expressa todos os dilemas que atingem nossa classe média urbana:
nosso desejo de fazer algo mas também nossa impotência e contradições. Kleber
não caminha pelas ruas como os dois jovens amigos de Documentário, de Rogério
Sganzerla. Ele simplesmente observa pelo interior de um carro que ele não
pilota as paisagens esvaziadas da cidade de Recife, enquanto volta para casa.
Quando o motorista desaparece, Kleber não apenas se refere à combinação
insólita entre o campo do cinema e o domínio do mundo, entre as relações de mão
dupla entre o cinema e a vida (ou seja, como a vida inspira o cinema, e o
cinema irriga a vida, ou ainda, como o real e a mise en scène são
indissociáveis, reflexão ainda mais nobre por se tratar de um filme
documental), mas, acima de tudo, essa sequência final mágica sugere essa desaparição
de outros modos de ser, de um projeto de cidade e de mundo. A partir dessa
ausência tão real e tão mágica, ficamos pensando nesses fantasmas que nos
habitam, em nós e na cidade – as ruínas do bairro de Setúbal, do apartamento,
dos cinemas fechados, da ambiência do Centro da cidade, ou mesmo de sua própria
mãe. As ruínas que desapareceram mas que permanecem. Ou, os fantasmas. Se
Kleber fala muito ao longo de todo o filme, acabamos com esse contracampo
esvaziado, entrecortado pelos pontos de vista do interior do carro para essa
cidade em que não apenas cinemas viram igrejas e lojas de varejo mas diversos
outros tipos de experências viram drogarias, em torno de uma cidade doente, anestesiada
pela indústria de remédios. O Uber me parece representar à perfeição esse
não-lugar ou entrelugar que expressa os desafios de nossa experiência
contemporânea. O filme acaba nesse espaço nenhum em que Kleber, o próprio
realizador, agora corporificado (não apenas em voz), não está nem na casa de
Setúbal nem na sala de cinema, nem tampouco na experiência da cidade. Quase como
o espectador de um filme imersivo (a poltrona do Uber como cinema), personagem
de um filme que ele próprio criou, Kleber perambula em deriva pela cidade-Uber,
pelas ruínas de uma cidade-cinema que talvez não exista mais – ou que talvez
sobreviva ainda assim. O motorista pode ser muito bem o diretor de um filme que
agora é simplesmente projetado e desaparece por meio dos mecanismos de
transparência. Ou ainda, o filme pode ser simplesmente uma mistura insólita
entre “Apertem os cintos! O piloto sumiu” e A carruagem fantasma, de Victor
Sjostrom. Pois, assim como os cinemas e as cidades, todos nós um dia tendemos a
desaparecer, mas talvez algo de nós se prolongue, infiltrado como fantasmas,
ressoando aquilo que permanece, ainda assim.<o:p></o:p></p><p>
</p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><o:p> </o:p></p>Cinecasulófilohttp://www.blogger.com/profile/17585855697515454968noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7426511.post-51458767940543046282023-02-11T11:58:00.005-03:002023-02-11T12:00:32.076-03:00AFTERSUN<p><b><span style="color: #3d85c6;">AFTERSUN</span></b></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm;"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm;">de Charlotte Wells<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm;">2022<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm;"><o:p></o:p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhaGS3bxwPsh4JJGDjnif9lWV_ZFm_G_H5NWnGjyhx5Fu1QfODWoGQmaBC_qFSTmwV98SvlCj2Ut5vVZZRV9ruGT8dZ1c63V9WKRospNj45qk8Az2IEYvZlBuMyvcjbdQpqSf_LyaONAUDaBZ3eFm-1SHZIz5Xveov7NTuULk5kuQ7DRtJOPxg/s1316/aftersun-01-11-01-23.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="740" data-original-width="1316" height="360" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhaGS3bxwPsh4JJGDjnif9lWV_ZFm_G_H5NWnGjyhx5Fu1QfODWoGQmaBC_qFSTmwV98SvlCj2Ut5vVZZRV9ruGT8dZ1c63V9WKRospNj45qk8Az2IEYvZlBuMyvcjbdQpqSf_LyaONAUDaBZ3eFm-1SHZIz5Xveov7NTuULk5kuQ7DRtJOPxg/w640-h360/aftersun-01-11-01-23.jpg" width="640" /></a></div><br /> <p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i>Aftersun </i>é um filme delicado que aborda a relação de
um pai com sua filha Sophie de 11 anos, durante um passeio de férias num resort
de classe média na Turquia. O <i>resort </i>é uma oportunidade de a dramaturgia
promover uma espécie de laboratório de convivência forçada entre os dois, que parece
não conviverem juntos (talvez os pais sejam separados e a menina viva com a mãe).
Não há muito a fazer ali naquele espaço a não ser promover a interação entre os
dois protagonistas. Nesse espaço-tempo de confinamento, o filme opta pelas
dramaturgias do comum: a piscina, o quarto de hotel, as atividades de
recreação. Além disso, a dramaturgia opta por dois pilares-chave:<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>o primeiro, relativo aos dilemas da
pré-adolescente que observa à distância os modos de sociabilidade dos mais
velhos (especialmente adolescentes), à medida que aflora sua sexualidade; e o
segundo, sua relação, na modulação entre certa distância e afeto, com seu pai.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Apesar de os dois protagonistas ocuparem bom tempo
de tela, é possível perceber que o ponto de vista da narrativa fica mais do
lado da filha do que do pai. E, para isso, conta com a brilhante performance da
jovem Frankie Corio. Afinal, <i>Aftersun </i>é um filme de personagens, e poucas
coisas fisgam mais o espectador que uma relação afetiva entre pais e filhos.
<i>Aftersun </i>pode ser visto como uma espécie de <i>coming-of-age</i>, mas em que a
protagonista não precisa necessariamente superar nenhum desafio ou prova. Em
vários momentos, temos a impressão que ela simplesmente observa sua vida
passando, e sua interação com os outros personagens. Essa impressão é curiosa,
pois, na verdade, o filme se desenvolve como uma espécie de flashback. A base
para isso é uma câmera: é como se o filme todo ocorresse pelo ponto de vista da
filha, anos mais velha, que revisita suas lembranças ao encontrar as fitas do
material gravado nessas férias. O filme começa justamente com as imagens
caseiras dessa gravação feita pela filha, mas os recursos metalinguísticos são
discretos, e aparecem apenas eventualmente no filme, como flashes. Até que
despontam com mais evidência nos planos finais do filme, que se encerra muito
adequadamente como um ritual de despedida, não apenas da menina em relação ao seu
universo pré-adolescente mas em especial sua despedida de seu pai, sugerindo
inclusive sua morte, no delicadíssimo plano final que conclui o filme, com uma
panorâmica circular e uma entrada numa festa-portal. Essa festa também surge em
alguns momentos do filme, como flahses em que corpos (especialmente o pai, que
gosta de dançar, em contraste com a filha, que observa ao longe) pulsam de
forma fragmentada na escura sala de dança.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Por esses momentos, pode-se compreender a opção de
<i>Aftersun </i>pelo fragmento, pela irrupção de pequenos momentos de afeto. Assim,
<i>Aftersun </i>é um filme bem contemporâneo, pois estamos longe do jogo formal
teatral como um <a href="http://www.cinecasulofilia.com/2021/05/meu-pai.html" target="_blank">Meu pai</a>, de Florian Zeller, mas um pequeno filme contemporâneo
em que o roteiro oferece uma sucessão de lampejos de beleza (mas também de
melancolia) sem necessariamente uma progressão dramática ou relação causal que
forme camadas de suspense ou tensão sintomáticos. Cortes no meio da ação, e elipses
bruscas são combinadas com outros momentos alongados, como os corpos que deitam
à cama. <i>Aftersun </i>é um filme sutil de camadas de micronarrativas e atmosferas,
que me lembram, ao longe, os desafios do belo <a href="http://www.cinecasulofilia.com/2009/06/os-curtas-da-ioio-filmes-o-singelo.html" target="_blank">Lírios d´água</a>, de Celine Sciamma.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Por fim, outro elemento interessante do filme é essa
Turquia que quase sempre fica no extracampo, mas que de vez em quando surge no
filme. Acho bem interessante a estratégia dessa diretora britânica em situar
seu filme numa “ilha” (o resort) dentro de um país tão “exótico” (i.e visto
pela cultura europeia como exótico) quanto a Turquia. Esse estranhamento dos
personagens em relação ao seu meio social é explorado, ainda que de forma
sutil, em dois momentos: a visita à loja de tapetes e o passeio na piscina de
argila. Que Turquia é essa que conscientemente permanece sempre no extracampo,
mas, ainda assim, está lá?<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">A inesperada ótima recepção desse discreto filme de
uma cineasta estreante no circuito aburguesado dos chamados “filmes de arte”
(foi o filme mais visto da Mubi em termos mundiais) comprova como as narrativas
contemporâneas são hoje bem aceitas em certo círculo, e como o mundo
contemporâneo está carente de histórias humanas em torno do afeto. De fato,
<i>Aftersun </i>é um bom filme que tem todos os elementos para cativar os corações das
plateias pequenoburguesas ao redor do mundo - e o faz sem os principais chavões
do moralismo didático.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><o:p> </o:p></p>Cinecasulófilohttp://www.blogger.com/profile/17585855697515454968noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7426511.post-88580199092659999512023-02-08T22:48:00.006-03:002023-02-08T23:44:50.172-03:00FOGO-FÁTUO<p><span style="text-align: justify;"><b><span style="color: #3d85c6;">FOGO-FÁTUO</span></b></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">de João Pedro Rodrigues<o:p></o:p></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">2022</p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><o:p><br /></o:p></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><o:p></o:p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjuWftehXe8zmfafE8ThJ_T1CgmNaNiUicVo-vVxVqHONis7pAL9V6OapWzR7cGKuTBU98MyeyU3ZhWGufRVQQnq-ZsHG2A-hrIkgZTJ99Splp3KI8Me_rYwV_zCOX3qsOcRy5F3pP4GU_vczRjLuctss0LuA1XyHqeQ4xeIFHFmB9cGCcnVis/s1600/WhatsApp%20Image%202023-02-08%20at%2022.44.59.jpeg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="864" data-original-width="1600" height="346" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjuWftehXe8zmfafE8ThJ_T1CgmNaNiUicVo-vVxVqHONis7pAL9V6OapWzR7cGKuTBU98MyeyU3ZhWGufRVQQnq-ZsHG2A-hrIkgZTJ99Splp3KI8Me_rYwV_zCOX3qsOcRy5F3pP4GU_vczRjLuctss0LuA1XyHqeQ4xeIFHFmB9cGCcnVis/w640-h346/WhatsApp%20Image%202023-02-08%20at%2022.44.59.jpeg" width="640" /></a></div><br /> <p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">É fascinante a liberdade desse
filme. Há um bom tempo reinvindico que a chave criativa do cinema está na reiterada
afirmação da ingenuidade. Só a ingenuidade pode vencer o pragmatismo do
capitalismo e a meritocracia de resultados. Mas a vida pode ser vivida de forma
despretensiosa, sem querer nos fazer levar a lugar algum. O cinema não precisa
passar uma mensagem ou mudar o mundo, pode ser apenas uma brincadeira. Mas o
que torna essa brincadeira responsável é o seu compromisso com a liberdade, seu
compromisso com a subversão dos valores da cultura dominante. João Pedro
Rodrigues consegue fazer um filme contemporâneo, pois, ainda que esteja bem
aderente a um conjunto de questões de um circuito institucionalizado em que ele
certamente está inserido, ao mesmo tempo ele parece dar uma banana para tudo
isso, e parece apenas a estar a se divertir fazendo cinema, como se fosse uma
grande aventura.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">O que me fascina nesse filme é
como ele combina um olhar um tanto infantil com um tom erótico subversivo. O
mundo de fetiches gay não precisa ter o look do submundo dark opressor mas pode
ser inclusive um conto de fadas. Os bombeiros apagam fogo jogando fogo em tudo!
Acho lindo como o filme combina uma canção infantil e crianças aparecendo por trás dos troncos das árvores, com cenas eróticas falocêntricas em primeiro plano.
Enquanto o pequeno príncipe reconhece os falos dos bombeiros como troncos de
árvores amigas ou jardins paradisíacos, recebe um telefonema de sua mãe
informando da morte de seu pai. <o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Mas, antes disso, há o prólogo
do filme, em que, em regime de farsa, vemos o rei português em seu leito de
morte, arrodeado por um menino travesso que ignora o tom sóbrio da enfermidade e
continua a viver a vida. Depois, há um banquete em formato frontal teatral, em
que a família real portuguesa faz uma refeição como se estivesse num palco
sendo observados por nós, quase como uma cena de O discreto charme da
burguesia. Mas o tom brechtiano de autorreferencialidade soa como uma galhofa
acerca dos ritos da realeza, quando, de súbito, o pequeno príncipe afirma que
deseja ser bombeiro.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Nisso, o filme corta para um outro
bloco, que mostra o treinamento desse menino numa escola de bombeiros, quase
como um filme de high school americano. Os fetiches com o corpo masculino
brotam em composições pictóricas, como é o exemplo dos bombeiros que formam
figuras inspiradas em quadros da renascença clássica. Esse tom de ingenuidade e
de composição visual a partir dos corpos é coroado numa incrível cena musical,
uma espécie de treinamento do grupo de aspirantes a bombeiros no pátio interno,
uma cena de puro deleite encantatório. Bom trabalho!<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">O pequeno e despretensioso filme
de Rodrigues é, ao mesmo tempo, extremamente refinado e cuidadoso com os
artifícios da criação, iluminado pelo sábio uso da cor e da movimentação de
câmera orquestrada por um bem jovem Rui Poças. Um pequeno grande filme repleto
de paixão pelo cinema e pela vida. Ecologia, cinema queer, corpos negros, cinema
político antimonarquista??!!.... bem além disso! Rodrigues revira o didaticamente
correto e reintroduz o caminho do prazer como mola mestra para reinventar outro
lugar no mundo. O diretor brada (em pleno palco de Cannes): “Não quero ter um
estilo!”. Morte ao cinema de autor; viva a vida do cinema!<o:p></o:p></p>Cinecasulófilohttp://www.blogger.com/profile/17585855697515454968noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7426511.post-91476960995570811942023-02-04T12:26:00.007-03:002023-02-04T12:28:22.612-03:00X – A MARCA DA MORTE<p><b><span style="color: #3d85c6;">X – A MARCA DA MORTE</span></b></p><p>X</p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm;"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm;">de Ti West<o:p></o:p></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm;">2022</p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm;"><o:p> </o:p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgzn0jdmffNn1qJpPEOGASPVOP_rKMn515mKDgPu-KhDPARkxN3eWMJupIk0s9RMIb7A56GIJFMM4ZdsxQJSWb5GCoXi0tx8CWjDniEPSJEAExM_pD9GoyHdQz0mlDrL2qBwM5UVjtmMa1WOrVy3IaXxbIHnAl0B4ek7cNL-E_WvXYiq2CplrI/s1200/WhatsApp%20Image%202023-02-04%20at%2012.24.06.jpeg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="633" data-original-width="1200" height="338" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgzn0jdmffNn1qJpPEOGASPVOP_rKMn515mKDgPu-KhDPARkxN3eWMJupIk0s9RMIb7A56GIJFMM4ZdsxQJSWb5GCoXi0tx8CWjDniEPSJEAExM_pD9GoyHdQz0mlDrL2qBwM5UVjtmMa1WOrVy3IaXxbIHnAl0B4ek7cNL-E_WvXYiq2CplrI/w640-h338/WhatsApp%20Image%202023-02-04%20at%2012.24.06.jpeg" width="640" /></a></div><br /><p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Somente
agora, com muito atraso, vi o tão comentado <i>X</i>, de Ti West, procurando me
atualizar um pouco, na medida do possível, com filmes de um circuito mais
comercial (ainda que eu tenha a consciência de que <i>X</i> é um filme independente de
baixo orçamento, ou seja, uma espécie de filme B cult possível pós-2010), e
especialmente levando em conta as análises de muitos especialistas de que o
filme oxigenaria certas convenções de gênero do terror <i>slasher</i>.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Confesso
que, em relação a esse último ponto, vi o filme com certa frustração, porque me
pareceu bastante aderente às estruturas e estratégias mais convencionais do
gênero, sem grandes novidades. Inclusive, achei previsíveis e sem grande
impacto visual as sucessivas cenas de morte ao longo do filme. Algumas cenas de
exceção se destacam nesse contexto, como a de um jacaré que quase abocanha a protagonista
em um mergulho no lago.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Ainda assim, tenho algumas
observações sobre alguns pontos que me despertaram a atenção ou a curiosidade
desse filme, para além de sua suposta originalidade em termos de suas
convenções de gênero.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Trata-se
de um filme dentro do filme, uma vez que mostra jovens que alugam uma fazenda
isolada no interior do Texas para fazer um filme pornô, e <i>X </i>é um filme de época
que se passa em 1979. Nisso, o primeiro plano do filme começa num enquadramento
que nos parece o típico formato 4x3 (que será usado posteriormente quando o
filme mostra o filme-dentro-do-filme, isto é, as cenas filmadas pelos jovens).
Mas há um dolly-in que nos faz perceber que na verdade são as barras de uma
janela, e, à medida que a câmera se aproxima do exterior para fora da janela,
percebemos que na verdade trata-se de um scope. Esse movimento de câmera entre
o interior e o exterior e a falsa mudança da relação de aspecto me pareceu um
dos mais belos gestos do filme (um movimento quase estruturalista) que
ressignifica vários gestos que o filme propõe.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>O
próprio título <i>X </i>nos remete à classificação indicativa, mas não do
filme-dentro-do-filme (que seria um XXX), mas do próprio filme que estamos
vendo. X é também, antes de uma letra, um sinal gráfico, mas que não possui uma
correlação direta com o filme, tal qual, por exemplo, <i>M</i>, de Fritz Lang, em que
a letra significa uma marca com a letra no casaco do assassino.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Esse gesto também me lembra os
guardas no final do filme, que acham a câmera, e o xerife diz que os jovens
estão a fazer um filme. Esses movimentos expressam uma profunda autoconsciência
e reflexividade sobre a noção de que, em última instância, tudo é um filme,
tudo é uma brincadeira, estamos todos a filmar, e não há nada de real ali.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Nesse contexto, o filme desfila
um carrossel de referências ao próprio cinema, de modo que o filme pode ser
visto como uma singela homenagem a slashers dos anos 1970, em especial <i>O
massacre da serra elétrica</i>.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Devemos também lembrar que o
filme começa num camarim, em que a protagonista se prepara para sua
apresentação, e que seu objetivo é fazer sucesso. O filme então se desdobra
como se fosse a grande apresentação dessa atriz em cena, em busca de seu lugar
ao sol. Acima de tudo, ela precisa ser uma sobrevivente.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Foi muito comentada a relação de
oposição entre jovens e velhos ao longo do filme. Os jovens que filmam o pornô
representariam a liberdade das convenções, e os velhos sofrem a repressão da
sexualidade, assombrados pelas palavras do pastor na televisão. O filme teria
um enfoque interessante que contrapõe pulsão de morte com pulsão de vida, e os
assassinatos em série expressam a tentativa de sublimação da repressão da sexualidade
expressa por certas estruturas sociais, que os jovens, por desafiá-las, devem
ser exterminados.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Mas, ao mesmo tempo, fico
pensando não tanto na oposição mas na aproximação entre os jovens e os velhos,
de modo que são duplos, projeções de uma mesma matriz. E, para isso, é marcante
a relação entre as duas personagens curiosamente representadas pela mesma atriz:
Mia Groth, que curiosamente é neta de nossa grande Maria Gladys. Essas duas
possuem uma relação de duplo fartamente exploradas no filme, desde que elas
tomam uma limonada juntas até o desfecho de confronto final. Pearl (a “Groth velha”,
com quilos de maquiagem) diz a Maxine (a Groth jovem) que ela também se tornará
assim como ela: a decadência (se é que podemos usar o termo) parece ser o
destino não apenas físico dos jovens mas daqueles que aspiram ao sucesso no
American way of life e fracassam. Pearl alerta mas a jovem “passa por cima”
desse aviso e segue seu próprio caminho. Se irá conseguir ou não, não sabemos.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">A relação do duplo ganha
proporções extremas numa das cenas mais impactantes de todo o filme. Quando a
velha se deita na cama com seu duplo-jovem e a acaricia, passando suas mãos
sujas de sangue no corpo apetitoso da jovem que dorme. Resquício do
surrealismo? Herança do cinema? O duplo, o sono, os fantasmas – cena a
permanecer na memória. Num outro momento, Pearl, ao ver seu duplo jovem galopando, reascende sua
chama sexual. Quando finalmente consegue consumi-la com seu marido, é Maxine
que está ali embaixo da cama, até que sai rastejando por baixo deles, quase
como um parto macunaímico.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Para além das convenções do
gênero, que confesso não ter embarcado muito, alguns momentos e relações de <i>X
</i>permaneceram ressoando comigo após a projeção – e para que mais, afinal, serve
um filme?<o:p></o:p></p>Cinecasulófilohttp://www.blogger.com/profile/17585855697515454968noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7426511.post-76620627811540203882023-02-01T17:10:00.002-03:002023-02-01T17:10:32.687-03:00(TIRADENTES2023) As linhas da minha mão<p>COBERTURA DE TIRADENTES 2023</p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><b><span style="color: #3d85c6;">As linhas da minha mão</span></b><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">de João Dumans<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">Mostra Aurora<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><o:p><br /></o:p></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><o:p></o:p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhKfBij8ya4irM5vNZYbJCrASiUThRxZheNPElE3-V974Cft4dBRh6py-qQ_h1wZC8Gjt-EqnV7T4MA6oZROgMmiCrYKOvyRTsuOvH01Yu-gBTZrmU6LLGLgWcqyuesgx2E0L8Q4IxR_MI1zEVG1h_hqTrpk2mzQON-Nit20rCdhv7hAaXiIfA/s2048/52580044745_9230b266f0_k.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1353" data-original-width="2048" height="422" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhKfBij8ya4irM5vNZYbJCrASiUThRxZheNPElE3-V974Cft4dBRh6py-qQ_h1wZC8Gjt-EqnV7T4MA6oZROgMmiCrYKOvyRTsuOvH01Yu-gBTZrmU6LLGLgWcqyuesgx2E0L8Q4IxR_MI1zEVG1h_hqTrpk2mzQON-Nit20rCdhv7hAaXiIfA/w640-h422/52580044745_9230b266f0_k.jpg" width="640" /></a></div><br /> <p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">É curioso como, pelos caminhos
insondáveis do destino, que eu (infelizmente) só conseguisse assistir a <i style="mso-bidi-font-style: normal;">As linhas da minha mão</i> (o filme a abrir
a Aurora na segunda-feira) <i style="mso-bidi-font-style: normal;">após</i> <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Solange</i> (o filme que encerrou a Aurora
na sexta), e <i style="mso-bidi-font-style: normal;">após</i> o resultado da
premiação. A comparação entre os dois filmes diante dessa troca de ordem me fez
refletir sobre as opções da curadoria desta Mostra de Tiradentes 2023, e, em
como, no cinema, na arte e na vida, muitas vezes, a ordem dos fatores altera o
produto.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">E é possível compará-lo não
apenas com <a href="http://www.cinecasulofilia.com/2023/01/tiradentes2023-solange.html" target="_blank"><i style="mso-bidi-font-style: normal;">Solange</i> </a>mas com um
conjunto de outros filmes desta Mostra de Tiradentes em torno de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">retratos</i>. Filmes que constroem e
descontroem representações de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">retratos</i>.
Podemos começar pensando em <i style="mso-bidi-font-style: normal;"><a href="http://www.cinecasulofilia.com/2023/01/tiradentes2023-o-cangaceiro-da-moviola.html" target="_blank">O cangaceiro da moviola</a></i>, que propõe um retrato a princípio um tanto convencional de seu
personagem, o montador Severino Dadá. No entanto, o filme de Rocha Melo está
interessado em seu personagem na medida em que ele permite que o cineasta trace
um percurso pela história do cinema brasileiro. Este é um filme em torno de um
olhar sobre a <i style="mso-bidi-font-style: normal;">História</i>, e, nesse
sentido, o filme de Rocha Melo desconstroi uma história canônica centrada em filmes-marco
e diretores-autores para se abrir para outras possibilidades de incorporar
outros métodos, abordagens, agentes e objetos nesse circuito, e daí reside sua
contribuição.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Já comentei o quanto <i style="mso-bidi-font-style: normal;"><a href="http://www.cinecasulofilia.com/2023/01/tiradentes2023-peixe-abissal.html" target="_blank">Peixe Abissal</a></i> abandona as ancoragens
biográficas para promover um mergulho na vida-obra de seu protagonista Luís
Capucho, entrecruzando vida e obra de maneira orgânica e fluida. Mas, ainda que
rompa com a biografia totalizante, ainda assim, é possível identificar linhas
claras de conexões entre a vida do autor e os temas mais marcantes de sua obra.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Mas aqui no caso de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">As linhas da minha mão</i>, a opção de João
Dumans é muito mais radical, tanto em termos do olhar para sua personagem
quanto pelas relações intrínsecas entre documentário e ficção, ou ainda, se
preferirem, entre o que existe previamente à presença da câmera e o que é dispositivo
criado pela mise en scène do filme quando a câmera é disparada. O filme também
fala de uma artista-criadora (Viviane de Cássia Ferreira), mas a opção pelo fragmento é tão marcante que chegamos
a ter certa dificuldade em entender qual o seu trabalho ou quais os eixos de
sua criação. Em comparação com os dois anteriores, é nítido como o filme é
muito mais radical em examinar a relação entre vida e obra de uma artista, em
movimento de contínua potência, por meio de uma aposta incondicional pelo fragmento,
pelo incompleto, pela deriva, pelo percurso. Por incorporar a margem e o
excêntrico como um elogio à parte em vez do todo. Em vez de um percurso pela
História, ou de um passeio fluido entre temas-função, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">As linhas da minha mão</i> aposta de forma plena nessa incompletude do
presente como gesto fundador de uma dramaturgia. São pequenos momentos, estilhaços
aparentemente pequenos ou isolados que nos permitem aproximar dessa personagem
de si: por exemplo, Viviane não se preocupa em nos apresentar os grandes temas
de sua criação mas é como se um momento aparentemente anedótico ou passageiro
de sua vida, como um encontro fortuito numa noite em Milão em uma viagem de
trem, nos revelasse as potências de sua vida.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Mais Foucaultiano ou Deleziano
impossível. Há um momento em que Viviane e seu amigo leem um trecho de
Nietzsche em que a artista responde a provocação proposta pelo texto, afirmando
que prefere ser uma desertora a um pastor, líder de um rebanho de ovelhas. Nem
líder nem seguidora, mas aquela à parte. Essa aposta na micropolítica, no
instante precário como fundador, marca um gesto ético de se aproximar de uma
personagem aparentemente em posição de vulnerabilidade (uma mulher com
transtornos psíquicos) para vislumbrar o que há de potência, ou ainda,
integrá-la ao mundo, como parte de uma dramaturgia do comum.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Nesse sentido, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">As linhas da minha mão</i> dá continuidade a
um movimento do chamado “novíssimo cinema brasileiro” em retratar pessoas em
situação de vulnerabilidade por um contexto de potência, tornando fluidas as
relações entre documentário e ficção, por meio de um cinema do afeto. Dumans
não procura tornar sua personagem uma vítima de um sistema social opressor mas
tampouco procura caracterizar sua personagem a partir de um perfil psicológico
a nível clássico. É possível ver <i style="mso-bidi-font-style: normal;">As
linhas da minha mão</i> como desdobramento de uma longa linhagem do chamado
novíssimo cinema brasileiro que passa por filmes (mineiros) como <i style="mso-bidi-font-style: normal;"><a href="http://www.cinecasulofilia.com/2011/02/tiradentes-ii-quatro-mundos.html" target="_blank">O céu sobre os ombros</a></i>, <i style="mso-bidi-font-style: normal;"><a href="http://www.cinecasulofilia.com/2014/02/tiradentes-2014-vizinhanca-do-tigre.html" target="_blank">A vizinhança do Tigre</a></i> ou mesmo <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Baronesa</i>.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Por isso, achei curioso quando,
em um dos debates, o curador-Diretor Artístico de Tiradentes, Francis Vogner
dos Reis, expôs, quase em tom de desabafo, uma contrariedade em relação àqueles
que dizem que a Mostra Aurora se centra em torno do mesmo tipo de filme, uma
vez que filmes como <i style="mso-bidi-font-style: normal;"><a href="http://www.cinecasulofilia.com/2021/02/tiradentes-2021-rosa-tirana.html" target="_blank">Rosa Tirana</a></i> ou <i style="mso-bidi-font-style: normal;"><a href="http://www.cinecasulofilia.com/2023/01/tiradentes2023-cervejas-no-escuro.html" target="_blank">Cervejas no Escuro</a></i> comprovam que a
Aurora sempre procurou se oxigenar com outros gestos criadores. Se isso com
certeza é verdade, ao mesmo tempo é também possível observar uma linhagem característica.
Digo isso porque considero que certamente <i style="mso-bidi-font-style: normal;">As
linhas da minha mão</i>, que recebeu o principal prêmio da Mostra Aurora, não
deixa de ser um produto sedimentado pelas próprias tradições de Tiradentes, e
não imagino outro lugar do mundo onde esse filme tão delicado pudesse ser
melhor compreendido do que sob o Cine-Tenda.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Faço essa observação pensando
nos possíveis ecos ou rastros do chamado “novíssimo cinema brasileiro” no
cinema brasileiro da década de 2020, agora sob os ataques do cinema identitário.
Talvez sua delicadeza e sua aposta nas micropolíticas do afeto ainda tenham ressonância
no cinema brasileiro de hoje, num momento em que as estratégias de choque
talvez possam se diluir no ambiente de reconstrução pós-Bolsonaro.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Pois é curioso pensarmos em <i style="mso-bidi-font-style: normal;">As linhas da minha mão</i> logo após ter
visto <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Solange</i>. Vendo esses dois
filmes tão centrados em suas protagonistas (fechados em close em seus
universos), <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Solange</i> parece até um
tanto determinista, uma vez que, desde o início, Solange parece estar condenada
a andar em círculos procurando reunir os rastros de um passado que já não é
mais o seu. Falamos anteriormente que a grande questão trazida por <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Solange</i> é sua solidão e sua falta de
liberdade. A vocação documental do filme de Dumans parece abrir uma enorme
janela que acalanta sua personagem, que permite ouvi-la e que reconfigura seu
próprio universo. A personagem não é exposta ao martírio do mundo pela
indiferença dos que a rodeiam, mas o “dispositivo” fornece adubo para que o
universo da protagonista possa desabrochar em sua potência, em suas dores e
delícias. Essa é a beleza das estratégias de abordagem do chamado “novíssimo
cinema brasileiro”, esse desejo improvável em apostar que ainda assim, mesmo
diante de tudo, é possível existir de forma plena, aceitar a si mesmo, esse
caminho de autodescoberta com todas as suas precariedades, inclusive em relação
ao próprio filme. Ou seja, não fazer filmes perfeitos mas incorporar suas
imperfeições como gesto ético de aceitar o mundo como carne.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Ao mesmo tempo, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">As linhas da minha mão</i> não é nada
ingênuo como mise en scène, porque Dumans é um observador atento e já
incorporou as principais lições dessa pequena tradição de fluidez entre ficção
e documentário no cinema brasileiro. Vejamos o início do filme, em que a câmera
de Dumans procura um lugar possível para dançar junto com o corpo da
protagonista, e não consegue enquadrar esse corpo que sempre lhe escapa. Mas, à
medida que o filme caminha, essa câmera, o olhar de Dumans, parece encontrar o
seu lugar. Essa relação de distância e proximidade nos aponta para a
consciência do seu próprio processo de construção, ou ainda, para uma
intimidade fabricada. Ora, parece claro que não se trata de uma câmera
simplesmente a filmar uma conversa entre dois amigos (como <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Lembro mais dos corvos</i>, o belo filme de Gustavo Vinagre com Julia
Katharine) ou mesmo uma entrevista de um documentarista com um retratado (desde
os filmes de Coutinho até outros de talking heads). Aqui, Dumans encontra um
dispositivo adequado para que sua presença seja discreta – um pouco aos moldes
de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">O céu sobre os ombros</i>, ou <i style="mso-bidi-font-style: normal;">A vizinhaça do Tigre</i> e <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Baronesa</i>. O realizador e a personagem
engendram um “dispositivo” em que seja possível que a personagem encene seu
próprio universo, ou seja, que dispare potência para as representações de si.
Um sinal das sutilezas das estratégias de Dumans é como, em algumas vezes, o
filme aposta em longos planos de Viviane e, como em outras, ele corta para um
campo-contracampo (o amigo que lê trechos de livros ou o outro amigo que ela vai
visitar e que no fundo serve mais como disparador para que Viviane possa falar,
tanto que, em certo momento, ela pede para que ele não a interrompa). Parece
que Viviane está ali simplesmente a falar, mas é claro que existe um profundo
cuidado da mise en scène em engendrar um dispositivo discreto para que o
universo da Viviane possa aflorar em potência diante de uma câmera. Ou seja, é
preciso pensar <i style="mso-bidi-font-style: normal;">As linhas da minha mão</i>
não apenas pelo que Viviane diz mas também pelas estratégias que tornam
possível que ela consiga se expor dessa forma, ou seja, não apenas por sua
temática mas por sua mise en scène.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">O que acho curioso é que nesse
dispositivo extremamente contemporâneo de Dumans persiste algo de clássico, que
é a ideia de um esmerado trabalho para produzir o efeito de invisibilidade da
presença da mediação do realizador. No cinema clássico, a gramática da
transparência e da identificação produz esses efeitos. No caso desse cinema
contemporâneo, o dispositivo de vocação documental produz um efeito de cinema direto,
de “verdade” ou aderência plena ao real, quando na verdade se trata de uma
construção mediada, ou seja, um dispositivo que empodera porque evidencia
sutilmente uma plena consciência de sua personagem do quanto e como ela
pretende se expor. O que há de clássico é esse desejo do autor-diretor-mediador
em apagar os rastros de sua presença na elaboração da mise en scène.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Dito isto, me interesso pelo
filme justamente nos momentos em que o instante do fragmento aponta, de forma
radical, para a incompletude do momento, abandonando de forma plena qualquer
ideia de biografia ou de ancoragem psicossocial. Quando a montagem procura
blocar o filme com outras intenções aparentemente mais nobres, meu interesse se
reduz. Creio que a montagem algumas vezes reduz a potência dessa aposta radical
no fragmento. Enfim, como a vida, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">As
linhas da minha mão</i> é repleto de pequenas faíscas, de momentos de beleza de
epifania em situações aparentemente simples. Quando esses instantes irrompem,
somos tomados por surpreendente beleza – esse é todo o encanto de certa
vertente das “micropolíticas do afeto” do “novíssimo cinema brasleiro”, que
pareciam estar adormecidas, mas que comprovam que ainda podem render bons
frutos.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><o:p> </o:p></p>Cinecasulófilohttp://www.blogger.com/profile/17585855697515454968noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7426511.post-82532587315016413932023-01-30T14:28:00.008-03:002023-01-30T14:28:54.353-03:00(TIRADENTES2023) O canto das amapolas<p><span style="text-align: justify;">COBERTURA DE TIRADENTES 2023</span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><b><span style="color: #3d85c6;">O canto das amapolas</span></b><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">de Paula Gaitán<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">Mostra Olhos Livres<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><o:p> </o:p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEidWHAQDkdkjFLR6li5FyfNg8sOaAaCwb18xIo7wBEXmgqZxZ2AEyTpd0agZZGGASo7e9KwRveSULBDH7vTBazErE_hwXPhMv4WlEgEGoUiarda4ng5iGSF2puzpvumyDrl0P43EE53Pw95Sa2sr5u7H3iQ6V0loYPD-2KZDZ1gU8ly8cEIE4g/s2048/o%20CANTO%20DAS%20AMAPOLAS%20FOTO.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1044" data-original-width="2048" height="326" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEidWHAQDkdkjFLR6li5FyfNg8sOaAaCwb18xIo7wBEXmgqZxZ2AEyTpd0agZZGGASo7e9KwRveSULBDH7vTBazErE_hwXPhMv4WlEgEGoUiarda4ng5iGSF2puzpvumyDrl0P43EE53Pw95Sa2sr5u7H3iQ6V0loYPD-2KZDZ1gU8ly8cEIE4g/w640-h326/o%20CANTO%20DAS%20AMAPOLAS%20FOTO.jpg" width="640" /></a></div><br /><p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><o:p> </o:p> É
impressionante como Paula Gaitán vem dando continuidade a uma pesquisa
consistente e perene em torno de uma <i>poética
do cinema</i> – uma combinação simbiótica entre documentário, ficção e ensaio
visual, que rompe com a proposta de uma dramaturgia narrativa para buscar uma
aproximação entre cinema e artes visuais por meio de uma investigação poética
em torno da ampliação dos sentidos.</p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Num cinema e numa socidade
brasileiros cada vez mais regidos pelo patrulhamento da vida social em que tudo
parece girar em torno de nossa dependência das macropolíticas de Estado, é
impressionante como, em suas aparições públicas, Gaitán se afasta de qualquer
resquício de populismo demagógico para se debruçar sobre as profundezas
misteriosas da arte como instância de criação. O debate com Gaitán, na manhã
seguinte à exibição de seu filme, foi um daqueles raros momentos iluminados, em
que parecia ser possível viver pensando o cinema e a vida em suas expressões
puras, nada mais, nada menos. Esse despertar de nossa experiência sensível que
parece estar sufocada diante da imposição de pautas de urgência. Essa é a
importância vital de seu cinema nos dias de hoje.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Nessa perspectiva, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">O canto das amapolas</i> resgata uma certa
vertente do cinema de Gaitán, que é a investigação poética do cinema em
primeira pessoa, numa linha que evoca alguns de seus trabalhos, como <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Diário de Sintra</i> ou o curta <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Memória da Memória</i>. Em primeiro plano, a
relação direta, franca, da própria realizadora com sua mãe. A filha pergunta à
mãe sobre questões de seu passado, de sua vida pessoal. Segue-se um conjunto de
informações mas que o filme não demonstra especial interesse em revelar ou
desvendar. A mãe procura relatar à filha questões de seu passado, mas muitas
delas vão permanecer, ainda assim, sob o manto do mistério. A mãe e a filha
nunca são vistas como imagem em cena, mas permanecem no extracampo. Há algo
doce, mas também ríspido na relação entre as duas. Não se trata propriamente de
uma situação de confronto, mas de certo modo há ali um abismo que nunca será
atravessado. Penso, assim, nos limites do relato oral, ou ainda, nas
impossibilidades da linguagem em dar conta do passado, de rememorar o que foi.
Como já nos disse <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Hiroshima, meu amor</i>,
mesmo que vejamos as fotos e tenhamos acesso às informações, ainda <i style="mso-bidi-font-style: normal;">não vimos nada</i>, ainda há tudo a ser
visto e contado, pois todo esse conjunto de coisas nos relata de forma
meramente parcial a experiência do vivido.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Essa mãe e essa filha permanecem
no extracampo. O que vemos? Sombras das vozes das duas mulheres, o vento a
balançar a cortina da sala, objetos e mais objetos nos aposentos da casa vazia,
espaços ermos em paisagens apartadas dos centros urbanos. Algumas vezes uma
mulher caminha como uma bailarina por entre campos e jardins, em certo momento
mergulha num lago. Em outro, a lápide de Mendelssohn volta a assombrar a
imagem. Pois afinal, quem seriam as amapolas que ainda cantam?<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Pois, para além do diálogo entre
mãe e filha, as sombras do passado projetam um segundo plano: não apenas a
família, mas a Alemanha, os desafios e angústias de uma jovem judia a crescer no
país, os fantasmas da família durante a guerra. Entre as memórias do passado
vistas no presente, e entre a Alemanha vista por essa brasileira-colombiana,
penso na questão do extracampo. O extracampo (por exemplo, um plano de um bando
de pássaros que ganham voo em torno de uma cadeira vazia e se perdem no
horizonte, um plano quase de um universo <i style="mso-bidi-font-style: normal;">maureano</i>
– ou ainda, o que há por trás das cortinas que balançam por longo tempo logo no
início do filme) me aciona essa experiência do estrangeiro que ocupa todo o
filme. As estratégias de encenação do filme revisitam as memórias da
realizadora como uma estrangeira de si, ao mesmo tempo em que o espectador
procura rastros que tornem possível sua aproximação com o misterioso universo
do filme.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Nessa busca poética, penso em
ecos ou diálogos de cineastas como Agnès Varda, Marguerite Duras e Chantal
Akerman. Vejo <i style="mso-bidi-font-style: normal;">O canto das amapolas</i>
como uma espécie de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Là-bas</i> e <i style="mso-bidi-font-style: normal;">No home movie</i> de Paula Gaitán, mas,
claro, com seu estilo inconfundível, que dá continuidade a uma pesquisa de
muitas décadas no cinema.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Acho
muito bonito que o prêmio da Mostra Olhos Livres, oferecido pelo Júri Jovem,
tenha ido para Gaitán. Pois há raras realizadoras no Brasil de hoje que
perseguem uma pesquisa consistente e perene em torno da liberdade do cinema, e
poucas veteranas permanecem com tamanho desejo de se conectar com uma geração
jovem quanto Paula.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><o:p> </o:p></p>Cinecasulófilohttp://www.blogger.com/profile/17585855697515454968noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7426511.post-76536572060079415822023-01-30T14:27:00.000-03:002023-01-30T14:27:04.009-03:00(TIRADENTES2023) Solange<p><span style="text-align: justify;">COBERTURA DE TIRADENTES 2023</span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><b><span style="color: #3d85c6;">Solange</span></b><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">de Nathália Tereza e Tomás von der Osten<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">Mostra Aurora<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><o:p> </o:p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjsLNB9Ij1hqrEYSf0lvKWJ81UgHxFFsFDlWaO3TEnHv_zLJNDxYrFvizJ-UcVn4u9Sxh1OJQ8rI5nXJa0pK9avPU3XfsAh-wAX4t1T1jYrDtGBPRpdmY-DG7edtvqCGTnHoWtlrY0n1A_rXmCpT3fNK9R5N4C0cH8fk8HOIHEcfT6KPXoElVk/s1800/Solange%20foto.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1346" data-original-width="1800" height="478" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjsLNB9Ij1hqrEYSf0lvKWJ81UgHxFFsFDlWaO3TEnHv_zLJNDxYrFvizJ-UcVn4u9Sxh1OJQ8rI5nXJa0pK9avPU3XfsAh-wAX4t1T1jYrDtGBPRpdmY-DG7edtvqCGTnHoWtlrY0n1A_rXmCpT3fNK9R5N4C0cH8fk8HOIHEcfT6KPXoElVk/w640-h478/Solange%20foto.jpg" width="640" /></a></div><br /><p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;">Solange</i> é um exercício de contenção, delicado e duro, direto, sem
firulas, filmado em regime de urgência, raro por essas bandas de cá. A trama é
simples: a protagonista Solange volta à sua cidade para buscar umas caixas que
deixou na casa de alguns conhecidos. A sinopse já nos diz que “Solange quer
suas coisas de volta”. O início do filme mostra Solange rodeada por algumas
caixas grandes de papelão, quando não sabe o que deixar e o que levar. Lembro
um pouco do início (do mesmo dilema) da protagonista de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Sexta à noite</i>, de Claire Denis. Esse mote inicial é tudo o que
precisamos saber acerca da psicologia da personagem: ela quer levar algo
consigo, mas, para continuar, é preciso deixar algumas coisas para trás.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">O filme, então, prossegue, por
meio de um conjunto de cenas em que Solange se encontra com pessoas diversas
para recuperar parte das peças de seu passado. No entanto, o reencontro com
Solange não parece ser particulamente amigável, isto é, Solange nunca é
totalmente bem recebida. A dramaturgia surge, portanto, dessa fricção entre o
corpo de Solange e de seus encontros. Solange é sempre uma estrangeira,
visitando de passagem esses lugares provisórios em que ela não habita, e o
filme se instaura no interior desse incômodo ou mal-estar disparado por um
corpo estrangeiro num espaço provisório em contato-conflito com outro corpo. Em
outras palavras, Solange não é livre. Ela precisa promover um acerto de contas
com seu passado, e ao mesmo tempo, libertar-se dele para poder prosseguir.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">A opção da dupla de realizadores
em encenar essas questões ocorre por meio de um cinema quase direto, uma câmera
fechada muito próxima ao corpo de Solange, num enquadramento 4:3, que insiste
nesse sentimento de asfixia e de enclausuramento. Até chagamos a ver algumas
cenas externas, mas não conseguimos reconhecer de que cidade se trata, não
importa muito bem. O estilo é cru e duro: a câmera na mão em planos fechados, o
estilo semidocumental de cinema direto, o despojamento em termos de arte e luz.
Essa <i style="mso-bidi-font-style: normal;">crueza</i>, a meu ver, é um dos
maiores méritos do filme: a vontade de mergulhar na condição da personagem
apropriando-se das condições precárias de produção para torná-las uma potência.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Desse modo, a primeira
referência que me vem à cabeça é o cinema de Cassavetes, seu trabalho com as
atrizes, a dramaturgia despojada (sem adornos ou adereços desnecessários), seu
desejo de mergulhar nas angústias de sua protagonista mas sem os recursos
triviais da psicologia clássica quanto ao conexionismo entre causa-e-efeito,
etc.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Este último ponto merece um pouco
mais de atenção. Por que as pessoas tratam Solange tão mal? Solange nunca é uma
mera vítima, mas há algo nesse passado que nunca será resolvido ou desvendado
pelo filme. Os objetos que ela procura resgatar parece não possuir muita
importância para além do trivial – poderíamos dizer que eles estão ali
simplesmente “para fazer cinema”. <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Solange</i>
é sobretudo um cinema do presente, um cinema tátil que surge da fricção entre
dois corpos num espaço-outro, onde a dramaturgia busca tirar potência de uma
situação cênica até mesmo um tanto trivial. Ao mesmo tempo, a desorientação da
personagem é refletida por meio de um uso discreto mas sábio da <i style="mso-bidi-font-style: normal;">mise en scène</i> (exemplo: as sucessivas
quebras de eixo enquanto Solange vai-e-vem com um conjunto de caixas nos
corredores de um prédio, ou quando a câmera circula em torno da personagem
bêbada, criando uma certa vertigem).<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;">Solange</i> é sobretudo um filme-de-afetos, embora precisamos nos
lembrar que os afetos nem sempre são “aquela brisa de acolhimento delicado e
melancólico” mas também podem ser tumultuosos ou daninhos. Talvez o final seja
compreensivo demais, e acabe abraçando a personagem numa dança-acalanto,
aclimatada por uma espécie de música-tema, que rompe com a abordagem de
“grossura franca” de todo o filme. Ao final, o filme não quer julgar mas
compreender as angústias de Solange, uma mulher que se assume nas suas dores e
delícias e procura viver se olhando de frente, prosseguindo ainda assim. Se o
epílogo funciona dessa forma, talvez dilua um pouco da sua potência bruta radical.
De todo modo, no Brasil de hoje regido pelo feminicídio, talvez seja importante
recuar um pouco e abrir possibilidades da sobrevivência de imaginários. Ainda
assim, perdura na minha cabeça a solidão de Solange, essa aposta radical na
solidão, que, mesmo com o final-acalanto, permanece até o final. Solange terá
que encontrar as chaves para seus dilemas sozinha, sem família, sem
companheiro/a e sem amigos/as. Esa solidão extrema do indivíduo sem sociedade,
sem partido político, sem movimento social, sem igreja, sem
o-que-quer-que-seja. Mesmo a dura Rosetta no final do filme dos Dardennes
encontrou alguém a quem lhe dar a mão. Pelo menos Solange parece estar
economicamente bem – as questões sociais não são uma chave do filme. Nem
tampouco as questões identitárias – mas, ao mesmo tempo, não podemos deixar de
pensar que, de forma bastante sutil e delicada, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Solange</i> examina, mesmo sem torná-la questão direta ou central, as
angústias de uma mulher negra, ainda que de classe média.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><o:p> </o:p></p>Cinecasulófilohttp://www.blogger.com/profile/17585855697515454968noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7426511.post-19504747109226749572023-01-30T14:24:00.002-03:002023-01-30T14:24:38.427-03:00(TIRADENTES2023) Peixe abissal<p><span style="text-align: justify;">COBERTURA DE TIRADENTES 2023</span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><b><span style="color: #3d85c6;">Peixe abissal</span></b><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">de Rafael Saar<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">Mostra Aurora<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><o:p> </o:p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjYrD8V-FlwafOgtZmZCTsLWJyDrPOKFGGgmhQdxRx00N1bLeDgosc9cbxZsOvVbr2_SEgxhIHcfOzAxnBEp54KZRbtBN_tFCgjLX2sKFerSplHfLhF6u2gqvFIVZZ4vPWYVuqwTh7_SbJRz8RNVAHYZ_cGsA0UTARKHpYvXPNwgmFxXg_VHCg/s2362/Peixe%20abissal%20foto.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="985" data-original-width="2362" height="266" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjYrD8V-FlwafOgtZmZCTsLWJyDrPOKFGGgmhQdxRx00N1bLeDgosc9cbxZsOvVbr2_SEgxhIHcfOzAxnBEp54KZRbtBN_tFCgjLX2sKFerSplHfLhF6u2gqvFIVZZ4vPWYVuqwTh7_SbJRz8RNVAHYZ_cGsA0UTARKHpYvXPNwgmFxXg_VHCg/w640-h266/Peixe%20abissal%20foto.jpg" width="640" /></a></div><br /><p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>A
princípio<i style="mso-bidi-font-style: normal;">, </i>poderíamos ver <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Peixe abissal</i> como um documentário sobre
Luís Capucho. No entanto, Capucho é um artista, que transita entre a
literatura, a música e as artes visuais, cuja pesquisa de criação está
intimamente relacionada às suas próprias experiências pessoais. Desse modo, em
vez de blocar, de forma entrecruzada, os relatos biográficos com as obras
realizadas, por meio de uma abordagem panorâmica, como o adotado, por exemplo,
por <i style="mso-bidi-font-style: normal;"><a href="http://www.cinecasulofilia.com/2023/01/tiradentes2023-o-cangaceiro-da-moviola.html" target="_blank">O cangaceiro da moviola</a></i>, de Luís
Rocha Melo, Saar optou por uma abordagem mais complexa, mais delicada, ou ainda,
mais <i style="mso-bidi-font-style: normal;">contemporânea</i>: <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Peixe abissal</i> é moldado por meio de um
atravessamento orgânico entre a vida e a obra de Capucho, guiada por uma ideia
imanente de fluxo de sensações, de modo a criar um amálgama intrínseco, como um
processo esmerado e cuidadoso, uma teia costurada à mão, cozinhando em fogo
baixo, que revela com muita delicadeza o universo do autor não de forma
meramente descritiva mas que nos permite vivenciar as experiências que
engendram a essência de sua obra-vida. <o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">“Quem dera ser um peixe”. <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Peixe abissal</i> é guiado pela lógica do
fluxo, em que o percurso pelas águas tenta tornar palpável ou corpóreo esse
trajeto de uma vida, invadida pela curiosidade e pelo risco. Assim, não há
espaço para uma análise da obra de Capucho, ou pela presença de notáveis
(entrevistas, dados, informações, prêmios, efemérides, etc.) ou qualquer
recurso que possa institucionalizar, canonizar ou monumentalizar o autor. O
autor (re)surge nas suas interpenetrações entre obra e vida, e o filme busca
mergulhar em deriva simplesmente como potência. Ao mesmo tempo, Capucho surge
como um personagem de si (é o próprio Capucho que surge como protagonista do
filme, representando seu próprio papel). O autor-Capucho é o grande personagem
de suas obras, de modo que, se Capucho não existe, ele é criado pelas lentes de
Saar.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Se <i style="mso-bidi-font-style: normal;"><a href="http://www.cinecasulofilia.com/2023/01/tiradentes2023-solange.html" target="_blank">Solange</a></i>, de Nathália Tereza e Tomás von der Osten, nos impacta pelo
tom cru de extremo despojamento, já <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Peixe
abissal</i> é um filme de surpreendente esmero de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">mise en scène</i> para um filme de vocação documental. Em alguns
momentos, o filme abandona quase por completo essa suposta “vocação documental”
para se tornar um ensaio visual. Por exemplo, quando Ney Matogrosso promove uma
espécie de performance onírica, sequel-avesso de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Homem-Ave</i>, curta anterior de Saar, em forma de sereia-apanágio da
morte. Ou ainda, como a câmera filma o corpo de Capucho a nadar pela piscina.
Ou como se filmam os rituais sociais de um cinema pornô, como se num filme de
Jacques Nolot (especialmente <i style="mso-bidi-font-style: normal;">O gato de
duas cabeças </i>[ver <a href="http://www.cinecasulofilia.com/2007/10/mais-um-nolot.html" target="_blank">aqui</a>] ou no belíssimo <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Antes
que eu esqueça </i>[ver <a href="http://www.cinecasulofilia.com/2007/10/festrio-12-antes-que-eu-esquea.html" target="_blank">aqui</a> ou <a href="http://www.cinecasulofilia.com/2010/10/mais-sobre-antes-que-eu-esqueca_25.html" target="_blank">aqui</a>]). As texturas visuais desenvolvidas pela fotografia de
Matheus Rocha sem dúvida contribuem muitíssimo para esse clima de “<i>elegance
avec decadence</i>” que rodeia todo o filme, essa aura misteriosa, esse desejo de
evocar climas cinematográficos por meio dos sentidos, em vez de fornecer
informações blocadas sobre temas/questões desenvolvidas pelas obras do autor.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Sinto que a forma franca como
Capucho abraça sua aparente fragilidade (que começa pela fragilidade de seu
corpo) é o que torna esse filme um libelo emocionante sobre a resistência do
artista diante de um mundo materialista em ruínas. Sobre não só o papel do
artista em nossos dias mas especialmente sobre a importância do processo
artístico como mergulho de cabeça em um abismo em espiral em busca de nossa
experiência sensível, num processo radical de autodescoberta. Não foram poucos
os que comentaram, ao fim da sessão, que talvez o filme rodopie em falso, e que
a duração poderia ter minutos a menos, mas sinto que Saar prolonga o filme com
o desejo de permanecer um pouco mais ao lado de Capucho, e que é preciso
mostrar mais. Algo similar ao que já havia acontecido com <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Yorimatã</i>, interessante longa anterior de Saar, que também se
debruça sobre a vida-obra de artistas para além do meramente biográfico, e que
também é montado pelo próprio Saar.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;">Peixe abissal</i> teve uma produção acidentada. Um projeto que começou
em 2015 e que foi atravessado por interrupções, problemas com a Ancine com
mudanças de governos, e pela passagem de um de seus membros estratégicos, o
querido diretor-assistente Luiz Giban. Ao final, ressurge como fênix, e vemos
Capucho ali, sentado no debate da manhã seguinte à exibição do filme na Mostra
de Tiradentes, dizendo, com seu jeito sereno, que não sabe dizer o que é esse
filme, pois ele não tem essa capacidade de análise. Sereno mas vivo, olhos
arregalados diante do mundo, poroso, pleno. Penso, então, na bela pergunta que
fizeram durante o debate: o que há de Saar ali nesse universo sobre Capucho?
Penso que o filme é esse lugar outro, esse terceiro entre Saar e Capucho. Sem
dúvida, o filme expressa o olhar de Saar, mas, ao mesmo tempo, o atravessamento
pelo universo de Capucho o levou a um outro lugar, e essa metamorfose nos
sugere o lugar dos encontros na arte e na vida.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><o:p> </o:p></p>Cinecasulófilohttp://www.blogger.com/profile/17585855697515454968noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7426511.post-41492162808132256942023-01-29T13:20:00.003-03:002023-01-29T13:20:51.634-03:00(TIRADENTES2023) A VIDA SÃO DOIS DIAS<p><span style="text-align: justify;">COBERTURA DE TIRADENTES 2023</span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><b><span style="background-color: #fff2cc; color: #3d85c6;">A VIDA SÃO DOIS DIAS</span></b><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">de Leonardo Mouramateus<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">Mostra Aurora<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><o:p> </o:p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi3WyRORNpf3tQ-Gshtg8-gZBxJmI4Kro8UCdgv_dAUEbb9Z4bbwfIxCdKREYvJw_ncuufhBXGZretZVE9-bfvsP04gGOX5Qzj9mxE45Bqlvd59eJFen_prYxULMpUguGpTRuHf3lx_XsotmlmmRlXyCceRnOmE2ZYv7IdHFBgxskVB2nfS8-c/s1440/52579872499_90d06e0e5f_o.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1080" data-original-width="1440" height="480" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi3WyRORNpf3tQ-Gshtg8-gZBxJmI4Kro8UCdgv_dAUEbb9Z4bbwfIxCdKREYvJw_ncuufhBXGZretZVE9-bfvsP04gGOX5Qzj9mxE45Bqlvd59eJFen_prYxULMpUguGpTRuHf3lx_XsotmlmmRlXyCceRnOmE2ZYv7IdHFBgxskVB2nfS8-c/w640-h480/52579872499_90d06e0e5f_o.jpg" width="640" /></a></div><br /><p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Se
Tiago A. Neves apresentou uma comédia rasgada que aborda os desafios em superar
o luto, por incrível que possa parecer a quem assistiu aos dois filmes, não é
muito diferente o desejo de Leonardo Mouramateus em <i style="mso-bidi-font-style: normal;">A vida são dois dias</i>. No entanto, no caso de Mouramateus, esse
jovem cineasta oriundo da Maraponga, periferia de Fortaleza, que teve uma
carreira meteórica com seus curtas, e se refugiou em Lisboa, essa comédia
rasgada não é propriamente popular mas erudita. Ou, se pudermos nos expressar
melhor, é justamente desse conflito entre o popular e o erudito que surge a
chave de fascínio ou de estranhamento que emana desse filme misterioso. Um
amigo, ao final da sessão, disse que o filme é uma tentativa esmerada de
produzir uma comédia que ninguém ri. <o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Ou ainda, colocando em outros
termos, o próprio Mouramateus costuma dizer, a respeito de seu longa anterior, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">António um dois três</i>, que os brasileiros
viam seu filme como português demais, e os portugueses, como brasileiro demais,
de modo que o filme nem era brasileiro nem português. E o que ele seria, então?
Talvez o filme venha desse lugar encantado chamado Cinema.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Busco, então, me aproximar desse
filme a partir do estranhamento causado a partir do conflito, ou ainda, desse
lugar-estrangeiro, a partir de uma relação de trânsito mas que também é
inventada pelo próprio cinema. É tentador relacionar esse desejo transidio do
filme com a própria trajetória pessoal do realizador, não apenas porque o filme
se espraia entre Fortaleza e Lisboa (com passagens pelo Rio), mas também porque
ele é repleto de experiências afetivas do realizador, começando por montar uma
equipe (técnica e de elenco) bastante heterogênea mas repleta de seus amigos
pessoais. Entre outras sutilezas, talvez mereça destaque uma pequena
participação da grande realizadora Rita Azevedo Gomes, um gesto delicado e
curioso, uma vez que o próprio Mouramateus já havia feito uma participação em <i style="mso-bidi-font-style: normal;">A Portuguesa</i>, dirigido por Azevedo
Gomes.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Mas gostaria de voltar a esse
clima de estranhamento-estrageiro a partir desses conflitos. Outra forma de
vê-lo é também por meio das encruzilhadas e bifurcações entre a literatura e o
cinema. Assim como <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Antonio um dois três</i>,
o novo filme de Mouramateus é também uma espécie de jogo formal literário sobre
a criação (não à toa entre os dois irmãos, há um romance a ser publicado, e
suas diferentes versões). É por meio de um jogo de quebra-cabeças entrecortado
por suas relações formais que o cinema e a literatura, o Brasil e Portugal, o
popular e o erudito, se fundem nesse filme como uma dança-música jovem contemporânea
(afinal, todo filme de Mouramateus precisa ter alguém dançando rs).<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Ao mesmo tempo, sinto que todo o
tom jocoso, relaxado, jovem e cool do filme é expresso por meio de um estilo
formal extremamente consciente e marcado de cada um dos seus passos e de seus
gestos – e, às vezes, chego a questionar se não seria excessivamente marcado
demais. Não sei se exagero, mas sinto haver algo de Ozu nesse desejo em
arquitetar uma crônica da amizade jovem, e buscar um respiro poético do
prosaico, mesmo em torno de todas as possíveis reviravoltas (quase parodiando
uma novela sobre Princesa Isabel) da trama, e balizá-las a partir de um
expressivo rigor formal.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Coroando todas essas possíveis
reflexões sobre a ideia do duplo, surgem como protagonistas esses dois irmãos gêmeos
– um deles (não sei se viagem minha rs) caracterizado quase como um antigo
curador brasileiro que vivia em Lisboa e que era amigo de Leonardo. Esses dois
irmãos, que acabam se reencontrando e fazendo as pazes no meio das
circunstâncias. A solar personagem de Mariah Teixeira funciona como
intermediadora, mas sinto que esses dois irmãos são as duas metades que não se
fundem perfeitamente nessa comédia insólita, quase uma <i style="mso-bidi-font-style: normal;">screwball comedy</i> filmada por um cineasta português como Oliveira,
ou mesmo como Ozu. Ou como Eugène Green, também um estrangeiro que filmou em
Portugal. Sinto ser belo esse gesto de os dois irmãos se reabraçarem afinal,
por meio do atravessamento de um livro, e que essa mistura insólita só poderia
acontecer numa cidade tão improvável quanto Fortaleza. Adoro o modo do
despertar do irmão adormecido por meio do humor, da ingenuidade – acho o
momento mais belo do filme. E a cartela final me fez imaginar que, de algum
modo, Mouramateus fez, ao seu jeito, uma homenagem a <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Me and my brother</i>, de Robert Frank.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><o:p> </o:p></p>Cinecasulófilohttp://www.blogger.com/profile/17585855697515454968noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7426511.post-16516458575222268112023-01-29T13:17:00.001-03:002023-01-29T13:17:15.486-03:00(TIRADENTES2023) CERVEJAS NO ESCURO<p><span style="text-align: justify;">COBERTURA DE TIRADENTES 2023</span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><b><span style="color: #3d85c6;">CERVEJAS NO ESCURO</span></b><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">de Tiago A. Neves<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">Mostra Aurora<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><o:p> </o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><o:p> </o:p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhiR0OP6mE6QD9Ny41x4e4NOmaVGr3l8FIFt8-5vLLWkRu79d7OT0vVHxXyPq4fCUUk5Kv59gk1-wRJgnHprvUzcQ11sMpD-irMvwT1I9DRHFuHf10FaxCyTT-WxDj07pDXUjcszhOVzh6733EVHUlGQ-GaXZBonOM8ZHpJThW9SFipNWKiCs4/s1123/52580127858_dc127e8297_o.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="588" data-original-width="1123" height="336" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhiR0OP6mE6QD9Ny41x4e4NOmaVGr3l8FIFt8-5vLLWkRu79d7OT0vVHxXyPq4fCUUk5Kv59gk1-wRJgnHprvUzcQ11sMpD-irMvwT1I9DRHFuHf10FaxCyTT-WxDj07pDXUjcszhOVzh6733EVHUlGQ-GaXZBonOM8ZHpJThW9SFipNWKiCs4/w640-h336/52580127858_dc127e8297_o.png" width="640" /></a></div><br /><p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;">Cervejas no escuro</i> poderia, a princípio, parecer um corpo estranho
quando pensamos nas marcas estilísticas mais diretamente identificadas à Mostra
Aurora em Tiradentes (o cinema de fluxo e suas derivações), mas, na verdade,
trata-se do filme que talvez mais potencialize o retrato do <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Cinema Mutirão</i> – temática utilizada como
ponto de partida para a curadoria deste ano. Neste filme, após a morte do
marido, uma senhora idosa (lindamente interpretada por Edna Maria) resolve
fazer um filme mesmo sem nenhuma experiência prévia e agrupa um conjunto de
amigos próximos numa cidade do interior da Paraíba para ajudá-la na missão.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">O plano inicial nos situa em
torno da condição do luto. Mas não estamos no tom cerimonioso de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Caetana</i>, brilhante curta de Caio
Bernardo, também rodado no interior da Paraíba (em Coxixola), premiado pela
Foco em Tiradentes em 2019, nem mesmo na dor crua e pungente de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">A gente acaba aqui</i>, de Everlane Moraes,
que nos remete, direta ou indiretamente, ao pranto da pandemia e das mortes de
um sentido de Brasil. Mas, por meio de um plano sequência que me lembrou um
pouco de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Baile Perfumado</i>, o prazer
pelo cinema se conjuga com o prazer pela vida, mesmo diante do luto. Dona Edna
resolve filmar. Quando Dona Edna se empodera, mesmo diante do luto, para
recomeçar sua vida de outro jeito, recusando o que se espera (ou seja, a
sociedade, inclusive sua própria filha) de uma “mulher de sua condição”, me
parece que esse gesto simboliza o próprio Brasil, o próprio cinema brasileiro,
que, da maneira possível, desperta do seu luto e resolve voltar a viver e
criar. E que talvez esse desejo possa ser disparado por meio de um apagão.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Dona Edna reúne os amigos
próximos e decide filmar algo que reúne as lembranças de sua própria vida (o
amor) e as ruínas de sua própria cidade (a história de Princesa Isabel). Mas,
para isso, ela precisa saber lidar com as circunstâncias concretas da criação.
O filme passa a assumir um olhar ingênuo de metalinguagem da trupe tentando
fazer um filme, meio que aos moldes de um <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Através
das oliveiras</i>, como se fosse um Kiarostami filmado em pleno sertão
paraibano, mas com toda a galhofa e a picardia da cultura popular do interior
do Nordeste e dos ecos do nosso <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Cinema de
Bordas</i>. Pois Tiago Neves está do lado dos personagens em sua opção ética de
fazer desse filme uma comédia popular.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Se o crítico convidado João
Campos associou o filme ao teatro épico brechtiano, prefiro acrescentar os ecos
do teatro popular brasileiro dos anos 1960 à moda de um Vianinha. Ou ainda, com
o gesto de um filme tão singelo quanto <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Ladrões
de Cinema</i>, de Fernando Coni Campos (para embarcar na carona do sobrenome do
crítico citado), em que uma turma de amigos da favela rouba uma câmera de uma
equipe de filmagem estrangeira para filmar o seu próprio Carnaval no morro. Mas
aqui, no Brasil pós-governos Lula, Dona Edna não precisa mais <i style="mso-bidi-font-style: normal;">roubar</i> a câmera. Em vez de roubar, ela <i style="mso-bidi-font-style: normal;">se apropria</i> dos meios de produção,
geralmente associados aos contextos hegemônicos de produção de imagem. Após as
transformações do digital, os requisitos técnicos e de acesso ao material
físico já não são mais barreiras de entrada tão visíveis quanto no filme de
Coni Campos, pois o Brasil e o cinema brasileiro já são outros.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Dona Edna se apropria das
estruturas de produção anteriormente associadas à cultura dominante para contar
as suas próprias histórias. Talvez essa ruptura esteja ligada à própria
trajetória de Tiago Neves, esse nordestino cuja família veio para São Paulo, e
que agora retorna à Paraíba para fazer seus filmes, por meio de um projeto
muito frondoso, que é o <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Cinema
Instantâneo</i>. Não se trata mais do jovem nordestino que vem para São Paulo
para encontrar o seu lugar no mundo, nos meandros de uma longa linhagem que vai
de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Viramundo</i>, de Geraldo Sarno, a <i style="mso-bidi-font-style: normal;">A hora da estrela</i>, de Suzana Amaral. Mas
do retorno. Penso, então, nas possíveis conexões entre Diadema (interior de SP,
região do ABC(D), onde muita coisa começou) e Princesa Isabel (no sertão
paraibano, que chegou a sofrer até uma intervenção federal no conflito de João
Pessoa). Penso, também, nesse movimento improvável entre interiores em
trânsito, como é o caso do cinema de Taciano Valério ou de Lucas Sá.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Pois o Nordeste visto por Tiago
Neves não é mais meramente o lugar do atraso, do cangaço, da caatinga ou da
seca. Dona Edna não faz o filme que gostaria e, mesmo que ganhe o prêmio, não é
isso o que importa, mas sim as cervejas no bar – talvez o mesmo, ou outro bar
do início do filme, onde tudo começou. O luto permanece lá na casa de Dona
Edna, mas ela tampouco é a doce e sóbria Dona Sebatiana, do sensório <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Girimunho</i>, que testemunha a morte como
processo natural do fim de tudo. Ela resolve arregaçar as mangas e se lançar ao
mundo, recomeçar, ainda que possível. Ela está menos procupada em se despedir
ou se lamentar do que foi mas está desejosa em abraçar o que ainda está por
vir, mesmo assim. É desse jeito que essa galhofa aparentemente despretensiosa
de Tiago Neves se revela um legado que inesperadamente nos joga luz não apenas
para a força do mutirão como movimento social mas especialmente para uma
postura ética quanto aos desafios da reconstrução que precisamos superar após o
luto e o apagão de todo um país. E o papel da Cultura diante disso.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><o:p> </o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">p.s.: dedico este texto à
professora Dácia Ibiapina, membra do júri que premiou Edna Maria com o prêmio
Helena Ignez.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><o:p> </o:p></p>Cinecasulófilohttp://www.blogger.com/profile/17585855697515454968noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7426511.post-51785949838012070942023-01-29T13:13:00.003-03:002023-01-29T13:13:40.498-03:00(TIRADENTES2023) XAMÃ PUNK<p><span style="text-align: justify;">COBERTURA TIRADENTES 2023</span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><b><span style="color: #3d85c6;">XAMÃ PUNK</span></b><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">de João Maia Peixoto<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">Mostra Aurora<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><o:p> </o:p></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg_33kBHVzDvu_zYbMHd73HPKa5kqMzQmjjkaR0deXh25Eto0bLpLkYh3WspD5c5chIwKiRQ0p4h249x0OyVHrGpC_edrjlAW9NXclaS-J2aaLxdefjwIBPB9Jkyx45UYZ8f63bUU1Qr6N3yasORGD1mtkkfx35oqx1yR0WyIYWGHiyQx51N3k/s1440/52579603381_640cd06fec_o.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="813" data-original-width="1440" height="362" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg_33kBHVzDvu_zYbMHd73HPKa5kqMzQmjjkaR0deXh25Eto0bLpLkYh3WspD5c5chIwKiRQ0p4h249x0OyVHrGpC_edrjlAW9NXclaS-J2aaLxdefjwIBPB9Jkyx45UYZ8f63bUU1Qr6N3yasORGD1mtkkfx35oqx1yR0WyIYWGHiyQx51N3k/w640-h362/52579603381_640cd06fec_o.png" width="640" /></a></div><p></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">A Mostra de Tiradentes é
conhecida por apresentar filmes desafiadores, que buscam romper com as
convenções estabelecidas. Ainda assim, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Xamã
Punk</i> talvez seja um dos mais radicais filmes já exibidos em todos esses
anos de Mostra Aurora. Como o filme estilhaça por completo uma possibilidade de
construção de sentido, ele soou para quase todos que assistiram ao filme aqui
em Tiradentes como uma mera brincadeira pretensiosa e vazia de um grupo de
jovens mimados. Acho importante que essa recusa inicial grosseira possa ser problematizada,
ao mesmo tempo em que ressoa um desejo de questionar: o que de fato essa
descontrução propõe no atual cenário do cinema brasileiro?<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">O filme incorpora de maneira
extremamente radical elementos como ruídos de imagem e de som, imagens
propositalmente embaçadas ou sem foco, movimentos abruptos e incompletos de
câmera na mão, intensa fragmentação narrativa decomposta em esquetes que não
desenvolvem ou se articulam em teleologia, personagens como corpos performáticos,
etc. O esboço de fio narrativo se apresenta com um grupo que sai de uma caverna
e parece habitar em um mundo pós-apocalíptico, num forte embate entre natureza
e civilização. As ruínas de uma construção e carcaças de equipamentos
eletroeletrônicos convivem com a forte presença da natureza como uma pequena
floresta.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">As ideias de xamanismo e do
universo punk surgem como meros pontos de partida que o filme não apresenta
muito interesse em aprofundar ou desenvolver. E de fato, “aprofundar e
desenvolver” não é aderente ao que o filme se propõe – uma experimentação
sensória pelas superfícies do corpo e da imagem. O filme parece muito mais se
concentrar num exercício de radical descontrução mas não sabe muito bem o que
fazer com seu material. Um filme primitivo pós-acocalíptico, as ruínas de uma
civilização (inclusive a civilização-cinema). Em determinado momento, um dos
personagens que produz algo parecido com uma pintura rupestre recusa o rótulo
de artista. Um filme disruptivo e distópico. Um corpo desorganizado e um filme
como corpo-ruína de si. A exasperação do presente mas sem melancolia. Ao mesmo
tempo, esse desespero não consegue transformar os sentidos numa experiência em
potência, de modo que o filme tateia possibilidades mas não contagia o espectador
com essa energia protoprimitiva. Talvez o filme seja uma mera brincadeira, que
dialoga com a ideia de avacalho e crise da produção de sentido num mundo
fraturado, como o cinema marginal e o Super-8 brasileiros dos anos 1970. Ou uma
mistura estranha entre arte conceitual contemporânea e o filme teen trash. Mas
o filme de João Maia Peixoto nem tem o visceralismo irônico de um Petter
Baiestorff nem o rigor pulsante de um João Pedro Faro. O filme parece não
propor um diálogo com uma tradição de cinefilia ou com um percurso de
referências artísticas.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Elementos como imagens e sons extremamente
ruidosos, personagens performáticos que transitam em improviso pelo espaço, a
relação entre natureza e ruínas, remetem a certos elementos do cinema marginal
brasileiro mas com um certo apreço por uma autoironia. Os adereços religiosos
utilizados em rituais anarcotrash de criaturas seminuas parecem querer
ingressar por uma espécie de subgênero próprio: o <i style="mso-bidi-font-style: normal;">xamãploitation</i>. As ruínas de um filme que mal conseguiu ainda se
erguer. Diante das ruínas de uma civilização-cinema, esse grupo de amigos
parece passear em deriva num percurso interessante pela sua radicalidade, mas
sem conseguir extrair grande potência dos seus desejos. De todo modo, esse
desespero light e essa radicalidade de superfície parecem surgir como sintomas
de uma geração pós-tudo que sabe que precisa romper com as tradições mas que
não sabe muito bem como fazer. Nesse sentido, o projeto estético-político de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Xamã punk</i> expõe muitas das suas contradições.
Se o filme parece querer romper pelo avesso as convenções do bom gosto do
cinema e de seu projeto artístico canônico de uma arte capitalista burguesa,
ele acaba paradoxalmente ressoando como um giro em falso diante de um mundo em
que o anti-establishment também se integra ao circuito das artes como um
recurso de efeito. A pergunta que ressoa após o final da projeção é: o que de
fato <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Xamã Punk</i> propõe a partir das
ruínas da civilização? O que de fato a experiência do filme faz perdurar no
corpo e na consciência do espectador ao fim da projeção?<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Ano passado fiz a provocação que
<i style="mso-bidi-font-style: normal;">Extremo Ocidente</i>, de João Pedro Faro,
deveria estar na Mostra Aurora, porque se trata de um realizador que promove
uma pesquisa consciente e em formação em relação a outras possibilidades para o
cinema brasileiro independente. Nesse sentido, sinto que <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Xamã Punk</i> talvez fosse melhor compreendido na Mostra do Filme Livre
do que na Aurora de Tiradentes.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><o:p> </o:p></p>Cinecasulófilohttp://www.blogger.com/profile/17585855697515454968noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7426511.post-45854827655898905732023-01-29T13:08:00.001-03:002023-01-29T13:08:35.857-03:00(TIRADENTES2023) O CANGACEIRO DA MOVIOLA<p><span style="text-align: justify;">COBERTURA DE TIRADENTES 2023</span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><b><span style="color: #3d85c6;">O CANGACEIRO DA MOVIOLA</span></b><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">de Luís Alberto Rocha Melo<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">Mostra Olhos Livres<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><o:p><br /></o:p></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><o:p> </o:p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhRn6EoCHQFjx72XjBY-_0YHH3IBdQYNOTAqypPu4yDuHMXYT_vKYWpoZPRJrPNzKjcae3ASJL5HpcT4XInyu7VQ7Gf5tWP44G2CSDX805eoMapPmQq0NlC5kll8Foxjr_QroDEvNBXoUMJN9vUYrPakz1tBsNFvrClnU2PLD9zUeKU5uU3Mik/s1005/severino_dada_03.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="664" data-original-width="1005" height="422" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhRn6EoCHQFjx72XjBY-_0YHH3IBdQYNOTAqypPu4yDuHMXYT_vKYWpoZPRJrPNzKjcae3ASJL5HpcT4XInyu7VQ7Gf5tWP44G2CSDX805eoMapPmQq0NlC5kll8Foxjr_QroDEvNBXoUMJN9vUYrPakz1tBsNFvrClnU2PLD9zUeKU5uU3Mik/w640-h422/severino_dada_03.jpg" width="640" /></a></div><br /><p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;">O cangaceiro da moviola</i> começa como um típico documentário
biográfico, com informações pessoais do biografado, fotografias de seus pais e
recursos protocolares sobre a origem, numa visão cronológica. Acontece que o
biografado é uma pessoa de cinema: Severino Dadá, grande montador que
atravessou décadas de atuação no cinema brasileiro. Além de tudo, Dadá é uma
figura personalíssima, grande contador de casos e histórias, um apaixonado pela
vida. E essa paixão pela vida e pelo cinema parece que vai, somente aos poucos,
contaminando o filme. Parece que, a partir de um determinado momento –
justamente quando Dadá se percebe como um grande montador, quando, segundo o
próprio, ele cursou um “mestrado de montagem” ao trabalhar com Nelson Pereira
dos Santos – o filme vai deixando suas relações básicas de ancoragem para se
propor a um <i style="mso-bidi-font-style: normal;">mergulho através</i> dos
filmes que Dadá montou. Parece ser justamente o momento em que o montador (o
próprio realizador) resolveu deixar de lado o olhar um tanto cerimonioso e se
entregar a essa paixão pelo cinema.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>E
aqui merece a ressalva que seu realizador, Luís Rocha Melo, é um grande
estudioso e especialista do cinema brasileiro, desde os tempos em que escrevia
críticas na Revista Contracampo até seu mestrado e doutorado na UFF sobre o
cinema brasileiro (sobre Alinor Azevedo e o cinema independente brasileiro). A
partir de então, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">O cangaceiro da moviola</i>
combina a paixão da cinefilia com o rigor acadêmico, e ganha asas. A se
destacar que o filme surgiu como um projeto de pesquisa dentro de uma
universidade brasileira (Rocha Melo é professor de Cinema na UFJF), feito raro,
uma vez que as pesquisas sobre cinema dentro da Universidade ainda estão muito
voltadas ao formato escrito e, nesse sentido, o filme de Rocha Melo abre muitos
horizontes de diálogo entre teoria e prática, ou entre crítica e teoria, ou
entre história e cinema. Algo que me lembra de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Passagens</i>, filme de Lúcia Nagib e Samuel Paiva, exivido, entre
outros espaços, no Festival de Roterdã, um diálogo entre o cinema pernambucano
e paulista no contexto do Cinema da Retomada.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>À
medida que avança e se abre, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">O cangaceiro
da moviola</i> nos faz perceber que o filme pode ser visto não somente como um
documentário sobre Severino Dadá mas sobre o próprio cinema brasileiro. Como
montador, Dadá atravessou décadas trabalhando no cinema, em filmes e com
diretores de diferentes estilos, abordagens e origens. Esse mote faz com que
Rocha Melo possa promover uma trajetória do cinema brasileiro por outras
perspectivas, para além dos contextos canônicos. Em primeiro lugar, por apresentar
o ponto de vista de um “técnico” – apesar de um montador, assim como outras
funções, ser apenas aparentemente técnico, uma vez que obviamente envolve um
trabalho enorme de criação, mas o rótulo “técnico” foi criado por um modelo
clássico de supremacia do diretor como autor da obra. É muito importante que
possamos acessar outras perspectivas sobre o cinema brasileiro de outros pontos
de vista, e nesse sentido o olhar de Dadá é iluminador. Em um determinado
momento do filme, vemos o depoimento de um eletricista que começou no filme
inacabado de Orson Welles e passou pela Atlântida e demais estúdios
brasileiros. São esses fios que Rocha Melo procura desvelar em seu filme.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Além disso, Dadá trabalhou em
muitos filmes, de diferentes períodos, com muitos realizadores. Assim, Rocha
Melo possui uma oportunidade de abrir leituras para outros filmes, considerados
à margem do cinema brasileiro. Entre tantos, destaco <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Boi de Prata</i> (Carlos Augusto Ribeiro Jr., 1981) e <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Um brasileiro chamado Rosaflor</i> (Geraldo
Miranda, 1976). Ou o curta-média <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Sulanca</i>,
da pernambucana Kátia Mesel. Muitas outras passagens poderiam ser citadas, como
a passagem de Dadá pelo Ceará (trabalhando com Rosemberg Cariry e Wolney
Oliveira) e seu trabalho com Octávio Bezerra. Mesmo trabalhando com Nelson
Pereira dos Santos, é interessante a ênfase do filme em <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Tenda dos milagres</i>, considerado um filme menor na carreira de
Nelson, onde Dadá se torna um personagem de si mesmo, um montador. Nesse
momento, o Dadá montador de Nelson torna-se um personagem dentro do filme de
Rocha Melo, adicionando várias camadas.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Deve ser difícil realizar um
filme de montagem sobre um grande montador. E quem assumiu essa missão foi o
próprio realizador. Rocha Melo conjuga um grande material de arquivo, filmado
em várias cidades, com texturas e durações diferentes, conseguindo compor um
filme de ritmo envolvente e contagiante, especialmente em sua metade final,
quando os filmes (o próprio cinema) se tornam protagonistas, atravessados pelos
olhos de Dadá. Até que tudo culmina num final singelo mas muito bonito, em que
saímos da sala escura da moviola e do universo do próprio cinema, para rodear
Dadá do mundo, de seus amigos e de sua cidade natal Pedras. A volta ao Lajedo,
a leveza, a alegria e até a certa ironia (a comparação com Ford) com que Dadá
imprime a essa jornada nos revela que, para além do cinema, também há o mundo –
e o desejo do realizador em integrar as duas vertentes (veja o início
entrecruzando planos numa feira popular) é bastante comovente.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><o:p> * foto: site kurumata.com.br/</o:p></p>Cinecasulófilohttp://www.blogger.com/profile/17585855697515454968noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7426511.post-29152760698425657102023-01-17T15:50:00.006-03:002023-01-17T18:40:25.332-03:00AMADOR<p> <span style="text-align: justify;"> </span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><b><span style="color: #3d85c6;">Amador </span></b><o:p></o:p></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">Camera Buff / Amator</p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">Kzrzsztof Kieslowski<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">1979<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><o:p> </o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><o:p> </o:p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgftCJl2IDarjhEG-kqTIE2L8t6vn4PI8tI-_J1-QmDW1denFKbys9QLVhGLQGu2PqK2MBYzhlfcrDV3_bip_uUHKTnMbx8EAi-hPgn8Y-pFgjXzULbkUihTB6cWpR85Pg_oxHE6XDUf3m6YoUiAPGPWW2_NKvb6PZcYCyQnNJWbMdBPE2eE9U/s1920/amador.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1080" data-original-width="1920" height="360" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgftCJl2IDarjhEG-kqTIE2L8t6vn4PI8tI-_J1-QmDW1denFKbys9QLVhGLQGu2PqK2MBYzhlfcrDV3_bip_uUHKTnMbx8EAi-hPgn8Y-pFgjXzULbkUihTB6cWpR85Pg_oxHE6XDUf3m6YoUiAPGPWW2_NKvb6PZcYCyQnNJWbMdBPE2eE9U/w640-h360/amador.jpg" width="640" /></a></div><br /><p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Vejo Amador, um filme de 1976
filmado por Kieslowski na Polônia comunista e penso em possíveis
relações/lições para o Brasil de hoje. Penso, também, no mote de <i>Calma </i>(1976/1980):
o mesmo Stuhr é um trabalhador que quer apenas uma casa, uma esposa, um
trabalho, nada mais. Amador começa com a chegada da filha: a cereja do bolo que
falta para preencher a ideia da institucionalização da vida social.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Mas,
com todas essas necessidades básicas supridas, o trabalhador percebe que ele
precisa de algo a mais. O cinema traz isso para sua vida, com todas as dores e
delícias, toda a sua ingenuidade e todo o seu compromisso. Stuhr não quer ser
um artista, ele quer apenas filmar as coisas que se movem, mas acaba percebendo
que, mesmo que não se faça um filme político, a política está em tudo o que se
move. (Ainda assim, Kieslowski insiste em afirmar até o fim que o artista deve
ao máximo afastar a política de seus filmes). Stuhr a princípio reluta, mas
depois prossegue fazendo filmes. Um circuito de reconhecimento: o prêmio num
festival o leva para Vasóvia, o apoio de uma crítica de cinema (o papel da
curadora), o encontro com Zanussi, com o diretor do canal de televisão. As
resistências de seu chefe quanto ao que ele mostra. Etc.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Stuhr comprou a câmera para
filmar sua filha, mas à medida que passa, ele se afasta cada vez mais dela e de
sua família, de seu sentido de “normalidade”. Quando mais Stuhr quer filmar a
vida, mais ele se afasta de sua própria vida. Sua família passa a ser o cinema
e toda a série de compromissos sociais que dele resultam.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Quando Stuhr finalmente consegue
um tipo público de reconhecimento e seu filme é exibido no canal de televisão,
Kieslowski fecha seu cerco sobre seu personagem e sua mulher a abandona. Stuhr
também percebe que seu filme gerou uma série de repercussões na política local,
afetando seus amigos e protegidos. <o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Antes, há uma subplot que insere
uma questão ética. Seu amigo revê as últimas imagens de sua mãe, a que ele
prefere a estar em seu enterro. São essas as imagens dela que ele quer
preservar consigo. O que seria o cinema, o que as imagens podem diante do
mundo?<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Kieslowski filma tudo com uma
ansiedade crua quase documental, cheia de cortes bruscos, com uma profunda ironia
como método: um personagem clownesco ingênuo diante das artemanhas do mundo, em
direta continuidade com o estilo de <i>Calma</i>. Essa ingenuidade e essa curiosidade irão
conduzir o protagonista do sucesso inicial para situações de contorno ético delicadas,
em que no final ele ficará completamente sozinho (no caso de <i>Amador</i>, sua única
companhia será a câmera-como-espelho). <o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Pois, apesar de ser ingênuo,
Kieslowski não é romântico, e seu filme não oferece nenhuma resposta
conclusiva. O cinema não é a solução de nada na vida desse personagem, nem
social nem individual. A arte não traz nenhum tipo de salvação ou redenção,
pessoal ou coletiva. Assim como o intelectual de Zanussi, o artista de
Kieslowski é solitário – a iluminação é parcial, e, no fim, ele estará quase
pior do que no início. O cineasta permanece de frente com a câmera, tentando
ser honesto com a sua própria verdade – e, para Kieslowski, isso parece bastar
(solução provisória).<o:p></o:p></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Um belo dia alguém diz a um operário que ele pode filmar. E que ele tem talento, que deve prosseguir, uma promessa de futuro. Até que ponto essa esperança de talento é uma liberdade ou é uma maldição?</p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><br /></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><br /></p>Cinecasulófilohttp://www.blogger.com/profile/17585855697515454968noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7426511.post-80903132879952509682023-01-14T12:19:00.008-03:002023-01-17T12:30:26.664-03:00OS FABELMANS<p></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.45pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 0cm 35.45pt; text-align: justify; text-indent: 35.35pt;"><span style="text-indent: 35.35pt;"><b><span style="color: #0b5394;">OS FABELMANS</span></b></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.45pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 0cm 35.45pt; text-align: justify; text-indent: 35.35pt;"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.45pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 0cm 35.45pt; text-align: justify; text-indent: 35.35pt;">Steven Spielberg<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.45pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 0cm 35.45pt; text-align: justify; text-indent: 35.35pt;">2022<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.45pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 0cm 35.45pt; text-align: justify; text-indent: 35.35pt;"><o:p><br /></o:p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh4CkS1Bq6UtB6BgSq00mQtIfX0yAsYx7jB3ciOJyH--e0163nstI_FJboEVaYqD5iSmyNL6hgeUsRuYc0-XX_0SJCJjtX0G-CmmTVTaJSzUqNmuf6sxl8DeWBhsJckEI5Ey-zru9DhofpLDZ8prj3lGNcAYZyeENlkNkSpg4R3nSn9mlMuB4c/s1920/Fabelmans%201.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1080" data-original-width="1920" height="360" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh4CkS1Bq6UtB6BgSq00mQtIfX0yAsYx7jB3ciOJyH--e0163nstI_FJboEVaYqD5iSmyNL6hgeUsRuYc0-XX_0SJCJjtX0G-CmmTVTaJSzUqNmuf6sxl8DeWBhsJckEI5Ey-zru9DhofpLDZ8prj3lGNcAYZyeENlkNkSpg4R3nSn9mlMuB4c/w640-h360/Fabelmans%201.jpg" width="640" /></a></div><p></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.45pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 0cm 35.45pt; text-align: justify; text-indent: 35.35pt;"><o:p><br style="text-align: left; text-indent: 0px;" /></o:p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhimWwzp0i6AFfIcPpg3lEqFG6PFkrmZd23XLUdaDdPxbhqa2f6PUOBEY0s1XrkXShgVmEpmTJiK2X_-3JZNc7MM82SEQ2e__EPLA2kE3SIOTiaRfdWO8Y8MCAa0yhzTk7oGiUzEOoKggloY9UT9pOQe1TzUNRpaFBCwr94jQ6o6ERM2rlacs0/s1920/Fabelmans%202.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1080" data-original-width="1920" height="360" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhimWwzp0i6AFfIcPpg3lEqFG6PFkrmZd23XLUdaDdPxbhqa2f6PUOBEY0s1XrkXShgVmEpmTJiK2X_-3JZNc7MM82SEQ2e__EPLA2kE3SIOTiaRfdWO8Y8MCAa0yhzTk7oGiUzEOoKggloY9UT9pOQe1TzUNRpaFBCwr94jQ6o6ERM2rlacs0/w640-h360/Fabelmans%202.jpg" width="640" /></a></div><div><br /></div><p></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.45pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 0cm 35.45pt; text-align: justify; text-indent: 35.35pt;"><o:p> </o:p><span style="text-indent: 35.35pt;">Não foi por acaso que, no texto anterior sobre </span><i style="text-indent: 35.35pt;">Top gun:
Maverick</i><span style="text-indent: 35.35pt;"> (ver </span><a href="http://www.cinecasulofilia.com/2023/01/top-gun-maverick.html" style="text-indent: 35.35pt;" target="_blank">aqui</a><span style="text-indent: 35.35pt;">), fiz um conjunto de referências à “nova Hollywood” e ao cinema de John
Ford, pois talvez elas possam ser úteis para analisar o novo filme de
Spielberg.</span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.45pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 0cm 35.45pt; text-align: justify; text-indent: 35.35pt;"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.45pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 0cm 35.45pt; text-align: justify;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Antes, é preciso fazer um
esclarecimento. Comecei o texto anterior falando de Tarantino e PTAnderson. Mas
é preciso perceber algo: esses já são autores que começaram sua filmografia em
meados dos anos 1990, uma década (assim como nos anos 1980) que o então cinema
contemporâneo já se inclinava em torno de dobras autorreferentes. PTAnderson
começou no cinema com uma homenagem ao cinema dos anos 1970 por meio de uma
releitura do underground do universo pornô; e Tarantino ficou conhecido
justamente por uma hibridação original de um conjunto de referências que
misturavam o universo pop de filmes orientais e norte-americanos B das
prateleiras emboloradas das videolocadoras, por meio de uma violência cool estilizada.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.45pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 0cm 35.45pt; text-align: justify; text-indent: 35.35pt;">Os filmes mais recentes desses dois realizadores são muito
contemporâneos, pois são sobre o prazer de filmar. São filmes episódicos, cuja
duração se estende não por um princípio de unidade dramatúrgica, mas que
valorizam o fragmento, o incompleto, o acaso, o não-totalitário. Acima de tudo,
os cineastas estão se divertindo filmando, e a vida pode ser vista como uma
grande aventura sem destino ou missão, quase como uma brincadeira dos deuses ou
dos roteiristas. No mundo hollywoodiano dos executivos do Vale do Silício e dos
“universos cinemáticos”, são filmes de resistência porque afirmam a vitória do
prazer sobre o pragmatismo do cálculo dos produtos das fórmulas de sucesso
comercial.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.45pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 0cm 35.45pt; text-align: justify; text-indent: 35.35pt;">Mas algo bem diferente se expressa no cinema de Spielberg,
em especial neste <i>Os Fabelmans </i>ou mesmo no remake de <i>Amor, Sublime Amor</i>: um
sentido de trajetória ou de missão. Aqui, também temos outra ironia sobre a “nova-velha
Hollywood”, uma vez que Spielberg (assim como Lucas e, em outra medida,
Scorsese) surgiu justamente como o “jovem prodígio” que iria transformar
Hollywood justamente renovando-a. Spielberg abriu o cinema hollywoodiano para o
“cinema jovem” com um filme-marco como <i>Tubarão </i>– que, assim como <i>Star Wars</i>,
pode ser considerado a semente que culminou mais tarde nos “universos
cinemáticos dos super-heróis”. Ao mesmo tempo, o bom-mocismo de Spielberg
conduziu seu cinema para uma adequada leitura dos desafios do homem americano
em amadurecer e se tornar um “cidadão do bem” – aquele que vai levar os
princípios do “American way of life” adiante. Ou seja, para o fascinante desafio
do cinema de Spielberg, a missão era (usando uma frase de Lampedusa replicada
no início de <i>O Leopardo</i>, de Visconti) que as coisas precisavam mudar para que
elas continuassem as mesmas.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.45pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 0cm 35.45pt; text-align: justify; text-indent: 35.35pt;">Mas o jovem prodígio não apenas amadurece mas também se
torna velho. E é curioso que o mago que plantou as sementes dos “blockbusters
teen de verão” agora represente a manutenção da “velha Hollywood”. Mas, para
Spielberg, que já dirigiu tantos blockbusters tecnológicos como <i>Guerra dos
mundos </i>(elogiei o filme <a href="http://www.cinecasulofilia.com/2005/07/guerra-dos-mundos.html" target="_blank">aqui</a>) <i> </i>e <i>Parque dos dinossauros</i>, parece que o momento é de um acerto de contas
com sua própria formação, resgatando um mito de origem da sua própria
identidade como artista e como cidadão americano.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.45pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 0cm 35.45pt; text-align: justify; text-indent: 35.35pt;">Ao mesmo tempo, <i>The Fabelmans </i>é um filme pessoal, porque é
central para o projeto fugir da síndrome de Peter Pan: não se trata mais do
menino que precisa manter a chama acesa da ingenuidade, mas exatamente aquele
que precisa romper o cordão umbilical da família para encontrar o seu próprio
lugar no mundo. Mas isso só é possível na medida em que esse menino prolongue
uma certa vertente adormecida de sua família (a veia artística de sua mãe,
sufocada justamente pelas conveniências de sua inserção no seio familiar), ou
seja, o filme propõe uma conciliação entre um diálogo com uma tradição profunda
mas adormecida com uma contribuição nova singular que, em certa medida, é uma
ruptura. A visita do seu tio-avô aparece como o anjo Gabriel que lhe diz que é
preciso romper para encontrar o seu próprio lugar no mundo. O cinema será uma
forma de sublimar as dores, as frustrações e as decepções do curso de sua vida,
e envelhecer e amadurecer como artista é ter que lidar com isso. A família, o
encanto da criança diante do mundo, a magia do cinema, manter a ingenuidade mesmo
diante de um mundo injusto – todos temas centrais na filmografia desse
realizador que é um dos ícones-símbolos-sintomas de uma forma de relação popular
direta entre cinema e mundo – com todas as delícias e os incontáveis problemas
dessas proposições...<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.45pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 0cm 35.45pt; text-align: justify; text-indent: 35.35pt;">Desse modo, é curioso que Spielberg cite tão expressamente Ford,
pois me parece que seu cinema tem muito pouco do estilo franciscano de Ford (“os
personagens sofrem mas aguentam, não ficam a chorar como crianças ingênuas”) e
me parece que opta por outro padrão ético: o cinema de Capra, sua necessidade
de resgatar um otimismo numa sociedade arrasada pelo crash de 1929, e seus
personagens adoravelmente românticos e ingênuos, que lutam com dignidade contra
os desafios da vida e mantêm-se sólidos, humanos e incorruptíveis mesmo assim. A
valentia diante da humilihação e do fracasso dos personagens que sujam as mãos
de terra e de sangue dos filmes de Ford são substituídos pela dignidade e da honestidade
dos personagens puros de Capra.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.45pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 0cm 35.45pt; text-align: justify; text-indent: 35.35pt;">A sólida e emocionante fábula moral de <i>Os Fabelmans </i>curiosamente
me parece menos interessante que o muito mais despretensioso e pragmático <i>Top
gun Maverick</i>, que me parece muito mais propositivo em compreender o mundo como
ele é e ainda assim se inserir nele. Spielberg parece não compreender que o
mundo mudou e ou não vê ou faz vista grossa para o anacronismo de seu projeto
universalizante em torno do triunfo dos valores do coming-of-age dessa classe
média branca– o mundo de hoje não é mais a Hollywood conservadora dos anos
1950, e nem me parece um projeto adequado revivê-la. Por trás do
bem-intencionado e comovente <i>The Fabelmans</i>, mesmo filmes dos anos 1980 como
<i>Conta Comigo </i>ou <i>O Clube dos Cinco </i>soam muito mais contemporâneos sobre os dilemas
da juventude, justamente porque, se o protagonista precisa sair da família para
encontrar seu lugar no mundo, Spielberg parte do pressuposto que a família
nunca sairá dentro dele – e, com ela, todos os valores das instituições
americanas. Mesmo que a mãe rompa com a família tradicional (pelo menos, ela
fez diferente da mãe de <i>Tudo que o céu permite</i>, de Sirk), o pai diz ao filho em
diálogo comovente que a história do casal nunca terá um FIM (ver foto 1) – ou seja,
em última instância, mesmo que corrija o enquadramento na direção do horizonte
(ou seja, seguindo as lições e as tradições dos mestres), Spielberg nunca
conseguirá promover uma ruptura com seu cinema e cortar o cordão umbilical que
o torna refém de seu próprio cinema (uma armadilha típica dos maiores artistas).
Acima de tudo, <i>Os Fabelmans </i>sempre precisará se manter como uma fábula moral
edificante, empurrando para debaixo do tapete todas as suas contradições. <o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.45pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 0cm 35.45pt; text-align: justify; text-indent: 35.35pt;">De todo modo, é comovente a tentativa de Spielberg em
contribuir nesse debate sobre a necessidade de inserir outros valores ao cinema
norte-americano de hoje, resgatando uma linhagem que se remete a uma tradição.
A essa altura do campeonato, Spielberg já poderia ter se aposentado e
simplesmente ficar a colher os louros de sua jornada de mito. Depois do “fracasso”
do belo <i>Amor, sublime amor</i>, Spielberg, sem nada a provar a ninguém, contribui
com o cinema de hoje com um mergulho deveras consciente no passado – ao mesmo
tempo, um mergulho muito coerente com sua própria trajetória no cinema. Apesar
de comovente, é preciso aceitar que os recursos de mise en scène desse olhar
talvez contribuam muito pouco para os desafios que estão postos, simplesmente
porque propõem um recuo, sem levá-los para outro lugar. Talvez <i>Os Fabelmans
</i>possam ser vistos como “o canto do cisne” desse que é um dos mais importantes
autores do cinema norte-americano pós-anos 1960 – e nisso respeito aqueles que
se veem extremamente tocados com esse gesto. <o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.45pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 0cm 35.45pt; text-align: justify; text-indent: 35.35pt;">Mas essas aventuras de tomada de consciência de um jovem
artista (um romance de formação clássico à moda goetheriana, um <i>Bildungsroman</i>),
contadas à maneira de um filme de estúdio dos anos 1950, talvez se conectem
muito mais com os dilemas de sua própria geração do que a dos jovens que
possuem a mesma idade do protagonista, que provavelmente o veem como uma fábula
edificante como aquelas contadas por seus pais antes de dormir para sempre. São
tantos os enormes problemas (as contradições) que a moral desse filme de
Spielberg encerra que nem precisamos nos remeter às leituras decoloniais e
identitárias para identificá-las. <o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.45pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 0cm 35.45pt; text-align: justify; text-indent: 35.35pt;"><o:p> </o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.45pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 0cm 35.45pt;"><o:p> </o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.45pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 0cm 35.45pt;"><o:p> </o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.45pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 0cm 35.45pt;">Há muitas outras
questões nesse filme de Spielberg que gostaria de desenvolver mais. Algumas são:<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.45pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 0cm 35.45pt;"><o:p> </o:p></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.45pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 0cm 35.45pt;"><o:p><br /></o:p></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.45pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 0cm 35.45pt;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEicEZvSCpTBa71OO7Gd4OglO7xzHSwxnNemCls8hPiXLhEla53_LVrhNgHXObE2KVttiabWBTsDfPTOF2gRv_5TyxjoKXqSvxVUtmbuJAwdr3Yn2-8gu5mgpQVeEyk1Ykaizd_yAtMhS0SaWDbYEp-D_OyrOd1EjOBwS4WXjB00jEVu2NJGK-g/s1920/Fabelmans%203.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1080" data-original-width="1920" height="360" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEicEZvSCpTBa71OO7Gd4OglO7xzHSwxnNemCls8hPiXLhEla53_LVrhNgHXObE2KVttiabWBTsDfPTOF2gRv_5TyxjoKXqSvxVUtmbuJAwdr3Yn2-8gu5mgpQVeEyk1Ykaizd_yAtMhS0SaWDbYEp-D_OyrOd1EjOBwS4WXjB00jEVu2NJGK-g/w640-h360/Fabelmans%203.jpg" width="640" /></a></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="text-align: left;"><br /></span></div><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin: 0cm 0cm 0.0001pt 35.45pt; text-align: justify;"><br /></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin: 0cm 0cm 0.0001pt 35.45pt; text-align: justify;"><span style="text-align: left;"><b>Foto 3</b>: o cinema
não necessariamente fala a verdade. Mesmo nos seus “registros documentais”,
como um acampamento familiar ou nas férias estudantis, o cineasta manipula o
material na montagem. Sam só percebeu de fato o que ocorria com sua família por
meio do cinema (por meio de suas filmagens, quando ele se tornou um objeto do
seu olhar). Mas Sam sabe que o filme que apresentou à sua família não revela de
fato como sua mãe é, nem tampouco é o filme que gostaria de fazer naquele
momento, mas é o filme que precisava fazer segundo as conveniências. </span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin: 0cm 0cm 0.0001pt 35.45pt; text-align: justify;"><span style="text-align: left;">A </span>mesma coisa o
filme da escola, apresentado na formatura. Ele contrói a imagem de seu herói,
porque lhe é adequado/conveniente, mesmo que esse cara não lhe seja agradável
nem de grande respeito. E também detona a reputação de seu outro agressor. Sam
manipula na montagem as imagens para que o sorvete derramado pareça cocô das
gaivotas. O cinema não necessariamente fala a verdade, mas uma verdade
conveniente.</p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin: 0cm 0cm 0.0001pt 35.45pt; text-align: justify;"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin: 0cm 0cm 0.0001pt 35.45pt; text-align: justify;"><o:p> </o:p></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.45pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 0cm 35.45pt;"><o:p><br /></o:p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiQyipiPGaa-v2zuGYKnR24Dl1Fa0IQDloiDEBJ4BSphdgXWS_QvKU_vPNsrCoPAJl5gbY8AxRv7b1JCs3rogUQOnaZzTCMB29dB6SMTTRFec6Mn-peGDgTKX5mlKpzHGGdrF0OU1N2tzbp__NARidpLPbnRidfhJRQpXnrgE2ANmbG3CEAhAA/s1920/Fabelmans%204.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><img border="0" data-original-height="1080" data-original-width="1920" height="360" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiQyipiPGaa-v2zuGYKnR24Dl1Fa0IQDloiDEBJ4BSphdgXWS_QvKU_vPNsrCoPAJl5gbY8AxRv7b1JCs3rogUQOnaZzTCMB29dB6SMTTRFec6Mn-peGDgTKX5mlKpzHGGdrF0OU1N2tzbp__NARidpLPbnRidfhJRQpXnrgE2ANmbG3CEAhAA/w640-h360/Fabelmans%204.jpg" width="640" /></a></div><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.45pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 0cm 35.45pt;"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.45pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 0cm 35.45pt;"><b>Foto 4</b>: há dois
momentos muitos interessantes no filme, em que acho que o filme foge do seu
determinismo. O primeiro é o apelo sensual de Jesus, de modo que essa cena
parecia uma versão teen de um filme de Gabriel Mascaro como Divino Amor.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.45pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 0cm 35.45pt;"><o:p> </o:p></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.45pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 0cm 35.45pt;"><o:p><br /></o:p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjEN8Izr_Xf_HlDj_xDyg4SB_brzlDguQAeDBa0i4mFZz6N0pq4vFePt7fcmhYCmymbCCuEUQ_McFQjH2jADboFpXbJ8zllbtTMyY9NH2p0nRhhpyBovhqfn0bLENuWuvN3Ll0JJbJVCQF_hWmiihGEcqvkkRvlLYeBRUXCMq2_b226uiP2Hec/s1920/Fabelmans%205.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><img border="0" data-original-height="1080" data-original-width="1920" height="360" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjEN8Izr_Xf_HlDj_xDyg4SB_brzlDguQAeDBa0i4mFZz6N0pq4vFePt7fcmhYCmymbCCuEUQ_McFQjH2jADboFpXbJ8zllbtTMyY9NH2p0nRhhpyBovhqfn0bLENuWuvN3Ll0JJbJVCQF_hWmiihGEcqvkkRvlLYeBRUXCMq2_b226uiP2Hec/w640-h360/Fabelmans%205.jpg" width="640" /></a></div><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.45pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 0cm 35.45pt;"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.45pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 0cm 35.45pt;"><b>Foto 5</b>: o segundo
é essa conversa entre os dois alunos tão diferentes, ou entre diretor e ator.
Por que Sam fez uma imagem tão positiva de seu galã quando este o agrediu? E
por que o galã se sentiu tão incomodado com sua imagem no filme, se esta foi
tão positiva? Creio que o filme abre janelas de reflexão sobre a relação entre
criação e vida com essa cena tão singela. Gosto muito desse plano do filme com
os três personagens em quadro.<o:p></o:p></p><br /><p></p>Cinecasulófilohttp://www.blogger.com/profile/17585855697515454968noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7426511.post-14748035814853532432023-01-13T18:33:00.010-03:002023-01-16T22:04:32.537-03:00TOP GUN: MAVERICK<script async="" crossorigin="anonymous" src="https://pagead2.googlesyndication.com/pagead/js/adsbygoogle.js?client=ca-pub-3742926344049672"></script>
<p><b> <span> </span><span> </span><span> </span><span style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;"><span style="color: #3d85c6;">TOP GUN: MAVERICK</span></span></b></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">Kristin Kosinski<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">2022<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;"><o:p> </o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgRBzfE2QWmb1ffnRpJqKv_jUNSSXhlSWY5Epnqk58UJoW1W6eIKr4FgZK1nB6OMkJOf2C8l_BHULJ9QxcTJq_JX4nDUQKQeAT51K8YMSRM0CaBPK2RoreA30sSYuwQO9r02VzsdfZ6sLseeyjfteTI3Ap4DTDNqOtx5SLsWqZRQryvfipEdzg/s1008/Top%20gun%20Maverick.jpeg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="425" data-original-width="1008" height="270" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgRBzfE2QWmb1ffnRpJqKv_jUNSSXhlSWY5Epnqk58UJoW1W6eIKr4FgZK1nB6OMkJOf2C8l_BHULJ9QxcTJq_JX4nDUQKQeAT51K8YMSRM0CaBPK2RoreA30sSYuwQO9r02VzsdfZ6sLseeyjfteTI3Ap4DTDNqOtx5SLsWqZRQryvfipEdzg/w640-h270/Top%20gun%20Maverick.jpeg" width="640" /></a></div><br /><o:p><br /></o:p><p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">Pode parecer cusioso, mas me parece
haver algo em comum em filmes tão diferentes quanto <i>Era uma vez em Hollywood
</i>(Tarantino), <i>Licorice Pizza </i>(PTAnderson) e este <i>Top gun: Maverick</i>: a defesa da
velha Hollywood. Uso a expressão “velha” com certa ironia, porque esses autores
buscam resgatar recursos da Hollywood dos anos 1970/1980 que, na época, eram
rotulados como “a nova Hollywood”. Pois os novos também se tornam velhos, e,
nesse mundo do capitalismo contemporâneo pós-Internet, a velhice chega cada vez
mais rápido, pois os produtos e os modismos precisam ser cada vez mais
rapidamente substituídos por outros, nessa eterna sucessão da temporada de
novidades (até no cinema brasileiro, já se decretou que o “novíssimo cinema
brasileiro” se tornou velho, atropelado pelo “cinema identitário”).<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">A Hollywood que hoje se
apresenta como nova é na verdade uma mera peça de uma engrenagem oriunda do
Vale do Silício. Os filmes fazem parte de grandes corporações midiáticas, de
empresas de telecomunicações que não mais fazem filmes, mas em última instância
criam “universos cinemáticos”, no meio de grandes obras transmidiáticas que
entrecruzam marcas e totens para uma multiplicação do capital em espiral. <o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">Se Tarantino e Anderson buscam
recuperar o espírito da nova-velha Hollywood dos anos 1970, <i>Top Gun Maverick
</i>parece querer fazê-lo de uma forma menos romântica, mais direta e pragmática
que seus antecessores. Em comum, os três filmes buscam se centrar numa ideia de
nostalgia, mas, nesse novo <i>Top Gun</i>, a nostalgia parece mais um instrumento de
marketing moldado para reproduzir os mesmos elementos da indústria do capital.
Mas, por outro lado, <i>Top Gun </i>parece mais adaptado aos novos tempos: ele não apenas
se lamenta que Hollywood é diferente, mas resolve agir para fazer algo diante
disso, de modo a manter certos rastros de sua existência. Nisso, o filme é
muito belo, porque parte da consciência do fim, mas, mesmo assim, não se
conforma, e procura agir da forma possível. <o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">Colocando de outra forma, ao
ver <i>Top gun: Maverick</i>, a primeira coisa que me lembrei foi do cinema de John
Ford (esse sim um representante da velha Hollywood, velha mesmo, aquela da
década de 1930, do pré-2ª Guerra). E me lembrei daquela maravilhosa frase dita
por Jean-Claude Brisseau sobre o cinema de Ford: “A coisa que mais me toca no
cinema de Ford, algo que desapareceu completamente no cinema, é o fato dos
personagens serem confrontados com a decepção e o fracasso, serem obrigados a
digerir uma humilhação - diríamos agora uma ferida narcísica - e continuarem a
viver assim mesmo, sem chorar como pirralhos. Os personagens de Ford aguentam,
continuam mantendo uma certa grandeza." (ver <a href="http://www.focorevistadecinema.com.br/FOCO6-7/brisseauford.htm" target="_blank">aqui</a>)<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">Me interesso pelo novo <i>Top gun
</i>por sua abordagem ética. Ou seja, é essa grandeza diante da decepção e do
fracasso que o filme busca lidar. Mas ele não está preocupado em meramente
lamentar a transformação dos rumos das coisas, ou tratar seu personagem como
mera vítima dos novos tempos (a Marinha que muda, as injustiças do poder, a
falta de reconhecimento, o tempo que arrasta a juventude), ou seja, sua mise en
scène nunca quer transformar sua nostalgia num mero poço passadista de
lamentações. Mas, assim como o personagem de Tom Cruise (em atuação memorável,
à altura dos melhores personagens de Wayne e Bogart), ele procura “nos ensinar”
que talvez ainda seja possível que os novos “aprendam” com os chamados velhos.
E, o que é bonito do filme, que isso só será possível se os velhos se colocarem
em posição de igualdade, teimando em permanecer como meros pilotos e não como
comandantes em seus camarotes palacianos, teimando em sujar suas mãos de
poeira, e permanecer voando em alta velocidade a poucos metros do chão, isto é,
permanecerem mantendo acesa essa chama de acreditar que é possível atingir o
impossível, desafiando os produtores-almirantes das instituições-capital (a
Marinha ou Hollywood, não importa).<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;"><i>Top Gun: Maverick </i>é um filme de ação que
parece um game (quatro pilotos precisam passar de uma fase com obstáculos antes
que o tempo acabe) mas que possui ao mesmo tempo uma intensa e complexa jornada
do heroi existencial. O que me interessa nesse filme é justamente essa
combinação aparentemente esdrúxula desses dois elementos. Maverick é o grande
talento, o exímio piloto, mas que permaneceu para sempre como capitão. Seu
passado é tudo o que ele tem, seu legado, mas ao mesmo tempo, há algo que ele
precisa esquecer. “Já é hora de esquecer”, fala a ele o velho almirante (Ford rs)
que esse sim está morrendo. Ora, é preciso esquecer, porque, como diria Ozu, o
mundo já é outro, e no relógio da máquina de guerra que é a indústria bélica de
Hollywood, o tempo não para, e os talentos e modismos precisam cada vez mais entrar
em obsolescência programada pela eterna máquina de produção de novidades e quinquilharias.
É preciso lembrar na mesma medida em que é preciso esquecer. Desse modo, esse
heroi apenas conseguirá cumprir sua jornada se não negar sua velhice mas também
se conseguir esquecer. É quando Ozu e Ford se encontram: mais Ozu impossível
rs.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">Talvez seja por isso que, em
sua meia hora final, Top gun vire um game contemporâneo, um <i>blockbuster </i>quase como
qualquer outro, e abandone quase por completo sua jornada existencial. Porque Kosinski
(um diretor que está longe de ser um autor, tendo origem na indústria de
comerciais e de computação gráfica) sabe que é preciso prosseguir, e não ficar
chorando no travesseiro como uma criança: esse heroi solitário terá que lidar
com todas as circunstâncias do destino, e fazer algo diante disso, fazer algo
mesmo diante de um mundo aparentemente insensível e cruel.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">Ao final, como típico filme de
Hollywood, o heroi sai transformado de sua jornada, cura sua chada do passado,
ensina os novos herois, e ainda conquista a mocinha que espera por ele rs.
Talvez o resgate da “velha-nova” Hollywood não signifique muita coisa, seja
apenas uma sedutora e sentimental embalagem publicitária na máquina de produção
de afetos e lucros do capitalismo contemporâneo. Top gun certamente não está
interessado na rebeldia da revolução do cinema de autor, mas, ao mesmo tempo,
fico pensando que, de forma surpreendente, algo do espírito ético de uma
geração de lendários artistas possa se perpetuar, de forma misteriosa e
secreta, por dentro das engrenagens desse mero produto bélico.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">Talvez <i>Top gun </i>não mude nada,
mas, enquanto o Capitão não chega para abortar a última missão, vamos ficar
provisoriamente com o pensamento de que isso ainda é possível, o avião dos
sonhos do cinema (o tal F-14 que mais parece uma Éclair 35mm) voar pela última
vez, ou como diria Maverick num dos diálogos do filme “pelo menos hoje me deixa
acreditar que ainda não é tarde demais”.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;"><i>Top gun: Maverick </i>é um filme que
reflete sobre o papel do artista diante dos nossos tempos, em que o capital, as
aparências e o falso reconhecimento engolem tudo. O filme permanece do lado de
alguém que teimou em manter suas convicções, custe o que custar, mesmo pagando
um preço por isso.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">Seria eu louco ao sugerir que talvez
<i>Top gun: Maverick </i>tenha muito mais utopia que <i>Marte um</i>?<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;"><o:p> </o:p></p>Cinecasulófilohttp://www.blogger.com/profile/17585855697515454968noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7426511.post-29176053681512509802022-12-29T15:59:00.005-03:002022-12-29T15:59:35.261-03:00MELHORES FILMES - CINEMA 2022<p> </p><p></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;"><span style="mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin;"><b><span style="color: #3d85c6;">MELHORES
FILMES CINEMA 2022</span></b><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjAdXq6S6fKMKVzRdvX534jZfeLhnWw6iLJaEPjfoi6yWXmFciMRS4VbT0qMRVi3sntA-l8umn9yxrIMFAt5jvjB0AnQxP_rHjFJUJLyyn3HXhjGK3SCPTZF76VKy6SgUbkcnQuNAPc3uto2IJjV4pSNbDbM3vFtCd60EgLEJw8wJienyzo-fw/s1080/vitalina_ventura.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="608" data-original-width="1080" height="360" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjAdXq6S6fKMKVzRdvX534jZfeLhnWw6iLJaEPjfoi6yWXmFciMRS4VbT0qMRVi3sntA-l8umn9yxrIMFAt5jvjB0AnQxP_rHjFJUJLyyn3HXhjGK3SCPTZF76VKy6SgUbkcnQuNAPc3uto2IJjV4pSNbDbM3vFtCd60EgLEJw8wJienyzo-fw/w640-h360/vitalina_ventura.jpg" width="640" /></a></div><br /><span style="mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin;"><br /></span><p></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">Atualmente,
está cada vez mais difícil fazer uma lista de melhores filmes do ano. Isso
porque o circuito comercial de salas de cinema vem ficando cada vez mais
defasado em relação à avalanche de filmes que chegam ao crítico por outros
meios – especialmente plataformas de streaming e festivais de cinema online. No
entanto, ainda mais nesse momento, sinto a necessidade de enfatizar a
importância de ver filmes numa sala de cinema – e o gesto de certas distribuidoras
em lançar filmes potentes no cada vez mais concentrado mercado de salas. Por
isso, minha lista será especialmente dedicada a filmes lançados no circuito
comercial brasileiro. Com muito pesar, nessa lista de 8 filmes, pela primeira
vez em muitos, muitos anos, não insiro nenhum filme brasileiro. Confesso que só
considero excelentes os três primeiros filmes da lista (mais o do Koberidze,
ver abaixo). Estou num momento de pouco entusiasmo com o cinema contemporâneo
(internacional e também o brasileiro), e vários filmes aparentemente potentes
não consegui ver, por isso não completo a lista até a posição 10.</p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;"><span style="mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;"><a href="http://www.cinecasulofilia.com/2019/12/vitalina-varela.html" target="_blank">Vitalina Varela</a>, Pedro Costa<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;"><span style="background: white; color: #050505; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin;"><a href="http://www.cinecasulofilia.com/2022/08/il-buco.html" target="_blank">Il buco</a>, Michelangelo Frammartino<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;"><a href="http://www.cinecasulofilia.com/2022/01/in-front-of-your-face-de-hong-sang-soo.html" target="_blank">A Mulher que fugiu</a>, Hong Sang-Soo<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;"><span style="mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin;">A
mulher de um espião, Kiyoshi Kurosawa<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;"><span style="mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin;">Pequena
mamãe, Celine Sciamma<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;"><span style="mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin;">Roda
do Destino, Ryūsuke Hamaguchi <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;"><span style="mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin;">Licorice
Pizza, Paul Thomas Anderson<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;"><span style="mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin;">Memória,
Apichatpong Weerasethakul<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;"><span style="mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;"><span style="mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin;">Além
desses, destaco outros três filmes a parte:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;"><span style="mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;"><span style="mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin;">1
apesar de tudo, é inegável que as plataformas de streaming também são
responsáveis por ampliar o acesso ao bom cinema. A MUBI tem feito um bom
trabalho. Destaco um filme recente muito belo, lançado pela MUBI.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;"><span style="mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin;">O
que vemos quando olhamos para o céu?, de Alexandre Koberidze<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;"><span style="mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;"><span style="mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin;">2
Os festivais de cinema também nos possibilitam ampliar as janelas para outros
cinemas. Destaco um filme brasileiro e outro internacional, visto no circuito
dos festivais (e curiosamente, ambos online):<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;"><a href="http://www.cinecasulofilia.com/2022/02/tiradentes2022-bem-vindos-de-novo.html" target="_blank">Bem-vindos de novo</a>, de Marcos Yoshi (Mostra Tiradentes)<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;"><a href="https://www.facebook.com/marceloikedaa/posts/pfbid05kq5yNjzYdbLGvRehFPZsZ1kp6R49TGzYTRDynt2ULrXSapLtnRx4QiEBhTEbPSrl" target="_blank">Noite obscura - Folhas selvagens</a>, de Sylvain George (Mostra SP / Forum.doc BH)<o:p></o:p></p><br /><p></p>Cinecasulófilohttp://www.blogger.com/profile/17585855697515454968noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7426511.post-71454874396034973922022-12-29T15:53:00.001-03:002022-12-29T15:53:01.500-03:00A SÉTIMA VÍTIMA<p> </p><p></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;"><b><span style="color: #3d85c6;">A
SÉTIMA VÍTIMA</span></b><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">The
seventh victim<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">Mark Robson <o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">1957<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><o:p> </o:p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiwcvkK5Atk1nBdxuGJyLXkPIcUXZxgmdyjqkxnR9rKBqOPTtFRnKutcmXHBFk6c4QeUqE54dq2bMlnobD0hUQkmb4xohTqlWVengCN-6JLrNo8pcbowYhbpNCSWc1RbnNH8l6tna5IxTaP8ZI1gSOYO9qGgyZFZYuRSMMei-qqgqluRlgwrto/s640/Jean_Brooks_in_Seventh_Victim_trailer.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="479" data-original-width="640" height="480" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiwcvkK5Atk1nBdxuGJyLXkPIcUXZxgmdyjqkxnR9rKBqOPTtFRnKutcmXHBFk6c4QeUqE54dq2bMlnobD0hUQkmb4xohTqlWVengCN-6JLrNo8pcbowYhbpNCSWc1RbnNH8l6tna5IxTaP8ZI1gSOYO9qGgyZFZYuRSMMei-qqgqluRlgwrto/w640-h480/Jean_Brooks_in_Seventh_Victim_trailer.jpg" width="640" /></a></div><br /><p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Poderia ser um filme de Jacques
Tourneur mas é o primeiro filme de Mark Robson, nada menos que o editor de
Soberba, de Welles. Robson também montou os dois filmes de Tourneur produzidos
por Lewton. Poderia ter sido até mesmo um filme de Bresson. Mas é uma produção
de Lewton, um filme B da RKO.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">A trama meio rocambolesca
importa pouco. Uma mulher viaja para Nova Iorque para buscar o paradeiro de sua
irmã desaparecida, e acaba entrando em uma trama de mistério, em que ela se
apaixona por um advogado que descobre ser o marido de sua irmã, recebe a ajuda
de um detetive que acaba morto, se envolve com um poeta fracassado que encontra
num restaurante italiano que também serve de pensão para sua irmã, e acaba se
envolvendo com uma seita satânica que sua irmã integbrou por ter sido convidada
por sua ex-sócia na empresa. Ou seja, tudo muito confuso e inverossímil, como
um típico filme detetivesco B das maravilhosamente baratas franquias
folhetinescas dos terrores fulerage nível B de Val Lewton.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">O que surpreende, no entanto, é
o tratamento cinematográfico desse material nada nobre, conferido pela
maravilhosa direção de Robson, mesmo este sendo seu primeiro filme. Este é
tipicamente um filme do cinema clássico, pela precisão, economia e clareza da
mise en scène. A elegância de Robson é nunca apontar desnecessariamente para
si, mas seu estilo cristalino busca sempre a precisão do plano: nunca o efeito
pelo efeito mas uma certa pureza nessa artesania cristalina.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Assim como sua protagonista, o
filme não tem tempo a perder, mas deve-se empenhar no essencial: a busca por
essa irmã. Em meio a todas as armadilhas folhetinescas do material, o filme se
empenha nessa jornada, em que a protagonista recebe a ajuda dos tipos mais
desparatados e absurdos possíveis, e mesmo assim, em nenhum momento desiste ou
põe em dúvida sua empreitada. Ainda que seja um filme da primeira metade dos
anos 1940, vemos alguns elementos que o aproximam de um noir: o mergulho em um
submundo, o destino fatalista, os becos sombrios que levam os personagens à
morte, a iluminação expressionista, etc.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Num dado momento, vemos
finalmente a irmã desaparecida. Os closes que Robson escolhe para mostrar sua
misteriosa Jacqueline nos lembram da ideia de fotogenia desenvolvida por
Epstein. Numa sequência logo a seguir, Jacqueline percorre os sombrios becos da
rua para tentar voltar para casa: tenta se desvencilhar de um assediador e acaba
salva por uma trupe de teatro. É um momento cinematográfico potente. Aos
poucos, de forma inesperada, vamos sendo envolvidos (enfeitiçados, inebriados)
pela alucinante trama, e percebemos seu significado filosófico: o que são o bem
e o mal, o que são a morte e a vida? Psicanálise, hipnose, símbolos satânicos,
seitas misteriosas e até mesmo uma trama lésbica se insinuam no filme. Mas, no
fundo, tudo é uma questão de fé – é quando A sétima vítima vira quase um filme
de Bresson, em que sua aposta pelo classicismo materialista se revela um
camingo de ascese para um momento de sublime, que ocorre apenas pela morte.
Enquanto uma mulher decide sair do quatro trancafiado e entregar-se ao mundo,
arriscando-se a viver com todos os seus pesares, a outra descobre que a plena
felicidade está no encontro com a morte. O caminho de fé da ingênua irmã em
procurar Jacqueline se concretiza quando afinal ela pode amar, quase como se livrasse
a irmã em sua deriva de desespero. Lembramos então do aviso da amiga logo no
começo do filme: vá e não volte, jogue-se ao mundo, com todas as suas impurezas
e com toda a dificuldade de seu entorno. <o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">A radicalidade de como Robson se
entrega ao tortuoso caminho de sua protagonista é extremamente inspirador, pois
transforma uma película barata (como os melhores filmes de Tourneur) num
colossal ato de fé – e essa radical entrega às impurezas do mundo só acontece
porque o autor conseguiu compreender muito bem todas as potências do cinema B,
agarrando-se a todas as suas fragilidades. Essa é a maior beleza desse filme, e
o que faz esse filme clássico ser absolutamente moderno: essa fé na potência do
cinema a partir de sua irremediável impureza. O percurso do filme é o mesmo de
sua protagonista: só se pode chegar ao amor ou ao sublime a partir de um longo
abraço, de um profundo mergulho, em todas as impurezas desse enorme abismo
ambíguo entre o bem e o mal, entre o belo e o feio, que é a tessitura imanente
dessa moeda de duas faces – o mundo-cinema.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><o:p> </o:p></p><br /><p></p>Cinecasulófilohttp://www.blogger.com/profile/17585855697515454968noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7426511.post-24753512150720388452022-12-29T15:48:00.005-03:002022-12-29T15:48:23.029-03:00ONDE ESTÃO OS SONHOS DE JUVENTUDE?<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><b><span style="color: #3d85c6;">ONDE ESTÃO OS SONHOS DE JUVENTUDE?</span></b><o:p></o:p></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span lang="EN-US">Yasujiro
Ozu<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span lang="EN-US">Seishun
no yume ima izuko (Where now are the dreams of youth?)<o:p></o:p></span></p><p>
<span style="font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: Calibri; mso-fareast-language: EN-US; mso-fareast-theme-font: minor-latin; mso-hansi-theme-font: minor-latin;">1932</span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><o:p> </o:p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEimJf5zFRZZvnlu8fpg8xcN22T9iQRWMuw6HnoIJE7_FWLPqTnl7stHFE8InUFtrujElIUsLARVFPwGnP2WSMJrq841Leap_d3qzuQI1KQXojyOFWXEjVj2zxo6jDEa2t1a9xa4j7OaCfYNhfiMB8yXUTfFz8BO3D1BODOra4R3eJG_j1aVEM8/s500/ozu%20where%20youth.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="382" data-original-width="500" height="488" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEimJf5zFRZZvnlu8fpg8xcN22T9iQRWMuw6HnoIJE7_FWLPqTnl7stHFE8InUFtrujElIUsLARVFPwGnP2WSMJrq841Leap_d3qzuQI1KQXojyOFWXEjVj2zxo6jDEa2t1a9xa4j7OaCfYNhfiMB8yXUTfFz8BO3D1BODOra4R3eJG_j1aVEM8/w640-h488/ozu%20where%20youth.jpg" width="640" /></a></div><br /><p></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"> É
curioso descobrirmos que esse maravilhoso filme da fase silenciosa de Ozu foi
produzido como um mero entremeio, um filme barato para compensar o estouro do
orçamento de um filme anterior, que hoje está perdido. Assim, Ozu, com a ajuda
de seu velho companheiro Kogo Nada, escreveu uma história bem situada em sua
zona de conforto: o “filme de estudante”, com base em um livro que rendeu uma
peça teatral no Japão, da mesma base que gerou O príncipe estudante, de
Lubitsch. Ao mesmo tempo, esse filme foi filmado logo depois de Eu nasci
mas..., e já comprova o início de maior maturidade de Ozu a partir dos anos
1930.</p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>É
possível dividirmos o filme em duas partes: na primeira, o protagonista é um
estudante; na segunda, o diretor da empresa. O jovem precisa crescer, e a
transição é mostrada por meio de uma descontinuidade abrupta, como marca do
destino: o então jovem recebe a notícia da morte do seu pai, e precisa sair da
Universidade e assumir o comando da empresa.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>A
primeira parte do filme é filmada aos moldes de uma screwball comedy típica do
cinema de Ozu do final dos anos 1920, especialmente as travessuras dos alunos
nos corredores e intervalos das aulas e sua tentativa de colar em uma prova.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Mas a segunda parte mergulha no
drama que é prenunciado pelo título. O jovem precisa crescer, tornar-se adulto
e responsável, e assim abandonar sua inocência. Penso que esse filme de Ozu
enfrenta um desafio muito próximo a um filme que admiro muito, O último
americano virgem (Boaz Davidson, 1982): o início nos dá a impressão de um filme
leve, uma high school juvenil mas aos poucos o filme vai inesperadamente
ganhando uma conotação densa sobre a inevitabilidade de envelhecer, e como isso
representa lidar com o fim dos sonhos. Em um momento, a mãe de um dos
ex-estudantes diz “a vida está ficando mais complicada, não é mesmo?”<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Por ser o dono da empresa, o
protagonista não consegue mais estar tão próximo dos seus antigos colegas de
escola, agora seus funcionários. Um deles, nesmo tímido e pobre, acaba
conquistando a mulher dos sonhos do amigo empresário. Ela não poderia imaginar
que o agora empresário permaneceria mantendo seus sentimentos para com ela, e
decidiu aceitar viver com Saiki.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Há então uma sequência
antológica que reúne os quatro ex-amigos numa caminhada pela estrada, quando
Hirono interpela Saiki por ter se aproximado de Oshige, mesmo sabendo dos seus
sentimentos. Nesse momento, único em sua filmografia, parece que Ozu se
aproxima de Ford: as tensões entre os antigos amigos se transformam em
violência física, e Hirono começa a esbofetear seguidamente um impassível
Saiki, que só se desculpa e agradece por Hirono ter a generosidade de
oferecer-lhes um emprego mesmo diante de toda a crise. A diferença social de
classes causa uma fissura profunda na possibilidade de perpetuação dessa
amizade. Como em um filme de Ford, os personagens masculinos vão resolver suas
dificuldades afetivas saindo no tapa, numa catarse quase orgiástica, dirigida
por um cineasta que sempre foi extremamente respeitoso em relação às distâncias
emocionais e ao contato do corpo.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">No entanto, Ozu, desde cedo, não
era um Naruse nem um Shimazu: seu desfecho profundamente ético abre o caminho
para que esse recém-casal de classe média baixa encontre sua felicidade
possível, mesmo diante de um Japão fraturado e em crise, a caminho de uma
grande catástrofe.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><o:p> </o:p></p>Cinecasulófilohttp://www.blogger.com/profile/17585855697515454968noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7426511.post-31010585323782475822022-12-29T15:44:00.000-03:002022-12-29T15:44:09.284-03:00CREPÚSCULO DE TÓQUIO<p> </p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 70.9pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify; text-indent: -70.9pt;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;"><b><span style="color: #3d85c6;">CREPÚSCULO
DE TÓQUIO</span></b><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 70.9pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify; text-indent: -70.9pt;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">Yasujiro Ozu<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 70.9pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify; text-indent: -70.9pt;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">Tokyo
boshoku (Tokyo twilight)<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 70.9pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify; text-indent: -70.9pt;">1957<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 70.9pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify; text-indent: -70.9pt;"><o:p> </o:p></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 70.9pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify; text-indent: -70.9pt;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiXZsoznZQ7ttoL3wHtJJx8m0fCnCjpYcoME4MUoj059LN0op3cNCaZYShgWTRaYRkEDAH9GjQWR2g8s_I5X6QhlpqSy39QrReg6gTvRwFQZJGsJfSsYIPvpaUKvJB6uzLBrlBRX3E2bIwL8AfaIpqVRQ0yvjtQChh1egq75JxaUFr03ucBZkk/s1920/tokyo%20twilight.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1080" data-original-width="1920" height="360" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiXZsoznZQ7ttoL3wHtJJx8m0fCnCjpYcoME4MUoj059LN0op3cNCaZYShgWTRaYRkEDAH9GjQWR2g8s_I5X6QhlpqSy39QrReg6gTvRwFQZJGsJfSsYIPvpaUKvJB6uzLBrlBRX3E2bIwL8AfaIpqVRQ0yvjtQChh1egq75JxaUFr03ucBZkk/w640-h360/tokyo%20twilight.jpg" width="640" /></a></div><br /><o:p><br /></o:p><p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Esse é provavelmente o mais
sombrio dos filmes de Ozu do pós-guerra, especialmente após o diretor ter
encontrado a sua mais plena forma artística em BANSHUN. Ao mesmo tempo, esse
forte drama moral me lembra do tom mais duro do cinema do Ozu dos anos 1930, em
filmes como MULHER DE TÓQUIO.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Aqui, parece não haver mais
espaço para aquela transiência zen que marca o estilo mais conhecido de Ozu,
mas a opção é focar na desagregação da família japonesa, e no fracasso do próprio
projeto de família. Desta vez, a mãe não morre mas abandona as filhas, e os
rastros de sua presença permanecem nas filhas num certo sentido de
incompletude: a mais velha deixa o marido; a mais nova, tenta ser independente
mas se desilude com um amor que não lhe dá atenção.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Quando a mãe novamente
reaparece, o curioso é que não há nenhum espaço para a reconciliação. Ao
contrário, a mãe parece que faz eclodir as tensões submersas. Ao mesmo tempo,
há segredos que permanecem escondidos: a irmã não sabe do aborto de Arima, o
pai não sabe do retorno da mãe.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">A cena do suicídio de Arima e
sua morte no hospital, dois dos momentos mais graves do filme, nos são
reveladas segundo o típico estilo de Ozu: em elipses que nos situam na ação a
partir do seu impacto. Forte é a cena em que descobrimos a morte de Arima
quando Hara vai ao encontro de sua mãe e diz “a culpa é toda sua”.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">O que me toca no filme é que
essas três mulheres não conseguem desenvolver uma rede de afetos entre elas
para compreender suas escolhas e se ampararem. Ao mesmo tempo em que Hara se
desilude com seu casamento arranjado e deixa o marido, ela não consegue perdoar
sua mãe por tê-la abandonado para ficar com o homem que amava. A irmã também
não consegue compreender a delicada situação de Arima. O drama moral ocorre
porque a família não consegue ser a rede de amparo/afeto que caracterizou boa
parte da filmografia de Ozu. Ao mesmo tempo, o pai parece ser o que menos se
importa com a situação. O final me parece muito sintomático, quando o pai
(agora sozinho) sai para trabalhar, da mesma forma como antes. O marido de Hara
mal vai à casa do sogro para procurá-la mas parece mais preocupado com seu
trabalho. Ozu permanece percebendo que as mulheres permanecem sendo o elo mais
frágil, as mais diretamente afetadas pelas contradições de seu tempo.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">É curioso ver esse filme como um
corpo estranho dentro da filmografia de Ozu. Mas parece claro que Ozu, com seu
longo parceiro de roteiro Kogo Nada, quis promover uma certa guinada nos rumos
de sua filmografia, por meio de um olhar mais duro sobre a desintegração de uma
família. Ao mesmo tempo, sua mise en scène permanece solidamente aderente ao
“estilo Ozu”. Talvez a maior diferença seja a fotografia, um pouco mais escura,
dura, recortada e “expressionista” que seus típicos filmes dos anos 1950
(deve-se lembrar que este foi o último filme P&B de Ozu-Atsuta). Assim, seu
filme perde um pouco o encanto, pois as soluções de mise en scène são muito
aderentes ao funcionalismo da narrativa, que evidencia o tom moral da trama. Ou
seja, falta aquela leveza do típico estilo do Ozu: os pillow shots, as elipses,
as sequências de conversas em bares ou em casa em torno de momentos
corriqueiros na verdade abriam um espaço dentro da narrativa para esse gosto
prosaico da vida em torno da dramaturgia do comum. Agora, o drama moral torna
as relações entre os planos/personagens a partir de uma função narrativa mais
explícita, tornando menos fluida, menos sutil ou até mesmo meio forçadas as
soluções formais do filme. Um exemplo é quando, durante o jogo de mahjong, o
cliente conta aos outros a história de Arima. A dificuldade de dar fluidez a
uma história cujos elos precisam ser enunciados de forma clara para o
espectador está na duração de 140min – algo raro para o cinema de Ozu. Me pareceu
que talvez o rigor formal típico de Ozu seja excessivo ou não tão apropriado no
caso desse filme: alguns planos e soluções chegaram a me incomodar – algo quase
impensável em se tratando de um filme do Ozu.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Os momentos que para mim mais
permanecem desse filme são justamente aqueles em que as pausas ou as margens
reaparecem de forma sutil: um chapéu esquecido por um cliente em um bar, os
dois planos do movimento do pêndulo do relógio enquanto a funcionária do
hospital boceja e tenta aquecer a água para se proteger do frio, etc.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><o:p> </o:p></p>Cinecasulófilohttp://www.blogger.com/profile/17585855697515454968noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7426511.post-57919111618034380752022-08-21T13:06:00.005-03:002022-08-22T13:34:14.717-03:00IL BUCO<p><b><span style="color: #3d85c6;"> IL BUCO</span></b></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm;"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm;">Michelangelo Frammartino<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm;"><o:p> </o:p></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgfiIb180CHqbER6rcGKpUjsA3bh2_-0FbwuCj8iynDjId49e0t3ifxyHbRbI0BlXzGQrezMdFei5MxHdCuKMS9QFF9Mm-JG4IkBZlRF5wteQI_eboKQTgVT4lXjodpKgoQ3Gv2N7ppjlFWc8iCMmb6jiRc2sYwqccvPiagJAJLqCdZeTAuMsk/s1920/Il%20Buco%20(2022)%20movie.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1080" data-original-width="1920" height="360" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgfiIb180CHqbER6rcGKpUjsA3bh2_-0FbwuCj8iynDjId49e0t3ifxyHbRbI0BlXzGQrezMdFei5MxHdCuKMS9QFF9Mm-JG4IkBZlRF5wteQI_eboKQTgVT4lXjodpKgoQ3Gv2N7ppjlFWc8iCMmb6jiRc2sYwqccvPiagJAJLqCdZeTAuMsk/w640-h360/Il%20Buco%20(2022)%20movie.jpg" width="640" /></a></div><br /><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;">Il buco</i> é
um dos mais importantes filmes italianos dos últimos anos, e joga um pouco de
luz para a notável obra de Michelangelo Frammartino. Num momento em que o
cinema e a sociedade parecem cada vez mais apontar para estratégias de choque
(visto os últimos vencedores de grandes festivais como Cannes, Berlim e
Veneza), <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Il buco</i> trilha o caminho (supostamente
anacrônico) da sugestão e da delicadeza. Ainda: num contexto em que a Itália é
vista por muitos como um país atrasado, que precisa crescer e se modernizar aos
moldes dos rumos dos líderes da União Europeia, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Il buco</i> parece não se interessar pelo caminho da “Itália industrial
do Norte”, mas, ao contrário, promove um mergulho profundo, isto é, nas
profundezas, de uma Itália considerada antiga, arcaica, anacrônica. Uma Itália
mergulhada nas suas raízes ancestrais – e, para a nossa surpresa, percebemos
que essa Itália não é apenas ligada ao passado ou às ruínas dos templos
voltados para a mera visitação fotográfica das <i>selfies </i>dos turistas, mas que
permanece resistindo como uma Itália de hoje, ainda que despercebida. Essa me
parece ser a principal contribuição do cinema de Frammartino – a de sinalizar,
com sutileza, uma sociedade ( e também um cinema!) que sobrevivem, mesmo diante
da avalanche do capitalismo contemporâneo global.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">A princípio, o filme se apresenta como um
documentário que registra a expedição de homens que exploram um buraco de
enormes proporções, na região da Calábria, sul da Itália. No entanto, logo
percebemos que o filme pouco guarda a intenção de documentar, no sentido que
não busca a informação ou o documento. <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Il
buco</i> está mais próximo de um ensaio que transcreve, por meios poéticos, o
desvelamento de modos de ser. Isto fica claro quando percebemos que o tal
buraco que intitula o filme só irá aparecer em tela com quase trinta minutos de
filme. Antes, o filme passeia, como se pintasse em óleo – como as paisagens de Poussin,
na fase final de sua vida, no séc. XVII –, e sem nenhuma pressa ou necessidade
de narrativa, drama, suspense, conflito, etc., pelo cotidiano de uma sociedade
rural, quase como se totalmente apartada dos grandes elementos da chamada
civilização.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Se o cinema de Frammartino parece uma ilha no cinema
italiano de hoje, é preciso perceber também as suas próprias raízes. Esse
discreto fascínio por uma Itália profunda, que transforma a paisagem e os
trabalhadores/camponeses em grandes protagonistas, dialoga diretamente com os filmes
Straub-Huillet, longamente trabalhados em diversos recantos da região. No
entanto, a <i>mise en scène</i> de Frammartino é muito diferente da de Straub-Huillet:
seu desejo forte de paisagem e de pessoas comuns remetem, em última instância,
à escola do neorrealismo italiano, mas posteriormente reformada por um mestre que tem
recebido pouca atenção: Vittorio de Seta. <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Il
buco</i> é herdeiro dessa tradição do cinema italiano que avança para além do
neorrealismo e passa inevitavelmente pelo cinema de de Seta em <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Bandidos de Orgosolo</i> (1961), e depois
vai desembocar no cinema dos Tavianis e do Olmi de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">A árvore dos tamancos</i> (1978). Mas aqui Frammartino parece seguir um
caminho que radicaliza a premissa desses cineastas, quase esvaziando o sentido
de drama, conflito e narrativa, e aproximando seu filme de um ensaio visual.
Seu filme talvez esteja mais próximo da pintura paisagística do séc. XVII do que
dos recursos típicos do cinema moderno.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Uma equipe de desbravadores mergulha nas profundezas
do buraco. A dificuldade técnica da expedição (são meandros íngremes) recebe um
duplo sentido, quando pensamos que, ao mesmo tempo, a equipe de Frammartino já
está lá para acompanhar o caminho dos operários. Mas, por que se mergulha, o
que se busca afinal? Ao longo do filme, fica claro que não se está a escavar,
não se buscam riquezas minerais ou coisas do tipo. O filme é simplesmente
guiado pelo desejo humano dessa curiosidade em desbravar algo desconhecido, e
se conectar com um interior profundo, ainda que não surjam explicações. A
elegância e o rigor como Frammartino enquadra esse cenário aparentemente
opressor confere uma grandeza nobre ao trabalho cotidiano dos operários. Esse
mergulho nas profundezas geológicas do ventre terra assume quase uma proporção
metafísica/filosófica sobre o próprio sentido da condição humana. Os túneis
submersos não revelam diretamente tesouros materiais <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>escondidos, ou não há nenhum acidente
sensacionalista. Mas tampouco a rotina do trabalho é vista como algo duro e
massacrante, como nas obras do final dos anos 2000 do chinês Wang Bing. Frammartino
promove um mergulho de rara beleza poética, por meio de imagens e sons
cuidadosamente orquestrados pelo realizador e sua equipe, mesmo com base no material
direto do cotidiano. Há um desejo muito forte (e até mesmo impressionante) de
<i>mise en scène</i> por trás desse filme aparentemente documental – e, por isso, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Il buco</i> é um filme profundamente
cinematográfico. É curioso percebemos que, a uma certa altura, uma pessoa
desenha, à mão, um mapa desses túneis. No entanto, a forma delicada como o mapa
é desenhado nos aproxima de um processo artístico. Trata-se de um paralelo com
o próprio trabalho de Frammartino: realizar uma cartografia daquela região, mas
não propriamente no sentido de documentar, mas para apreender um mapa poético,
por meio de uma caligrafia artística, daquele lugar. Por trás do que poderia
ser tachado como meramente descritivo, Frammartino pinta, com seu pincel
numérico, não apenas a geografia física mas os modos de ser de uma região. O
tempo e o espaço, matérias-primas do cinema, e também da vida!<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Isto posto, me parece que, em alguns momentos, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Il buco</i> acaba sendo um prolongamento com
menos força de seu filme anterior, a obra-prima <i style="mso-bidi-font-style: normal;">As quatro voltas</i> (2010). Em alguns pontos, as relações que
Frammartino propõe com o tempo e o espaço me parecem ser menos inventivas, ou
que meramente desdobram o filme anterior. Um exemplo típico está na trama do
velho ancião que morre numa pequena cabana. Em certo momento do filme, há uma
montagem paralela entre os operários nas profundezas do buraco, e os médicos
que examinam a doença no corpo do idoso. Os médicos não conseguem mergulhar nas
profundezas do organismo como os operários o fazem (uma das leituras
possíveis). A morte é inevitável, mas a natureza renasce, transformando-se. De todo
modo, o ritmo da montagem paralela entre as duas sequências estimula o espectador
a fazer associações diretas entre os movimentos dos dois casos, por meio de um recurso
que foge das suas estratégias de maior sutileza e abertura. Ainda assim, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Il buco</i> é uma das mais importantes obras
do cinema contemporâneo dos últimos anos. <o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">É um privilégio que esse filme seja lançado
comercialmente nas salas de cinema brasileiras (onde deve ser visto, para que
possa ser melhor apreciado seu tom suntuoso de imagem e som). Parabéns a Zeta
Filmes, que tem os mais vigorosos filmes em sua carteira de lançamentos, como <i style="mso-bidi-font-style: normal;"><a href="http://www.cinecasulofilia.com/2019/12/vitalina-varela.html" target="_blank">Vitalina Varela</a></i>, de Pedro Costa, entre vários
outros.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><o:p> </o:p></p>Cinecasulófilohttp://www.blogger.com/profile/17585855697515454968noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7426511.post-81065372715363812222022-07-20T18:13:00.003-03:002022-07-20T18:32:19.933-03:00ANGRY STREET<p><b style="text-align: justify; text-indent: -70.9pt;"><span style="color: #3d85c6;">ANGRY
STREET</span></b></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-left: 70.9pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 0cm 70.9pt; text-align: justify; text-indent: -70.9pt;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">IKARI NO
MACHI<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-left: 70.9pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 0cm 70.9pt; text-align: justify; text-indent: -70.9pt;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">de Mikio
Naruse (1950)<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;"><o:p> </o:p></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgzrNwOh-6Cx4Yc6p2e3b3kYO7y9hPrfPD7njgI15nVJUtha8gpaQNTVVoOFTSkgWX4xnG93DQFU8Hm91jwbDrRix3fIFiX7s57DJTlwj8bzwIzq5RSsyOGtjKhbb-YV7wNUlnEh0EZ0GHkV0AhgslstaicBzA4PuSV8zKDLcpnN02Xu-K_gRA/s1920/ANGRY%20STREET%201.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1080" data-original-width="1920" height="360" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgzrNwOh-6Cx4Yc6p2e3b3kYO7y9hPrfPD7njgI15nVJUtha8gpaQNTVVoOFTSkgWX4xnG93DQFU8Hm91jwbDrRix3fIFiX7s57DJTlwj8bzwIzq5RSsyOGtjKhbb-YV7wNUlnEh0EZ0GHkV0AhgslstaicBzA4PuSV8zKDLcpnN02Xu-K_gRA/w640-h360/ANGRY%20STREET%201.jpg" width="640" /></a></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><p></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Parece que este é um dos quatro filmes
que Mikio Naruse dirigiu apenas no ano de 1950. Esse número nos aproxima do
ritmo incessante do cinema de estúdio, ainda que japonês. Desse modo, ao final,
fica a sensação de que ANGRY STREET é um Naruse menor, cujo roteiro precisaria
de um maior lustre para atingir o nível de sofisticação de outros de seus
filmes posteriores. Ao mesmo tempo, revela o talento de artesania de Naruse:
seu estilo cristalino, de modo que nenhum plano parece apontar exclusivamente
para si como índice do “fetichismo do autor” mas que reforça a coesão do todo.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">ANGRY STREET deve ser visto
entre um conjunto de filmes japoneses do pós-guerra que mostram as difíceis
condições econômicas da reconstrução do país, e o preço moral pago por
personagens que buscam ascender socialmente a qualquer custo. Dois amigos
estudantes praticam golpes em mulheres ingênuas para conseguir dinheiro para
pagar a matrícula da universidade e o aluguel do apartamento. Os dois amigos,
no entanto, acabam tendo rumos distintos: um deles (Mori, brilhantemente interpretado
por Jūkichi Uno) sofre uma crise moral ao encontrar com a irmã de seu amigo,
sua antiga namorada, e quer mudar de vida; o outro (Sudo, interpretado por Yasumi Hara), ao contrário, ao conhecer
uma nova-rica, quer entrar no submundo do mercado negro e ter o seu próprio
negócio, ainda que negligenciando sua família. <o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">No entanto, a narrativa acaba
conferindo contornos duros aos dois personagens sem grandes sutilezas, como uma
batalha entre o bem e o mal: o drama de Naruse acaba assumindo um aspecto
moralizante muitas vezes pouco sutil, como, por exemplo, nos flashbacks sonoros
que ficam ressoando na cabeça de Mori após ter reencontrado a irmã de seu amigo
(“Você mudou muito!”).<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">De todo modo, parece que os caminhos trilhados pelos dois amigos representam duas opções distintas no Japão do
pós-guerra: Sudo aprofunda seu individualismo influenciado pelo <span style="text-indent: 47.2px;">materialismo </span>e pelo pragmatismo
norte-americano, enquanto Mori se arrepende e se volta para a família e
para os valores mais tradicionais japoneses. É curioso perceber que, se Sudo vivia aplicando golpes em mulheres ingênuas, no final ele foi
vítima das armadilhas de uma mulher muito mais ambiciosa. No fundo, a dupla de
amigos estudantes se revela ingênua para viver diante dos desafios de um Japão
que nem é completamente ocidentalizado nem vive conforme os valores tradicionais
do pré-guerra. <o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">A trama fez com que muitos
críticos associassem o filme ao cinema noir, mas acho um exagero: ele está bem
mais próximo de um drama moral. No entanto, vejo o filme como herdeiro dessa
influência do cinema ocidental na cultura japonesa do pós-guerra, não apenas no
modo como o pragmatismo materialista destroi os valores da família japonesa (algo
muito caro ao cinema de Naruse do pós-guerra, em outros filmes, como, por
exemplo, em <a href="http://www.cinecasulofilia.com/2009/03/inazuma.html" target="_blank">Inazuma</a>) mas especialmente por uma mise en scène funcional aos
moldes de um filme de estúdio B.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">De todo modo, o que considero
mais interessante nesse filme de Naruse são as filmagens em externas: como se
anuncia pelo título, o movimento das ruas de Tóquio, os ambulantes e comerciantes
em pequenos quiosques improvisados, ou ainda, a caminhada dos personagens pela
periferia da cidade, com um cenário depauperado, algo que me lembra o posterior
<i>Cartas de amor </i>(1953), de Kinuyo Tanaka. A habilidade da artesania de Naruse e a
precisa direção de atores colocam certo freio na tendência de um melodrama
aberto, e se não chegam a salvar totalmente o filme, o tornam mais interessante
para as plateias de hoje.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj92H1b6rQLrVi-5C7GMVXtCGmi3UGG9o5By4EPT6KN16kSWCl62F0AHlHNg_IYsuYMVo-DId_9a-EIwoyGi8wluSu67R1Te4wMXzcR44PUNQPhHyVN4W7aA5uHm0zkcNtBNHDY4qYgBjFlqG-OUxVpCbptfne67_BgjiNh8aVkaRnmmAWhHW4/s1920/ANGRY%20STREET%203.jpg" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><img border="0" data-original-height="1080" data-original-width="1920" height="360" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj92H1b6rQLrVi-5C7GMVXtCGmi3UGG9o5By4EPT6KN16kSWCl62F0AHlHNg_IYsuYMVo-DId_9a-EIwoyGi8wluSu67R1Te4wMXzcR44PUNQPhHyVN4W7aA5uHm0zkcNtBNHDY4qYgBjFlqG-OUxVpCbptfne67_BgjiNh8aVkaRnmmAWhHW4/w640-h360/ANGRY%20STREET%203.jpg" width="640" /></a><o:p> </o:p></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEicIuEATjnQ6IDI9xa5xU81-3upsBUfn28DbjKG9U6h6Gt9v60PYKd_-PTP3oPxnKaPUJS6Xljn2c2mHGDVeLvP6c9a2PoN2TOb3wEeQ6ahNlrWM7Fqc8I84Xkz3skAfRz7b52RqdR6U-7BdLlvMO40pt4-a0kWykJyg2R6CvE5gDW5XHLpWpQ/s1920/ANGRY%20STREET%204.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1080" data-original-width="1920" height="360" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEicIuEATjnQ6IDI9xa5xU81-3upsBUfn28DbjKG9U6h6Gt9v60PYKd_-PTP3oPxnKaPUJS6Xljn2c2mHGDVeLvP6c9a2PoN2TOb3wEeQ6ahNlrWM7Fqc8I84Xkz3skAfRz7b52RqdR6U-7BdLlvMO40pt4-a0kWykJyg2R6CvE5gDW5XHLpWpQ/w640-h360/ANGRY%20STREET%204.jpg" width="640" /></a></div><br /><br /><p></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">obs 1: uma bonita cena do filme revela a transformação interior de Mori, quando ele presta socorro a um homem desconhecido que caiu de sua bicicleta. Gostei tanto dessa cena! É curioso como uma cena que aparentemente poderia ser visto como acessória ou supérflua consegue imprimir tantas nuances aos desafios do Japão do pós-guerra. Gosto muito dessa cena pelo modo como dois meninos (que na verdade provocam o acidente) são filmados e especialmente pelo plano final, com um plano médio fechado da expressão de Mori depois que o homem da bicicleta se vai (ver foto).</p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEguLU1KAF7znD0KTk4gJG0--2voFLKNMVtM26xBPjXDVT-3EWiXTTBn9xjo8wRiuPsLl9JhO3Hpkgtvea2CEScc--VTz8YbHAHU2l_e5w9rgBYFi7EW0bsyfys3jFMJ-FGNCdWj_e6khHPV4cJYKun6LHoTHzO2DN0ZwUoLTG3UkrpuWM4kmLQ/s1920/ANGRY%20STREET%202.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: center; text-indent: 0px;"><img border="0" data-original-height="1080" data-original-width="1920" height="360" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEguLU1KAF7znD0KTk4gJG0--2voFLKNMVtM26xBPjXDVT-3EWiXTTBn9xjo8wRiuPsLl9JhO3Hpkgtvea2CEScc--VTz8YbHAHU2l_e5w9rgBYFi7EW0bsyfys3jFMJ-FGNCdWj_e6khHPV4cJYKun6LHoTHzO2DN0ZwUoLTG3UkrpuWM4kmLQ/w640-h360/ANGRY%20STREET%202.jpg" width="640" /></a></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">obs2: a delicada artesania de Naruse pode ser vista em alguns momentos como esse plano que encerra a sequência. Percebemos <span style="text-indent: 47.2px;">que um beijo ocorre fora de quadro </span><span style="text-indent: 35.4pt;">pelo modo como se levantam os pés semidescalços da mulher. Ao lado, um maço de dinheiro corrobora o materialismo de Sudo.</span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><br /></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">* filme visto no Cineclube Araucária. Agradeço os comentários no debate do Cineclube que muito contribuíram para a escrita do presente texto.</p>Cinecasulófilohttp://www.blogger.com/profile/17585855697515454968noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7426511.post-23944291829403732512022-05-12T10:32:00.006-03:002022-05-12T10:32:57.358-03:00MEDIDA PROVISÓRIA<p> <b style="text-align: justify;"><span style="color: #3d85c6;">MEDIDA PROVISÓRIA, MARIGHELLA E AS HERANÇAS DO
CINEMA DA RETOMADA</span></b></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><o:p> </o:p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhYrPW-eYO2eua6L9pZm4KRh10rrqiOjCpyXYpQ-VIC3v-1vfc7dOlSHgBYxfm-8KX5xUPf8bLfh6GPFkEmFh5MBGK9OYye8mDPo0V0c1v5tTeBjh87HgdE0H1SIJyTvp80r7L5w7GQ6MWaW3vaquyx5omQwzxW27LHRx5-3nwTVnUSONJev8k/s450/MP_240419_cena_foto-mariana-vianna-9759-1-1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="300" data-original-width="450" height="426" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhYrPW-eYO2eua6L9pZm4KRh10rrqiOjCpyXYpQ-VIC3v-1vfc7dOlSHgBYxfm-8KX5xUPf8bLfh6GPFkEmFh5MBGK9OYye8mDPo0V0c1v5tTeBjh87HgdE0H1SIJyTvp80r7L5w7GQ6MWaW3vaquyx5omQwzxW27LHRx5-3nwTVnUSONJev8k/w640-h426/MP_240419_cena_foto-mariana-vianna-9759-1-1.jpg" width="640" /></a></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><p></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Vejo
que há muito em comum entre MARIGHELLA e MEDIDA PROVISÓRIA, dois filmes
brasileiros recentes que atraíram a atenção da crítica e do público num momento
de crise não só do Brasil mas do próprio cinema brasileiro. Vivemos uma crise
institucional do cinema brasileiro, expressa pela paralisia dos financiamentos
públicos, com os ataques à Ancine pelo governo Bolsonaro, e agravada com a
pandemia. Uma crise também de mercado, uma vez que, após a reabertura das salas
de cinema, sem a devida regulação da Cota de Tela pela Ancine, os blockbusters estrangeiros
passaram a ocupar mais de 90% de nossas telas. Mas essa crise seria também uma
crise de ideias? Como o cinema brasileiro pode reagir/vem reagindo a esse
cenário de crise?<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Os
dois filmes se baseiam em um modelo de produção hegemônico para falar de
questões ligadas ao periférico. Ambos se fundam em certa polêmica a partir de
questões urgentes do nosso contexto sociopolítico (a ditadura e o racismo) mas
se utilizam de uma linguagem linear e de modelos de comunicabilidade. Foram coproduzidos
pela Globo Filmes, com grande cobertura midiática, e curiosamente, foram
realizados por dois diretores estreantes, mas que, antes de diretores, são
atores de um certo star system (mas que, ao mesmo tempo, possuem um certo “glamour
de refinamento”, pois suas trajetórias estão a rigor mais próximas do cinema do
que da televisão).<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Medida
Provisória possui um modelo de produção mais próximo do que poderíamos chamar
de independente em relação a Marighella, uma vez que Lázaro Ramos foi levado a
dirigir pelas circunstâncias, mas que ao final teve seu formato final desenhado
pela participação do veterano Daniel Filho (leia-se GloboFilmes). Já Marighella
foi concebido pela O2 Filmes, uma das maiores produtoras brasileiras, com
estrutura logística e financeira invejável para um estreante, com orçamento
superior a R$10 milhões. (Sobre Marighella, ver <a href="http://www.cinecasulofilia.com/2021/11/marighella.html" target="_blank">aqui</a>)<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Enfim, todos esses elementos (a
combinação entre uma pretensa análise sociopolítica brasileira e os elementos
de comunicabilidade do mercado hegemônico, buscando uma tentativa de equilíbrio
que domestica a potência do argumento, a subversão/provocação do entrecho mais
como estratégica de marketing do que efetivamente um desejo de questionar de
verdade as estruturas de base da sociedade e tirar o espectador de sua zona de
conforto, a defesa do cinema brasileiro como estratégia de uma elite classista num
momento de crise institucional, etc, etc) me faz remeter à direta ligação desses
dois filmes com a chamada retomada do cinema brasileiro.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">As estratégicas discursivas de MARIGHELLA
e MEDIDA PROVISÓRIA mostram que o “cinema da retomada” permanece vivo no cinema
brasileiro de hoje, que a retomada não foi simplesmente “um ciclo” que se
encerrou, mas cujas heranças permanecem infiltradas nas estruturas de poder que
conferem visibilidade e legitimidade ao que se considera como “cinema
brasileiro”, ou seja, as instâncias institucionalizadas que elegem quais
filmes, independentemente de serem “melhores” ou “piores”, devem ou precisam
ser discutidos.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">O “cinema da retomada”, com sua
proposta totêmica e globalizante, pretendeu englobar todos os cinemas
brasileiros, mas na verdade esse discurso foi uma mera estratégia retórica para
encobrir um projeto prescritivo de cinema, que acabou por jogar para a
invisibilidade outros cinemas. Esse argumento (que o “cinema da retomada” não
deve ser visto como mero sinônimo do cinema brasileiro entre 1995-2003, que não
engloba todos os cinemas brasileiros mas na verdade representou a defesa de um certo
projeto excludente de cinema – que no fundo expressa os interesses de uma elite
classista, universalizante, conservadora – e que este cinema “não morreu”, mas continua
vivo) é o que desenvolvi no meu novo livro (REVISÃO CRÍTICA DO CINEMA DA
RETOMADA), a ser publicado ainda neste ano de 2022 pela Editora Sulina.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Dado o nosso atual contexto social
de instabilidade, muitos defendem esses filmes de antemão, por apresentarem
para “o grosso da sociedade” questões importantes e urgentes sobre nosso país.
Mal disfarçados, respectivamente, de filme histórico de época e de ficção
futurista distópica, MARIGHELLA e MEDIDA PROVISÓRIA claramente querem nos falar
sobre o país de hoje, apesar de terem sido concebidos e realizados em contextos
distintos daqueles em que foram lançados.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Mas – antes que eu seja
erroneamente rotulado como de direita ou racista – o que pretendo levantar é:
por que um filme tão frágil quanto MEDIDA PROVISÓRIA é mais visto e debatido do
que o muito mais interessante (ainda que com senões, como seu esquematismo) CABEÇA
DE NEGO, filme de Deo Cardoso que também possui valores claros de militância e
modelos de comunicabilidade? Claramente em nada que se refira ao filme em si, nem
mesmo pelo fato de o cineasta ser negro ou estreante, e nem mesmo tanto em
relação aos orçamentos de produção, mas a principal diferença é que Deo é um
cineasta da periferia de Fortaleza, que não tem contatos diretos com a elite
classista do cinema brasileiro, que não é uma figura midiaticamente conhecida, que
seu filme não possui um star system, etc. Mesmo dirigido por um diretor negro,
estreante, que toca em questões sociais importantes e pungentes, é preciso
perceber que a abordagem de Medida provisória dá continuidade e sustentação às
mesmas estruturas classistas de poder que sempre regeram o cinema brasileiro.<o:p></o:p></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="text-indent: 35.4pt;">As contradições de MEDIDA
PROVISÓRIA já começam a ser vistas pela escolha do elenco. Parece que os atores
principais foram escolhidos numa tentativa de visar ao mercado internacional.
Seu Jorge faz um papel curioso, inserindo um certo olhar cômico, que serve basicamente
como “orelha” do protagonista, um ator inglês que atuou na franquia Harry
Potter. Por que escolher como protagonista um ator internacional sem raízes no
cinema brasileiro, em vez de tantos outros que pudessem melhor imprimir a carga
emocional desse personagem? O figurino, a direção de arte, a forma elegante e
pausada de falar, a profissão de advogado/médica, a forma asséptica como o
corpo de Taís Araújo reage ao caos espalhado pelas ruas nos dão a nítida
sensação de que estamos numa tevenovela das nove, num domínio de verossimilhança
pouco afeito a nuances e a um olhar mais generoso para o complexo e delicado
contexto sociopolítico que o filme pretende abordar. Não há nenhum problema que
negros ou negras tenham papeis de médicas/advogados ou quaisquer outras
profissões (ao contrário, isso é ótimo!), o que busco apontar é que o filme
apresenta um olhar (em termos mesmo de um tipo de visualidade) e para um
discurso retórico muito aderentes aos padrões típicos da nossa classe média
branca expressa pelos principais veículos midiáticos, que expressa muito pouco
a dor e a resistência de nosso povo preto, mas parece que a pasteuriza incorporando
as dinâmicas por já muito desgastadas do espetáculo de mercado. Um exemplo
típico é a personagem da vilã interpretada por Adriana Esteves, uma caricatura diretamente
ligada à sua personagem de uma telenovela de grande sucesso. É incrível como cada
um dos atores parece estar em uma diferente frequência, o que nos indica que
nem sempre um grande ator torna-se necessariamente um bom diretor de atores.</span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Ao mesmo tempo em que MEDIDA
PROVISÓRIA levanta questões importantes e busca, por meio de uma comédia
caricata futurista (nisso bem mais interessante que MARIGHELLA), um diálogo
imaginativo com nosso contexto social, suas contradições são muito aparentes.
Me parece muito pouco provável que o cinema negro brasileiro e um debate fecundo
sobre nossas estruturas sociais racistas sejam propostas por um produto da
Globo Filmes coproduzido por Daniel Filho. Com esse texto, não pretendo
simplesmente desmerecer esses dois filmes, mas apenas sugerir, à guisa de
reflexão/provocação, que a ampla aceitação/visibilidade desses filmes é um
sintoma do nosso tempo, desse cruzamento ambíguo entre estética e política,
entre cultura e comércio, entre contestação e marketing. Os falsos debates em
torno desses filmes, deixando de lado outros filmes brasileiros muito mais
potentes, me parece que apontam para a crise em que vivemos, uma crise da
cultura de esquerda em transformar o nosso sentimento de indignação em material
vivo para uma arte que seja de fato questionadora, reflexiva e potente. Esses
filmes expressam os paradoxos da produção de cultura (e de pensamento) de certa
“esquerda hegemônica”, que apontam para os limites em analisar de forma mais
complexa ou mesmo questionar a fundo as estruturas sociopolíticas que nos regem,
pois estão completamente inseridos/comprometidos até o pescoço com esses mesmos
valores que se propõem a criticar.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><o:p> </o:p><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjRztRIh-yCi3Ywkxp7vZmFOK-5aavLHYokrjG7mbD6SwF5sTn5Up75FsTacCWj_6mhzE6gP-EZC55XT3DqzuSpBdoOGxW1ITkg4a-OVwA2FejZtKoluUfnNcBFEL92BR_2i-nBKLptyIuvcu0p9a324nOtwj-Gs4PVx067XL1kHdUq5cwphZ8/s766/medida-766x514.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><img border="0" data-original-height="514" data-original-width="766" height="430" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjRztRIh-yCi3Ywkxp7vZmFOK-5aavLHYokrjG7mbD6SwF5sTn5Up75FsTacCWj_6mhzE6gP-EZC55XT3DqzuSpBdoOGxW1ITkg4a-OVwA2FejZtKoluUfnNcBFEL92BR_2i-nBKLptyIuvcu0p9a324nOtwj-Gs4PVx067XL1kHdUq5cwphZ8/w640-h430/medida-766x514.jpg" width="640" /></a></p>Cinecasulófilohttp://www.blogger.com/profile/17585855697515454968noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7426511.post-19236015490819487632022-04-14T11:49:00.000-03:002022-04-14T11:49:34.329-03:00GET YOUR MAN<p><b><span style="color: #3d85c6;">GET YOUR MAN</span></b></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm;"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm;">de Dorothy
Arzner<o:p></o:p></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm;">1927</p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm;"><o:p> </o:p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi8lNEnhL8bUw-nDSP9xME-L8Tmk9r4nOMk4QaeN_sVfyel1q0UrkevdqWoy08y0wwLAnACWxS9AYn_H3bhnl0stcP3ii90DcuSf1V2a0jop4EU7_-1n_DT-W6GGKl5OG2lH8whPjHjZkfG9RCOsohraXAkb2VWoemmRmNF-bN-NRrKCpwHgx8/s1280/Clara%20Bow%20-%20Get%20your%20man.jpeg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="720" data-original-width="1280" height="360" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi8lNEnhL8bUw-nDSP9xME-L8Tmk9r4nOMk4QaeN_sVfyel1q0UrkevdqWoy08y0wwLAnACWxS9AYn_H3bhnl0stcP3ii90DcuSf1V2a0jop4EU7_-1n_DT-W6GGKl5OG2lH8whPjHjZkfG9RCOsohraXAkb2VWoemmRmNF-bN-NRrKCpwHgx8/w640-h360/Clara%20Bow%20-%20Get%20your%20man.jpeg" width="640" /></a></div><br /><p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i>Get your man </i>faz parte dos primeiros filmes
dirigidos por Arzner, ainda antes da transição para o sonoro, um conjunto de
três fitas realizadas em 1927 na Paramount. Assim, é uma fita ligeira, especialmente
sob medida para a crescente popularidade de Clara Bow, a “<i>It girl</i>”. Sobreviveram
apenas 4 dos 6 rolos desse filme, mas é perfeitamente possível analisá-lo,
ainda que com essa ressalva.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Adoro essas <i>screwball comedies </i>pre-Code, pois nelas
há uma malícia sexual que surge como crítica social dos costumes conservadores
da sociedade norte-americana e como esses costumes passaram a se modificar
rapidamente a partir de meados dos anos 1920 e nos anos 1930, acelerado com o
crack da Bolsa.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Um homem (Charles “Buddy” Rogers) é prometido a uma
mulher, por laços de família desde que eram bebês. Ele vai a Paris encontrar
sua noiva, mas tudo muda quando ele cruza com Clara Bow. Dois americanos que se
conhecem em Paris, e tudo vira uma grande confusão, pois Bow acaba se
hospedando na mansão da família e despertando o interesse do pai viúvo rs.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">É curioso pensar que esses americanos vão se
conhecer em Paris. Assim como outros filmes (lembro do interessantíssimo <i>So
this is Paris</i>, de Lubitsch), parece que Paris é o lugar que representa essa modernidade
dos costumes, que pode encenar coisas que nos EUA não pareceriam tão
verossímeis. Há uma fascinação por parte dos EUA por um certo clima de
frivolidade que emana de Paris.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Adoro o papel das mulheres desses filmes. Como já
expresso pelo título, as duas mulheres (Bow e a noiva) vão agir com os meios
possíveis para se rebelar contra o seu destino e fugir dos casamentos
arranjados. É preciso elaborar uma estratégia e ir atrás dos seus objetivos,
senão eles passam. Essa <i>wit </i>feminina encobre uma visão bastante pragmática e de
empreendedorismo das personagens: os fins sempre justificam os meios. Por trás
do clima de opereta de vaudeville, vejo surgir com muita clareza o espírito
desbravador do empreendedorismo independente do <i>American way of life</i>.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Há uma cena fabulosa nesse filme. Buddy e Rogers se
cruzam várias vezes no mesmo dia ao longo da cidade. Mas eles conversam pela
primeira vez num museu de cera. Bow pensa que Buddy é um dos bonecos mas vê que
ele é real. Antes, há uma cena em que um funcionário do museu abre um dos
bonecos, e dá corda num painel às suas costas, como se fosse a corda de uma
câmera ou projetor. É um indício de metalinguagem. Estamos vendo um filme,
composto por personagens que desfilam dentro de um museu de cera. Em certo
momento, Bow pensa que aprendeu a distinguir os bonecos de cera das pessoas reais,
mas ela se engana. Pois as aparências enganam. A vida é um teatro social de
aparências onde as pessoas se conhecem em museus de cera, como se fossem personagens
de um filme. Por fim, é especialmente mágico o momento dos campos-contracampos
em close quando Bow e Buddy se olham no museu (ver foto do close de Bow). Essa
sequência é um exemplo da sofisticação do cinema de Arzner.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">É preciso sempre se lembrar que Arzner começou no
cinema como montadora. Para uma <i>screwball</i>, é fundamental o <i>pacing</i>. Nesse que é
um de seus primeiros filmes, é notável a dinâmica envolvente do filme, e seu
crescendo até o final. Outras cenas se destacam. A engraçada cena em que os
dois (pai e filho) vão cortejar Bow no jardim e o Marquês começa a espirrar. A
delicada cena no jardim em que Bow se oferece e aceita a proposta de casamento
do Marquês.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Talvez essa deliciosa fita ligeira mostre melhor o
estilo e as habilidades de Arzner do que o “mais responsável” e mais bem
produzido <i>Christopher Strong</i>, com Katherine Hepburn. Hipótese a ser melhor investigada.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><o:p> O filme pode ser visto no Youtube <a href="https://www.youtube.com/watch?v=wO3YFNmmGc8" target="_blank">aqui</a>.</o:p></p>Cinecasulófilohttp://www.blogger.com/profile/17585855697515454968noreply@blogger.com0